Busca por testes dispara, mas não há garantia de final de ano sem covid-19
Às vésperas das festas de final de ano, o volume de buscas por testes rápidos em farmácias voltou a apresentar recorde: na primeira quinzena de dezembro, foram realizados 110.046 exames, índice superior aos 108.801 da última semana de novembro. Os dados são de um levantamento feito pelo UOL junto à Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias).
Desde abril, as farmácias já realizaram mais de 1,5 milhão de testagens. Foram 1.548.508 testes em 2.456 farmácias, com 233.496 resultados confirmados (15,08%) e 1.315.012 negativos (84,92%). A alta nos números é relevante por mostrar um padrão de comportamento de paulistanos que buscam resultados negativos antes das tradicionais reuniões de Natal e Ano Novo. Não existe, contudo, nenhuma medida capaz de impedir totalmente a transmissão de covid-19.
É o caso de Mayara*, que foi convidada para um camarote em uma boate na zona sul. Segundo ela, testes serão disponibilizados para as presenças "vips" — Ela será testada no dia da confraternização.
"Uma festa que só vai entrar quem tiver negativado no teste. A gente queria que todos pudessem ir sem esse medo, se divertir, abraçar os amigos. Mas as notícias só mostram que os casos estão aumentando. Não dá para ir sem fazer o teste. Se der positivo a pessoa não entra. Vai funcionar assim", disse a jovem, que é moradora do Morumbi.
Há uma taxa elevada em falsos negativos e falsos positivos da doença nesse tipo de teste [rápido]. A utilidade é mais de triagem, mas não permite excluir completamente um diagnóstico, nem serve para confirmá-lo, podendo portanto gerar uma confusão se não for interpretado por um profissional de saúde devidamente capacitado."
Natanael Adiwardana, médico infectologista do Hospital Emílio Ribas
Já Claudio*, diz que tem viagem marcada para o réveillon no litoral e que todos convidados farão teste antes da viagem. "A casa é grande, comporta até 30 pessoas. Todos que testarem negativo estarão dentro. Foi um ano difícil, a gente precisa comemorar que estamos vivos".
De acordo com a Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica) a busca por testes em laboratórios teve alta de 25% nos últimos 30 dias, entre novembro e a primeira quinzena de dezembro.
"Falsos positivos e negativos" de testes preocupam médicos
Desde o início de dezembro, as buscas pelo termo "teste de covid" voltaram a crescer no Google. A semana do dia 6-12 de dezembro é até o momento o período com maior volume de pesquisa sobre o tema. Maior inclusive que o pico da doença em junho.
A procura por testes têm criado a teoria, principalmente entre jovens, de que se a resposta for negativa a aglomeração está liberada. Entretanto, alerta André Nathan, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês e professor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, os testes não foram criados para detectar covid-19 em pacientes que não apresentaram sintomas.
Nenhuma sociedade médica nacional ou internacional indica testes para passar o Natal tranquilo."
André Nathan, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês
"Os testes podem erroneamente indicar alguém como negativo que na verdade está com a doença. Você pode estar negativo, mas outras pessoas com as quais você eventualmente se aproximar pode ser uma transmissora assintomática", explica Adiwardana.
Os médicos explicam que o tempo de realização do teste também é um fator importante. Nos primeiros dias de sintomas, o teste tem menor sensibilidade ao novo coronavírus, e o risco de alguém infectado obter resultado negativo aumenta.
Mesmo que o teste fosse 100% eficiente, o próprio fato de estar aglomerado nos deixaria vulneráveis à infecção e, mesmo com o teste (até então) negativo, poderíamos nos infectar na aglomeração e, com ou sem sintomas, levar a infecção para outras pessoas, expandindo a pandemia."
Evaldo Stanislau, médico infectologista do HC
Para Stanislau, testar negativo significa apenas que o teste foi negativo naquele momento. "E nem de longe significa que nunca terá pois mesmo quem já teve pode pegar de novo. Infelizmente gostaríamos de dar outras notícias, mas segurança absoluta, risco zero, são situações que inexistem na covid-19".
Desigualdade social
Os infectologistas ouvidos pela reportagem ressaltam que a doença não escolhe classe social, mas que os mais vulneráveis tendem a "pagar a maior conta". "Certamente, a desigualdade social e de acesso é muito perceptível na covid-19. Os mais pobres tendem, de novo, a serem os mais prejudicados", afirma Evaldo Stanislau, médico infectologista do HC (Hospital das Clínicas).
"Por que não comemorar com pessoas que conseguiram sobreviver a esse ano e que quero ter perto no próximo ano? O vírus está no ar, podemos ir comprar um pão e ser contaminado", questiona Pablo Linhares, 19, que é morador do bairro Jardim Eliana, no Grajaú, extremo sul da capital paulista.
"A gente aqui, da periferia, não tem toda essa capacidade de testar todos amigos e familiares, infelizmente. Os ricos já têm esse privilégio de se cuidar, de comprar testes, muito pela condição financeira. Temos medo? Sim. Mas a gente vai curtir sem teste mesmo", diz Linhares.
Marina* também mora no extremo sul. Ela diz que está viajando e não fez teste e tem visto amigos saindo e curtindo sem saber se tem ou não o vírus.
"Meu esposo talvez tenha pegado [covid-19] no início e ficamos isolados. Eu não tive nenhum sintoma. Mas ficamos sem saber o que ele tinha realmente. Então eu não acho necessário a não ser que tivesse com algum sintoma", afirma a jovem.
Nenhuma festa é 100% segura
"Confraternização, minimizando riscos e danos, é possível de ser feita, mas é importante lembrar que o risco de transmissão com alguns elos assintomáticos é alto. E isso pode colocar aquela pessoa querida para você sob risco de manifestar uma doença grave, ou que ela mesmo passe para alguém querido para ela", orienta Natanael.
Já Evaldo, entende que "nenhuma festa será absolutamente segura". "Uma festa envolve falar alto e até cantar, no consumo e compartilhamento de álcool, distanciamento, higiene das mãos, ambientes arejados e uso de máscaras. Que se não seguidas podem ajudar na proliferação do vírus. Mas convenhamos, as pessoas obedeceriam essas regras?", questiona.
Segundo Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a felicidade deve ser comemorada, mas que haverá um novo momento oportuno.
A gente pede que as festas sejam mais introspectivas, com todo cuidado. A gente tem que fazer festas, sim, mas a partir do núcleo familiar. E assim, vamos ficar vivos e conseguirmos ter festas com todos nossos entes queridos no próximo ano."
Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco
A preocupação para um novo surto do novo coronavírus no país a partir de janeiro, após as festividades de fim de ano, tem tomado conta das discussões entre infectologistas e profissionais da saúde no geral. Um tema que tem ganhado mais força nos corredores de hospitais.
"Nós, infectologistas e profissionais de saúde, estamos extremamente preocupados com o aumento de casos após as festas. O período de incubação da doença varia de um a 14 dias. O impacto disso será sentido ao longo do mês de janeiro e do verão", diz Stanislau.
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