"É morte": mães de crianças autistas lamentam decisão sobre rol da ANS
A voz embargada segura o choro da servidora pública Diony Souza, de Mato Grosso (MT), ao lamentar a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que permitiu aos planos de saúde rejeitarem a cobertura de tratamentos que não estejam listados no chamado rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Mãe do Adrian, 3, que tem autismo, Diony foi uma das mães e pais de crianças autistas que acompanharam o julgamento de dentro e fora do tribunal. Na noite anterior, ela participou de uma vigília em frente à sede da Corte com outros manifestantes e, até então, tinha esperança de uma decisão positiva.
Por 6 votos a 3, porém, a 2ª Seção entendeu que os planos podem seguir um rol taxativo, mais restritivo. Na prática, as operadoras podem negar procedimentos que não sejam previstos pela ANS. A esperança deu lugar à desolação.
"É de partir o coração que tantas famílias hoje estão chorando, sem saber como será amanhã. Sem saber se o plano vai bater na porta e tirar o home care, o respirador da criança", disse ao UOL.
É triste dizer, mas é morte. Tem muita criança que, se ficar um dia sem tratamento, e um tratamento que não está no rol da ANS, morre"
Diony Souza, mãe de Adrian, que tem autismo
O julgamento tem sido acompanhado de perto tanto por organizações civis, mães de crianças autistas e familiares de pessoas com deficiência, quanto pelas operadoras de saúde, e foi um dos casos de maior pressão no STJ deste semestre.
Em fevereiro, um grupo de mais de cem mães e pais de crianças com deficiência se acorrentou às grades do tribunal contra o rol taxativo. Hoje, parte do grupo retornou ao local com faixas e cartazes contra o rol taxativo.
Durante a tarde, celebridades como os ex-BBBs Gil do Vigor e Juliette, além da atriz Paolla Oliveira compartilharam a tag #RolTaxativoMata, que chegou a ser um dos temas mais comentados no Twitter. No Instagram, o apresentador Marcos Mion, pai de uma criança autista, divulgou vídeo pedindo mobilização contra o rol taxativo.
Para a jornalista Andréa Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa e uma das organizadoras do ato, há um temor entre as mães de crianças autistas e com deficiência de que os planos de saúde comecem a trabalhar imediatamente para derrubar decisões que antes eram favoráveis à cobertura de procedimentos não previstos no rol da ANS.
Embora não seja vinculativa, ou seja, não obrigue os demais tribunais a seguirem o mesmo entendimento, a decisão do STJ servirá como referência para instâncias inferiores ao lidar com casos semelhantes.
Essa decisão vai matar pessoas. Vai deixar pessoas com deficiências, doenças graves e doenças raras desatendidas. E se bobear, os planos vão cobrar ressarcimento das pessoas de tudo que já pagaram até agora. É uma tragédia gigante que se abateu neste país hoje e espero que todo mundo esteja bem ciente disso"
Andréa Werner, jornalista e fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa
Após o julgamento, os manifestantes deixaram o STJ com um clima de insegurança sobre os próximos passos. Há a possibilidade do caso ser levado ao Supremo Tribunal Federal, desde que seja questionado algum aspecto constitucional sobre o tema. Não há, porém, prazo para quando isso deve ocorrer.
A advogada Núbia Vieira, que também é mãe de uma criança autista, afirmou que deixa o STJ decepcionada com o resultado do julgamento, uma vez que o tribunal "sempre se sensibilizou" com a causa.
"Nossos filhos estão perdendo a chance de serem produtivos e até mesmo sobreviver. Há muitas crianças com paralisia cerebral que vão ser prejudicadas. Elas não têm tempo para esperar uma decisão do Supremo ou uma lei para socorrê-los. É desesperador", disse.
Taxativo, com exceções
O STJ decidiu hoje que o rol da ANS é taxativo, ou seja, os planos de saúde não são obrigados a arcar com tratamentos que não constem na lista fixada pela agência.
O entendimento foi seguido por 6 ministros: o relator, ministro Luis Felipe Salomão, os ministros Villas Bôas Cueva, Raul Araújo, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e a ministra Isabel Gallotti.
Cueva foi o primeiro a votar na sessão desta quarta (8) e apresentou exceções que poderiam ser abrigadas dentro do rol taxativo. Um exemplo seria a possibilidade do paciente pedir um aditivo no contrato do plano para ampliar a cobertura e incluir um tratamento específico.
Nos casos em que não houver substituto do procedimento médico necessário ao paciente, o ministro decidiu que o tratamento poderá ser incluído na cobertura excepcionalmente, desde que não tenha sido indeferido pela ANS anteriormente, se tenha comprovação médica do tratamento e se tenha a recomendação de órgãos técnicos nacionais ou internacionais.
Cueva justificou o seu voto afirmando que o rol taxativo garante mais segurança jurídica e evita grandes reajustes, uma vez que a sinistralidade será mais previsível para as operadoras
"O estabelecimento de um rol mínimo obrigatório permite previsibilidade para cálculos embasadores de mensalidades aptas a manter em média e longo prazo planos de saúde sustentáveis, pois a alta exagerada de preço provocará barreiras à manutenção contratual, transferindo as coletividades de usuários da saúde pública a pressionar ainda mais o SUS", disse.
As operadoras negam que a mudança promovida pelo STJ levará a mais restrições a coberturas de procedimentos e tratamentos.
O que dizem as operadoras
Em nota, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 15 grupos de operadores, disse que os planos continuarão a cobrir todas as doenças listadas na CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), da Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo com o rol taxativo.
"Ao contrário de alegações divulgadas, na verdade, o rol taxativo garante o acesso a tratamentos seguros, avaliados e reconhecidos por reguladores e órgãos responsáveis pelo atendimento à saúde, a semelhança do que ocorre em todo o mundo. A lista foi instituída com base em estudo técnico aprofundado, e que caberá ao Poder Executivo fiscalizar e regular os serviços de saúde", disse o advogado Marcio Vieira Souto Costa, sócio do escritório Sergio Bermudes, que representa a FenaSaúde.
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