'Todo aborto é crime', diz cartilha editada pelo Ministério da Saúde
O governo federal afirma em cartilha editada e disponibilizada pelo Ministério da Saúde que "todo aborto é crime" no Brasil.
"Não existe aborto legal. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno. O acolhimento da pessoa em situação de aborto previsto em lei deve ser realizado por profissionais habilitados", afirma a pasta.
O texto é assinado pelo secretário nacional de Atenção Primária da pasta, Raphael Câmara; pela diretora do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Lana Aguiar Lima; e por Patrícia Marcal, assessora jurídica do Ministério da Saúde. Questionada pelo UOL sobre a validade e as circunstâncias em que se deram a criação e a publicação do documento, a pasta não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem. Em caso de eventual posicionamento, o texto será atualizado.
"No Brasil, só 1% dos abortos por razões legais são justificados por risco de morte materna. Nesses casos em que a gravidez acarreta um risco para a vida da mulher, deve ser garantido à gestante o direito de decidir qual das opções possíveis é a melhor para si mesma", afirma o documento do Ministério da Saúde.
"Diante de uma situação de risco letal futuro, cabe ao médico oferecer todas as informações de forma imparcial sobre os riscos da manutenção da gravidez para que a mulher possa decidir livremente pela manutenção ou não da gravidez."
O que diz a Lei
No país, o Código Penal trata, desde 1940, do aborto nos artigos 124 a 128, e a pena para a mulher que o praticar é de um a três anos de detenção. O procedimento só não é punido em caso de estupro ou risco de morte para a gestante.
Em 2012, o STF decidiu que também era permitido em caso de anencefalia fetal.No campo da saúde, o tema é tratado nos textos "Atenção Humanizada ao Abortamento", primeira edição de 2005 e "Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes", em vigor desde 1999.
As normas definem, por exemplo, um atendimento multidisciplinar em caso de estupro, apontam documentos e procedimentos que a equipe deve adotar e afirmam que, nesses casos, não pode ser exigido nem boletim de ocorrência nem decisão judicial das vítimas.Apesar disso, a pesquisa "Serviços de aborto legal no Brasil - um estudo nacional", realizada por Alberto Pereira Madeiro e Debora Diniz, mostrou que, além de poucos serviços desse tipo no país, muitos exigem documentos desnecessários e retardam o atendimento das pessoas que desejam interromper uma gestação nas situações previstas em lei.
Segundo a enfermeira e epidemiologista Emanuelle Goes, pesquisadora associada na UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pós-doutoranda na Fiocruz-Bahia, a legalização do aborto é uma questão de justiça social.
"As mulheres têm direito à autonomia reprodutiva e o aborto criminalizado viola esse direito. É uma questão de justiça social porque as mulheres sofrem as consequências de procedimentos clandestinos e inseguros, com a morte".A seguir, Ecoa explica o que diz a lei no Brasil, quem são as mulheres que abortam e quais são as criminalizadas, como o procedimento pode ser feito de forma segura, como são as leis em outros países e o que sabemos das experiências onde ele já foi descriminalizado.
Quem aborta no Brasil
Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto de 2016, esse é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões no Brasil. Os resultados mostram que quase uma em cada cinco mulheres já realizou pelo menos um aborto até os 40 anos.
Apesar do elevado número de casos de aborto, apenas algumas mulheres são denunciadas criminalmente pela prática.
Isso é o que mostrou um levantamento realizado pela Defensoria Pública de São Paulo, que identificou 30 mulheres que haviam sido processadas por aborto no Estado.
Segundo o Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), órgão da Defensoria que realizou o estudo, as acusadas tinham em média renda mensal entre R$ 600 e R$ 900, apenas uma tinha cursado o ensino superior e mais da metade já tinha filhos.
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