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Com Lula, novo Mais Médicos deve excluir cubanos que ficaram no Brasil

Médicos cubanos no Brasil  - Elza Fiuza Cruz/Agência Brasil
Médicos cubanos no Brasil Imagem: Elza Fiuza Cruz/Agência Brasil

Do UOL, em São Paulo

07/12/2022 04h00Atualizada em 07/12/2022 11h30

O cubano Lordames Suarez Galvez, 50, comemorou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial deste ano. Com o PT de volta ao poder, Galvez imaginou que poderia deixar seu emprego de garçom e voltar a fazer o que mais gosta: cuidar de pessoas como médico, profissão que exercia desde 1994, quando se formou em Cuba, mas que precisou interromper em 2018. Naquele ano o presidente Jair Bolsonaro (PL) se elegeu prometendo acabar com a contratação de estrangeiros pelo Mais Médicos, programa símbolo do governo Dilma Rousseff (PT).

O sonho de Galvez, no entanto, não deve se tornar realidade. Apesar da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro, o novo governo não pretende recontratar automaticamente os cerca de 2.500 médicos cubanos que ficaram no Brasil após o fim do Mais Médicos.

Prioridade será contratar brasileiros ou médicos estrangeiros que tenham sido aprovados no Revalida, prova que regulariza o diploma de médico estrangeiro trabalhando no Brasil —exigência que não existia na primeira versão do programa. A informação é de um dos coordenadores na área da saúde do Grupo de Transição, o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro.

Criado em 2013, o Mais Médicos consistia em um convênio entre Brasil, Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) e Cuba para o envio de médicos estrangeiros a regiões remotas do Brasil, onde especialistas brasileiros não queriam trabalhar.

médicos cubanos durante uma sessão de treinamento em uma clínica de Brasília  - Eraldo Peres/AFP - Eraldo Peres/AFP
Médicos cubanos durante uma sessão de treinamento em uma clínica de Brasília, em 2013
Imagem: Eraldo Peres/AFP

Promessa da campanha petista, a volta do Mais Médicos empolgou a comunidade cubana que permaneceu no Brasil após o fim do convênio. A retomada do projeto, no entanto, se resumia a uma curta citação no Programa de Governo de Lula, que prometia "a retomada de políticas como o Mais Médicos".

Agora não há necessidade de contratar médicos sem Revalida. Questionado pelo UOL se o novo Mais Médicos recontrataria os especialistas cubanos que ficaram no Brasil mesmo sem passarem no Revalida, Chioro explicou que o Brasil vive "um cenário muito diferente de 2013", quando ainda era um "desafio garantir médicos em todas as equipes de Saúde da Família em lugares de difícil acesso", como aldeia indígenas, quilombos, assentamentos rurais, semiárido nordestino e periferias das grandes cidades.

Teremos condições de garantir que as equipes de Saúde da Família em todo o Brasil trabalhem com suas equipes completas utilizando os médicos brasileiros ou médicos estrangeiros e brasileiros formados no exterior que tenham revalidado seus diplomas.
Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde

"Caso não seja possível, vamos lançar mão das prerrogativas da legislação, mas seria uma exceção que, no momento, não é necessária", disse.

Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
Arquivo - Ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro contribui para o Grupo de Trabalho de Saúde no governo de transição
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Participar do Revalida custa R$ 4,5 mil. O teste tem duas etapas: a teórica, que custa R$ 410, e a prática. Para participar da segunda, é necessário atingir no mínimo 96 pontos na primeira prova e então pagar nova taxa, de R$ 4.106,09.

Com essa exigência, médicos cubanos que trabalharam no Brasil por anos, como Galvez, continuariam sem poder exercer a profissão no país, apesar da aprovação maciça entre pacientes brasileiros.

A dificuldade, dizem os médicos, é passar no Revalida, prova que além de cara, tem nota de corte "muito alta" e é considerada "mal formulada" pela Aspromed (Associação Nacional dos Profissionais Médicos Formados em Instituições de Educação Superior Estrangeiras).

Uma fonte que acompanha as discussões do novo Mais Médicos na transição de governo disse ao UOL que o grupo de trabalho discute baixar o custo ou criar um "Revalida social" aos que estão em "condição financeira desfavorecida".

Sobre a qualidade da prova, Chioro promete avaliar sua organização com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e entidades médicas, mas "sem afrouxar, facilitar qualquer exigência" para manter "um critério rigoroso de qualidade".

Prova Revalida - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Arquivo - Médicos formados no exterior aguardam para realizar segunda etapa do Revalida, que custa R$ 4,1 mil
Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
"Decepção"

Lordames Suares Galvez, ou doutor Léo, como é conhecido no Brasil, já estava casado, naturalizado e com um filho adotado quando Cuba rompeu o contrato após a eleição de Bolsonaro. Com a vida estabelecida em Amarante do Maranhão —a 683 km de São Luís—, onde trabalhou como clínico geral, Galvez decidiu ficar.

Lordames Suarez Galvez - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Formado na Universidade de Santiago de Cuba, Lordames Suarez Galvez em atendimento no interior do Maranhão
Imagem: Arquivo Pessoal

Em pouco tempo, viu a qualidade de vida cair. Quando trabalhava no Mais Médicos, o doutor Leo tinha uma renda mensal de R$ 4.700, mesmo com 70% de seu salário enviado para Cuba. Esse valor desapareceu.

O jeito foi fazer bico em farmácia. Desde maio, porém, trabalha como garçom em um restaurante da cidade.

"Chego às 8h para ajudar na limpeza. Atendo, sozinho, até 20 pessoas em oito mesas", conta. "Ganho R$ 1.000 por mês, mas recebo R$ 900, R$ 800 quando o movimento é menor", diz ele, que divide um aluguel de R$ 700, além das contas de luz, água e internet.

Decepção com a obrigação do Revalida. Antes de saber dos planos do novo governo para o novo Mais Médicos, Galvez estava esperançoso com a volta de Lula ao poder.

"Tenho confiança no Lula, que conhece nosso trabalho no Brasil, feito com o coração", disse. "Que ele entenda a situação dos médicos formados no exterior, que foram esquecidos por Bolsonaro."

Ele comemorou a informação de que o Revalida deve ficar mais barato, mas falou em "decepção" ao descobrir que só será contratado para o novo Mais Médicos se passar na prova.

Pensei que o governo de Lula levaria em conta os milhares de médicos que ainda não têm Revalida... Que triste, pensei que teriam outra postura.
Lordames Suarez Galvez, clínico-geral