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'Bate desespero': internação por desnutrição infantil é a maior desde 2012

Crise econômica, pandemia e quedas das taxas de vacinação estão entre as possíveis causas para piora - iStock
Crise econômica, pandemia e quedas das taxas de vacinação estão entre as possíveis causas para piora Imagem: iStock

Do UOL, em São Paulo

24/02/2023 04h00Atualizada em 24/02/2023 07h53

Hestella, hoje com 2 anos, é acompanhada de perto desde que tinha 2 meses, quando os médicos perceberam que a altura dela estava abaixo do esperado. Desde então, realiza um tratamento contra má nutrição infanto-juvenil no Cren (Centro de Recuperação e Educação Nutricional), em São Paulo, onde recebe cinco refeições por dia.

"A Hestella continua com baixa estatura, mostra sinal de melhora, e depois recua. Tem sido acompanhada de perto", diz a mãe, a garçonete Leticia Menezes, 26. Heitor, 5, é o outro filho de Letícia e também faz acompanhamento no Cren, na zona leste da capital paulista.

Às vezes bate o desespero de falar 'Meu Deus, e agora, não tem nada'. O Cren consegue dar uma ajuda, com doação de cesta básica. Mas já faltou comida para oferecer para eles. No quintal onde moro tem a madrinha da Hestella, eu falei para ela: 'Nem que para mim não tenha (comida), mas pelo menos para eles'." Leticia Menezes

Todo dia, em média, 10 crianças menores de cinco anos são internadas por desnutrição no SUS (Sistema Único de Saúde). No ano passado, esse número atingiu o maior patamar em dez anos.

Letícia Menezes com os filhos Heitor e Hestella  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Letícia Menezes com os filhos Heitor e Hestella: 'Já faltou comida para oferecer'
Imagem: Arquivo pessoal

Leticia está grávida de 6 meses e cria sozinha os filhos no bairro de Vila Nova União, na zona leste. O pai das crianças sofre com o alcoolismo e está internado numa clínica de reabilitação. O salário nem sempre cobre todas as despesas.

A crise econômica, a pandemia e as quedas das taxas de vacinação estão entre as possíveis causas para essa piora no quadro. A avaliação é da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), que realizou o levantamento a partir de dados do Ministério da Saúde.

A desnutrição é uma doença que tem raízes profundas na desigualdade social. Tem também as crianças que estão desnutridas, mas que não alcançam nem o hospital. É um retrocesso, um ponto de bastante atenção."
Maria Paula de Albuquerque, pediatra e gerente geral clínica do Cren

Embora o Brasil tenha saído do mapa da fome em 2014, a desnutrição nunca deixou de ser um problema. Especialmente para pessoas de maior vulnerabilidade, como crianças em bolsões de pobreza (como as periferias), populações indígenas e quilombola, segundo a especialista.

O Nordeste é a região com o maior número de hospitalizações: 15,5 mil desde 2012.

  • Nordeste: 36% dos casos
  • Sudeste: 26% dos casos;
  • Norte e Sul: 14% dos casos cada;
  • Centro-Oeste: 10% dos casos.

Os dados do Norte, no entanto, podem estar subestimados. Muitas crianças nem conseguem chegar ao hospital para tratar o problema, devido à extensão territorial, acredita a SBP.

A criança desnutrida marca uma família em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes pai e mãe estão fragilizados. A gente precisa olhar se essa mãe é vítima de violência, a questão de escolaridade. Trabalhamos em rede com a assistência social para fortalecer essa criança."

Helena, 4, nasceu prematura e abaixo do peso e da altura adequados. Desde os 8 meses frequenta o Cren, conta a mãe, a atendente de lanchonete Maria Cassiane Alves, 31.

Helena, 4, faz acompanhamento por causa do baixo peso e estatura - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Helena, 4, faz acompanhamento por causa do baixo peso e estatura
Imagem: Arquivo pessoal

"Ela está começando a se desenvolver, ainda não é o que eles esperam, não é um processo rápido", diz ela, que mora com os pais e a filha em Vila Nova União.

A menina passa o dia no Cren —das 7h às 17h. Além das refeições que faz no local, os profissionais também orientam a família a oferecer alimentos nutritivos para ela em casa.

Os impactos da desnutrição vão desde prejuízos no desenvolvimento afetivo e cognitivo da criança até a morte. Elas ainda têm maior propensão a desenvolver doenças crônicas, como diabetes e hipertensão e de sofrerem com transtornos alimentares. Hestella sofre de bronquite e dermatite, segundo a mãe.

Quanto mais desnutrida, mais suscetível a criança fica a pegar infecções. Daí a importância de ter a caderneta de vacinação em dia, destaca Fabíola Suano, presidente do Departamento de Nutrologia da SBP.

Suano destaca a necessidade de fortalecer o sistema de saúde na atenção básica para evitar o problema, ou para que a criança continue se recuperando após receber alta hospitalar.

São precisos insumos, profissionais capacitados, cuidado com a família. Se estiver muito empobrecida, as escolas têm função fundamental para dar auxílio a essa criança, para que ela não volte a ser internada."
Fabíola Suano, presidente do Departamento de Nutrologia da SBP

O UOL procurou o Ministério da Saúde sobre os planos para combate à desnutrição, mas não teve retorno até o fechamento desta reportagem.