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Zika vírus: por que os casos caíram e o que se sabe após a epidemia?

Zika vírus: por que os casos caíram? - iStock
Zika vírus: por que os casos caíram? Imagem: iStock

Rebecca Vettore

DW

05/03/2023 04h00

Depois da explosão de casos de microcefalia em crianças associada ao zika vírus, que aconteceu em 2015, os episódios diminuíram no Brasil. Se em 2015 e 2016 foram notificados 12.716 casos suspeitos, em 2022, o número ficou em 419, segundo Boletim Epidemiológico divulgado no ano passado pelo Ministério da Saúde.

Dos casos identificados em 2022, 76% seguem em investigação, mas apenas um foi confirmado - e a criança nasceu em 2016. Mesmo tendo diminuído a incidência dos casos, a ciência evoluiu e chegou a resultados de pesquisas importantes relacionados ao tema.

A doença começou a se espalhar pelo Brasil em 2015, chegando a 60 países. Com a gravidade da doença, principalmente em relação às crianças, o combate ao mosquito transmissor foi fundamental para a queda brutal de casos - de 2016 para 2017, o governo brasileiro indicava queda de 90% nos casos de zika.

De acordo com um estudo publicado recentemente pela revista científica The Lancet Regional Health - Americas, mais de 30% das crianças nascidas de mães infectadas pelo vírus zika durante a gravidez apresentaram microcefalia ou outras anormalidades neurológicas, oftalmológicas e de neuroimagem, em decorrência da infecção.

Esse estudo, que é maior e mais abrangente meta-análise já realizada sobre as condições dessas crianças, se baseou em 13 estudos nacionais que reúnem dados de 1.548 gestantes, e pode servir para a implementação de políticas públicas e melhoras nos cuidados dos pacientes, além de orientar as priorizações de novas pesquisas. Os estudos incorporados contemplaram as regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste, as mais afetadas pela epidemia de zika.

Um dos autores do estudo, o epidemiologista Ricardo Arraes de Alencar Ximenes, disse que, em razão da urgência, inicialmente grupos diferentes de especialistas realizaram estudos paralelos, sem que houvesse uma articulação nacional. Isso resultou em amostras menores de pacientes, protocolos com critérios díspares e variabilidade de resultados que aumentavam as incertezas sobre as descobertas.

A harmonização dos protocolos e a consolidação dos dados desses estudos começou já em 2016, explicou Ximenes, que também é professor da pós-graduação em Medicina Tropical da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). "A ciência brasileira mostrou sua maturidade e capacidade nessa epidemia", afirmou, citado pela agência Fapesp.

Como resultado, foi criado o Consórcio Brasileiro de Coortes do zika, que inclui 26 instituições de pesquisa. Para Ximenes, "o grande valor do artigo, o primeiro do consórcio, é a união de forças, que permite chegar a resultados mais confiáveis".

Microcefalia e outras anormalidades

Um dos critérios estabeleceu que os diagnósticos utilizados na meta-análise de infecções por zika nas mulheres grávidas deveriam confirmados através de exames de RT-PCR, considerados mais confiáveis, antes de qualquer anormalidade ser detectada no feto. Eles também precisavam ter sido conduzidos no Brasil, com o acompanhamento das mulheres e crianças até pelo menos o fim da gestação.

Ximenes destaca que, como a epidemia de zika foi detectada pelo aumento de casos de microcefalia, muitas pessoas ainda acreditam que essa é a única anormalidade mais preocupante associada à doença, embora o vírus também possa causar outros problemas.

O estudo afirma que 2,6% das crianças apresentaram microcefalia no nascimento ou logo na primeira avaliação médica, enquanto outras crianças receberam o mesmo diagnóstico com o passar do tempo, sendo que 4% manifestaram o quadro nos primeiros anos de vida.

Monitoramento dos pacientes

Segundo os autores, os resultados indicam que "entre crianças com microcefalia, a fração diagnosticada de maneira tardia não é negligenciável":

O risco de microcefalia pós-natal associada ao zika não havia sido documentado antes. Isso demonstra a relevância de monitorar o crescimento da cabeça de todas as crianças expostas ao vírus antes do nascimento, mesmo se elas tiverem uma circunferência normal de crânio ao nascimento. Autores do estudo sobre a zika

O estudo revelou que menos de 1% das crianças afetadas pela infecção materna exibiam mais de uma anormalidade. "Ou seja, verificamos que as manifestações costumam surgir de forma isolada", afirma Ximenes.

A conclusão serve como alerta para profissionais de saúde, que às vezes podem não relacionar um quadro ao zika por se tratar de um sintoma isolado.

O diagnóstico precoce da síndrome possibilita intervenções precoces, que beneficiam os pacientes. Ricardo Arraes de Alencar Ximenes, epidemiologista

Ximenes avalia que os dados reforçam a necessidade de um monitoramento constante do zika. Ele defende que os centros de pesquisa e as autoridades devem priorizar o desenvolvimento de testes precisos e de baixo custo para diagnosticar o vírus, de modo a "minimizar o risco de novas infecções se disseminarem e causarem ondas de doença e complicações".