Recusa de planos médicos em tratar autistas lidera ranking na Justiça de SP
A recusa das operadoras de saúde em tratar pessoas com autismo lidera o número de processos na Justiça de São Paulo sobre negativa de cobertura assistencial pelos planos médicos, revela pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e da PUC-SP, que analisou ações no Tribunal de Justiça entre janeiro de 2019 e agosto de 2023.
O que aconteceu
Autismo lidera o ranking. A pesquisa —que coletou 40.601 ações com negativas— analisou os 16.808 processos que informaram a condição médica que os planos teriam se recusado a tratar. Com 3.017 ações, os TGD (Transtornos Globais de Desenvolvimento) registraram quase o triplo de reclamações que o segundo colocado (1.116), os transtornos por uso de drogas.
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A Organização Mundial da Saúde considera TGD como autismo. Em 2022, a entidade adotou o termo TEA (Transtorno do Espectro Autista) para englobar os diagnósticos antes classificados como Transtorno Global de Desenvolvimento. É o caso do autismo infantil e atípico, Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno com Hipercinesia (movimentos involuntários) associado a retardo mental.
Uma em cada 36 pessoas tem autismo. O dado é do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos. Como não há estudo no Brasil, a proporção americana (de 2023) pode significar que até 5,3 milhões de brasileiros tenham autismo.
Medical Health lidera as queixas. O top 10 leva em conta os mais de 40 mil ações com negativas dos convênios, e não apenas os 16 mil processos em que os pacientes informaram sua condição médica. (Leia abaixo o que dizem as empresas)
No ano passado, as queixas contra operadoras que interromperam o tratamento de autistas dispararam. Ao todo 450 denúncias foram levadas ao gabinete da presidente da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Assembleia Legislativa de SP, Andréa Werner (PSB), desde março de 2023.
"Tiraram o plano da minha filha"
A Unimed Nacional cancelou o plano da Marina, de 6 anos. "Ela não dormia bem, não olhava nos olhos, não falava e nunca engatinhou", conta a mãe, a estudante Erika Thais Mariano, 41. "Após o diagnóstico de autismo, aos 2 anos, pedimos tratamento à Unimed, que negou. Quando liberou, disse que era engano e cancelou."
Entrei na Justiça e consegui uma liminar. Assim que o tratamento iniciou, a Marina começou a falar.
Erika, mãe da Marina
Em fevereiro de 2023, o plano quase dobrou a mensalidade. Ela passou de R$ 365 para R$ 689. "E em abril comunicou o cancelamento do contrato", conta Erika, que voltou à Justiça.
Em junho, uma nova liminar mandou a Unimed retomar o convênio. Em dezembro, outro despacho cancelou o reajuste. Como as decisões são liminares (provisórias), a empresa recorreu.
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Quero receberA Marina melhorou a fala, a alimentação, agora expressa sentimento, consegue pedir. Sua inclusão na sociedade depende disso. Não dá pra imaginar o que vai acontecer se ela perder o tratamento.
Erika
Unimed diz que cumpre decisões judiciais. Em nota, a empresa afirma que o caso se refere "a um contrato coletivo por adesão", que suas decisões "estão previstas e regulamentadas pela ANS" e estão de acordo com os contratos. Além disso, a Unimed diz que não age "de maneira discricionária ou discriminatória".
Terapias encarecem planos
O crescimento da oferta de terapias a esse público aumenta as despesas. Em 2022, a ANS (Agência Nacional de Saúde) publicou resolução obrigando cobertura ilimitada de sessões para todas as terapias para autistas, com direito a psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas.
236 mil crianças autistas têm plano médico no Brasil. Cada uma custaria até R$ 6.000 por mês, "movimentando próximo de R$ 1 bilhão mensal", estima a Med Advance, clínica especializada em terapia ocupacional. "Um investimento alto em um segmento que não registrava demanda tão grande até 2020", diz Janderson Silveira, CEO da empresa.
O problema está no modelo de negócio, diz o Idec. "Os planos no Brasil foram concebidos para vender 'cura'. Mas o autismo, como outras condições, não tem cura, mas precisa de cuidado constante para ter melhora", diz Marina Magalhães, pesquisadora do Idec e uma das autoras da pesquisa.
Eles não foram concebidos para ficar tratando o paciente por toda a vida. Esse é um impasse setorial.
Marina Magalhães, do Idec
Federação Nacional de Saúde Suplementar contesta estudo. "É preciso cautela na interpretação de que os planos de saúde apresentam alto índice de recusa a tratamentos para autistas. Entre 2019 e 2022, os planos garantiram mais de 31 milhões de atendimentos de fonoaudiologia (crescimento de 26% em 2022, em relação ao ano anterior); 103 milhões de consultas de psicologia (aumento de 25%); e outras 12 milhões de sessões de terapia ocupacional (42% a mais)", diz em nota.
O que dizem os planos?
O UOL procurou as operadoras do top 10. O ranking leva em conta o número de processos em relação ao total de segurados de cada operadora.
Geap Saúde. Afirma em nota que "em 2023/2024, durante a nova gestão, não houve judicialização por falta de atendimento a beneficiários com TEA". "A maioria das situações apontadas referem-se a procedimentos não previstos no rol da ANS e são tratadas caso a caso."
Itaú Saúde. A operadora afirma manter "um processo de melhoria contínua na oferta de serviços" e que as necessidades de seus clientes são avaliadas "de forma minuciosa, seguindo políticas internas e legislações vigentes".
Cassi. A empresa diz que "leva em consideração protocolos baseados em evidências" ao avaliar os pedidos. Sobre o TEA, teria 583.377 atendimentos em 2023, elevando "a qualidade do cuidado a esse público".
Amil. "Por ser uma pauta setorial, pedimos que a direcione para as entidades representativas do segmento", diz em nota.
SulAmérica. A operadora afirma "se posicionar sobre o tema por meio das entidades de classe que representam o setor".
Medical Health. O UOL não conseguiu contato com a líder do ranking. O site da operadora não informa o contato com a assessoria de imprensa; no telefone para atendimento ao cliente, a ligação cai antes de transferir ao atendente; e os corretores que vendem o plano não intermediaram o contato da reportagem com a operadora.
Usisaúde, Allianz, Bradesco e São Cristóvão não responderam.
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