Mesmo com remédios, africanos com transtornos mentais não se livram de correntes
As pessoas com transtornos mentais graves suportam abusos em todo o mundo, são enjauladas, mantidas em instituições e aprisionadas, mas aquelas que vivem acorrentadas a árvores ou blocos de concreto em partes da África estão entre as maiores párias da Terra.
Uma maneira de acabar ou reduzir a dependência desse costume, segundo alguns especialistas, seria a introdução da psiquiatria ocidental, garantindo diagnóstico e medicação aos aprisionados. Um líder religioso em Gana, que dirigia um retiro de oração onde dezenas de pessoas estavam acorrentadas, decidiu que a ideia, apesar das preocupações sobre as drogas e críticas ao imperialismo cultural, valeria a pena ser testada.
Agora, na última edição da revista "The British Journal of Psychiatry", uma equipe de pesquisadores ganenses e norte-americanos divulgou resultados de uma experiência no acampamento, o primeiro teste controlado de uso de medicamentos em pacientes psiquiátricos acorrentados na África Ocidental.
As conclusões foram incertas: o tratamento com remédios, principalmente para a psicose, esconde sintomas de alucinações e delírios, mas não reduz o período de tempo que as pessoas passam acorrentadas no retiro.
"Não vamos apagar essas violações dos direitos humanos com medicamentos", disse o Dr. Robert Rosenheck, professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, que desenvolveu o teste e foi um dos autores do relatório.
A Dra. Angela Ofori-Atta, professora associada de Psiquiatria da Faculdade de Medicina e Odontologia da Universidade de Gana, liderou o estudo e organizou o acesso aos pacientes acorrentados no retiro. Ela contou que o tratamento produziu algumas melhoras individuais dramáticas --como a do homem, preso há 10 anos, que se tornou surpreendentemente lúcido pela primeira vez--, e que um acompanhamento mais cuidadoso e mais longo provavelmente reduziria um pouco o uso das correntes.
Os especialistas reconheceram os múltiplos perigos culturais envolvidos, incluindo a obtenção do consentimento, talvez a questão mais delicada, mas ficaram impressionados pelo simples fato de o teste ter sido feito.
"As implicações são claras: o controle dos sintomas através do uso exclusivo de medicamentos não é um meio para reduzir o acorrentamento. Este estudo reafirma a necessidade de uma abordagem mais ampla e humana para o controle da psicose", escreveu o Dr. Vikram Patel e o Dr. Kamaldeep Bhui, professores de Saúde Global em Harvard, em um editorial que acompanha o estudo.
As pessoas são acorrentadas em retiros de oração, em geral cristãos, na África Ocidental. Alguns deles são pequenos e escondidos, enquanto outros são lugares amplos, com igrejas ao ar livre e lanchonetes, que reúnem pessoas em dias santos.
Os pastores que dirigem esses locais e seus seguidores acreditam que a oração e o jejum são o melhor tratamento para os problemas mentais. Os funcionários removem as correntes quando acham que a pessoa já não está mais mentalmente perturbada, mas consistentemente lúcida, calma e razoável, o que pode levar dias, meses ou mesmo anos, dependendo da pessoa e da instituição.
O líder do retiro Mt. Horeb, localizado a uma hora de Acra, a capital do país, permitiu que Ofori-Atta e uma equipe de residentes de psiquiatria recrutassem alguns acorrentados para o estudo. A equipe obteve o consentimento da forma habitual, explicando o procedimento e seus riscos para as pessoas e suas famílias na língua nativa da região, o twi.
A obtenção do consentimento é um processo imperfeito, mesmo quando envolve pacientes nos Estados Unidos que vivem de forma independente. Quando são africanos pobres e acorrentados, tudo é mais complicado, segundo Rosenheck. As pessoas presas são profundamente vulneráveis e geralmente ignoram a medicina ocidental; muitos estão prontos a aceitar quase tudo que seja aprovado pelos funcionários e pelo líder religioso.
"Você explica tudo em detalhes e faz perguntas. Mesmo assim, o processo lá é tão ambíguo quanto o daqui", disse Rosenheck. A Iniciativa de Liderança Global de Saúde de Yale trabalhou com Ofori-Atta para desenvolver o estudo. O financiamento veio da Universidade de Gana e do Ministério da Saúde do país.
Na análise, os pesquisadores monitoraram o bem-estar mental de 110 pessoas acorrentadas. A grande maioria tinha um transtorno psicótico, como a esquizofrenia. Metade recebeu um diagnóstico, com termos ocidentais como esquizofrenia e depressão, e o tratamento predominantemente medicamentoso; a outra metade continuou como antes, sem alterações ao tratamento.
Após seis semanas, as drogas mostraram claras melhoras em uma classificação padrão que indica sentimentos de hostilidade, ausência de emoções e alucinações. Os moradores do retiro que fizeram a avaliação não sabiam quais pacientes receberam medicação e quais não.
"As melhoras eram praticamente as mesmas que vemos em ensaios feitos em países ocidentais", disse Rosenheck. Porém, o número de dias que cada um passou acorrentado foi idêntico em ambos os grupos: 12 dias em média após a fase inicial de testes.
As razões pelas quais o teste não reduziu o acorrentamento não são óbvias, disse Ofori-Atta, mas podem incluir a duração do teste propriamente dito. A decisão de remover as correntes era do retiro, e normalmente a equipe quer ver uma melhora constante ao longo do tempo.
Ofori-Atta disse que outro fator foi o abuso de drogas recreativas. Alguns dos acorrentados eram viciados e propensos a voltar a usar drogas caso fossem libertados, então os funcionários hesitavam em libertá-los.
Nesse sentido, o estudo é mais uma demonstração de que as pessoas têm pouca chance de se curar totalmente até que sejam reintegradas a uma comunidade que lhes ofereça o apoio necessário, independentemente do diagnóstico ou do tratamento.
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