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Jovens em situação ilegal, no limbo migratório há quase 20 anos nos EUA

27/12/2016 17h33

Nova York, 27 dez 2016 (AFP) - A mãe de Juana e Inés Alejandro fez um grande sacrifício na fronteira do México e entregou suas filhas de dois e três anos a desconhecidos para que as levassem ilegalmente para os Estados Unidos.

Isso foi há 17 anos, e não havia recuo na pobreza de sua cidade de San Miguel Amatitlán, em Oaxaca. Vários dias depois, os "coiotes" ajudaram-na a cruzar essa mesma fronteira em busca do sonho de uma vida melhor. Ela já recuperou suas filhas no Arizona e viajou para Nova York, onde reencontraria o marido. O casal não se via há dois anos.

Hoje, as irmãs têm 19 e 20 anos e estudam na Hostos Community College, uma faculdade pública do South Bronx, na qual 60% dos estudantes são de origem hispânica.

Há muitas noites vem sendo difícil dormir, porque sabem que, em um mês, quando o republicano Donald Trump tomar posse, basta sua assinatura para que sejam deportadas a qualquer momento.

"Não posso dormir à noite. Penso no que acontecerá se for deportada, como vou fazer para me arrumar em Oaxaca (...) Teria de começar tudo de novo", disse Inés, que estuda enfermaria, em uma entrevista à AFP na universidade.

Na Terra do Nunca, Nunca, JamaisA família vive há anos com a angústia de saber que pode ser descoberta e dividida a qualquer momento. Isso significou, ao longo desse tempo, ir ao médico apenas em casos de emergência, não participar de viagens escolares e nunca voltar para o México.

Juana e Inés têm outros três irmãos nascidos nos Estados Unidos. Assim como elas, seus pais também vivem em situação ilegal: a mãe prepara comida mexicana que uma tia vende na frente de uma estação de trem, enquanto o pai a ajuda e lava louça em um restaurante, ou trabalha na construção civil.

A sorte de Juana e Inés mudou em 2013, quando se candidataram ao programa Deferred Action for Childhood Arrivals (Ação Diferida para Chegadas na Infância, em tradução livre). O DACA (na sigla em inglês) foi criado um ano antes por meio de uma ordem executiva - ato que prescinde da aprovação do Congresso - para outorgar a jovens como ela um visto de residência e trabalho por dois anos, renovável.

"Depois de tantos anos sem documentação, o DACA me abriu muitas portas. Consegui arrumar trabalho. Perdi o medo", contou Juana, que estuda Administração de Empresas.

Na campanha, Trump prometeu pôr fim ao DACA "imediatamente". Depois de eleito, suavizou o tom.

Esses jovens "trabalham aqui e foram à escola aqui. Alguns foram bons estudantes. Alguns têm empregos incríveis. E estão na Terra do Nunca-Nunca Jamais, porque não sabem o que vai acontecer", disse o próprio Trump à revista Time, depois de sua eleição em 8 de novembro.

"Vamos encontrar uma solução que deixará as pessoas felizes e orgulhosas", prometeu, sem dar detalhes.

Um grupo de senadores democratas e republicanos apresentou este mês um projeto de lei chamado "Bridge" (Ponte). O texto protegeria esses jovens da deportação por três anos e lhes permitiria trabalhar, se o DACA for eliminado por Trump.

Um sonho eternoAcredita-se que exista hoje 1,8 milhão de jovens nessa situação nos Estados Unidos. Foram levados para o país ilegalmente por seus pais, cresceram nos EUA, falam inglês fluente e frequentaram o Ensino Fundamental. Cerca de 65.000 terminam o Ensino Médio todos os anos. A maioria quer ir para a universidade, mas apenas entre 5% e 10% conseguem pagar. Mais de 741.000 se candidataram ao DACA.

Há muitos anos, encontram-se em um limbo migratório, à espera de um milagre. E o milagre tem até nome: é o projeto de lei "Dream Act", uma solução definitiva, já que lhes concederia o cobiçado "Green Card" - a permissão permanente de residência e de trabalho. O texto está há 15 anos parado no Congresso. Por isso, esses jovens acabaram sendo chamados de "dreamers", os sonhadores.

"Se o novo presidente eleito estivesse aqui, eu lhe diria que não são todos os imigrantes em situação ilegal que são ruins. Não estamos tirando nada de ninguém. Nem todos cometeram crimes. Meus pais pagam seus impostos. A maioria está aqui para se superar e aproveitar as oportunidades que não temos nos nossos países", disse Inés.

"Meus pais trabalham muito. Quase não dormem à noite para nos ajudar a pagar a universidade. E nós também temos de trabalhar. Se o DACA acabar, mesmo que não sejamos deportadas, será muito difícil continuar estudando", desabafou.

Em meio à incerteza e ao medo, as duas irmãs decidiram se expor e ajudar outros estudantes na mesma condição que elas reunidos no "Dream Team" da Hostos Community College. A instituição as apoia.