A mesa dos cubanos com sintomas do novo coronavírus
Havana, 24 Abr 2020 (AFP) - "Há frango na esquina da ruas 7ma e 28", escreve Yadira em um grupo do WhatsApp, onde os moradores de Havana são alertados sobre a chegada de alimentos aos mercados. Em Cuba, que importa quase tudo o que come, o novo coronavírus complica o abastecimento. Dias de resistência estão chegando.
"Saímos cedo e, como pequenas formigas, voltamos para casa antes das 6 da tarde", para cumprir o isolamento, diz Angela Martínez, 55 anos, depois de fazer compras em Havana com uma máscara, de uso obrigatório.
Até quinta-feira, a ilha tinha 1.235 casos (43 mortos) da doença COVID-19. Quarentenas foram decretadas em alguns bairros, e o transporte público e aulas, suspensos. Casos confirmados e suspeitos foram isolados.
"Não temos um aumento explosivo, como aconteceu em outros países, e tem a ver com a organização por meio dos profissionais de saúde", diz o representante da OMS/OPAS em Cuba, o peruano José Moya.
Segundo a OMS, Cuba possui 82 médicos para cada 10.000 habitantes, contra 32 na França e 26 nos Estados Unidos. Mas a pandemia ocorre em um momento difícil.
A ilha enfrenta problemas de abastecimento, devido à intensificação do embargo dos Estados Unidos, à falta de liquidez e à lentidão na reforma de seu modelo econômico no estilo soviético.
O fechamento das fronteiras atinge o turismo, motor econômico que representou US$ 3,3 bilhões em 2018.
"Cuba será o país que empreenderá a recuperação econômica nas piores condições, devido ao bloqueio dos Estados Unidos", que se soma ao coronavírus e "às limitações e problemas estruturais da economia cubana", diz o cientista político Jorge Gómez Barata.
Além disso, seu principal parceiro comercial, a Europa, é gravemente atingido pela pandemia.
O novo coronavírus ameaça o "fornecimento, devido às restrições de alguns países exportadores de alimentos", detalha um relatório diplomático, ao qual a AFP teve acesso.
Cuba importa 80% de seus alimentos, o que representou cerca de 2 bilhões de dólares em 2019.
Ao mesmo tempo em que a crise global ameaça a entrada de remessas, que estimulam o consumo doméstico, a escassez de chuvas prejudica as lavouras e leva a uma falta de água.
Enquanto isso, o isolamento social aumentou o consumo doméstico de energia, provocando o medo de apagões.
As sanções de Washington atingem com força a Venezuela, sua aliada e fornecedora de combustível.
- Filas-"Onde tem arroz?" e "onde achar pasta de dente?". As mensagens no WhatsApp vão e vêm. Desde a chegada do 3G na ilha no final de 2018, essa rede tem sido fundamental para a localização de produtos.
"A fila é muito lenta, cheguei às 9 da manhã e saí às 16 horas. Comprei de tudo, porque não quero entrar na fila novamente", escreve Matilde no grupo "Só Comida". A polícia cuida da ordem e da distância entre pessoas na fila.
Os cubanos recebem uma cesta básica mensal de alimentos subsidiados, mas é insuficiente e eles devem completar o menu.
Vários grandes mercados fecharam, e a venda de alimentos e produtos de higiene pessoal foi organizada em lojas de bairro.
A chegada de insumos de grande demanda, como frango, gera filas. O que faz o humorista cubano Luis Silva, "Pánfilo", dizer que o agente transmissor do coronavírus é... o frango.
"Em alguns lugares, a população se concentra e é um risco, e estamos vendo isso em muitos países", diz Moya, da OPAS.
Nos últimos dias, 18 pessoas foram infectadas em um shopping. Para evitar multidões, vendas on-line foram implementadas, mas a fragilidade da rede e o pouco hábito retardam o serviço.
É difícil fazer quarentena quando há escassez, diz o economista Omar Everleny Pérez.
"Precisamos procurar soluções nacionais, porque não sabemos que alimentos nossos países fornecedores deixarão de produzir", diz o ministro da Economia, Alejandro Gil.
Os cubanos, que enfrentaram uma grave crise econômica nos anos 1990, superaram os furacões.
"Temos a convicção moral e política de resistir a qualquer coisa. Tentamos encontrar a solução com o que temos", diz Martínez.
"É uma experiência única (a pandemia) que estamos aprendendo. Não é fácil", diz Roberto Sánchez, 57 anos, também fazendo compras em Havana.
Alguns fazem máscaras com restos de tecidos e entregam aos vizinhos. Outros se apoiam nas compras, ou alertam para a chegada de suprimentos.
"Ontem consegui comprar frango, graças a você", responde um usuário anônimo a Yadira, no WhatsApp.
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