Bolsonaro opta por recuo estratégico na crise do coronavírus
Aparentemente, não se trata mais de apenas uma "gripezinha": o presidente Jair Bolsonaro demitiu seu ministro da Saúde, fez encomendas massivas de vacinas e até começou a usar máscara contra a covid-19 que devasta o Brasil.
Mas não se espera uma mudança radical: se o líder da extrema direita agora reconhece a importância da vacinação que tanto criticou, não parece de forma alguma disposto a moderar seu discurso contra o confinamento.
"Não vejo uma mudança definitiva. Está sendo pressionado por setores dentro do próprio governo, provavelmente pelos próprios militares, os parlamentares do centrão, os governadores que ainda o apoiam, que estão preocupados porque a pandemia está fora de controle", com mais de 279 mil mortos, explica à AFP Geraldo Monteiro, cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Essa pressão política aumentou na semana passada, em particular por causa do efeito Lula, que voltou a ser elegível para enfrentá-lo na eleição de 2022. O ex-presidente se vacinou diante das câmeras e atacou a gestão "imbecil" da crise da saúde por Bolsonaro.
Uma gestão reprovada por 61% dos brasileiros, segundo pesquisa recente.
"Fase mais agressiva"
O chefe de Estado resolveu mudar de ministro da Saúde pela terceira vez desde o início da pandemia, demitindo seu homem de confiança, Eduardo Pazuello, um general sem experiência na área da saúde, para nomear Marcelo Queiroga, cardiologista reconhecido por seus pares.
Poucas horas antes de anunciar a mudança na chefia do ministério, o presidente ofereceu ao general uma saída honrosa, deixando-o anunciar na segunda-feira a aquisição de 100 milhões de doses da vacina do laboratório Pfizer e 38 milhões da Janssen.
"Pazuello fez um bom trabalho, sua gestão foi boa", garantiu Bolsonaro, mas "a partir de agora passamos a uma fase mais agressiva no combate ao vírus".
Seringa-metralhadora
Uma ilustração dessa nova "agressividade": o desenho compartilhado nas redes sociais por seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, mostrando uma seringa gigante sobre um fuzil, com a legenda: "nossa arma é a vacina".
Uma mensagem dirigida aos seus apoiadores, sem dúvida confusos com esta mudança de discurso de um presidente que assegurara antes que não se vacinaria porque as injeções podiam "transformar as pessoas em jacaré".
Para o epidemiologista Julio Croda, da Universidade de Mato Grosso do Sul, essa nova postura em relação à vacinação é "uma mudança positiva, mas esperamos que outras mudanças aconteçam, como por exemplo apoiar o uso de máscaras, apoiar as medidas restritivas. É algo essencial para que evite o colapso total do sistema de saúde".
Mas confinamento "não é suportável para o presidente Bolsonaro, então o novo ministro vai ter bastante dificuldade para montar qualquer politica", acrescenta.
Também cardiologista, Ludhmila Hajjar, que foi procurada para suceder ao general Pazuello, foi a Brasília no domingo para se encontrar com o chefe de Estado, mas acabou recusando o convite por causa de "divergências" no combate à pandemia.
Seus opositores não se enganam: "creio que não adianta mudar o ministro, se a política continuar a mesma. Se o presidente continuar atrapalhando, fica muito difícil qualquer ministro dar certo", lançou Flávio Dino, governador do Maranhão.
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