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O exílio de Raúl e Aidana, a esperança frustrada de uma geração em Cuba

16/05/2022 13h38

Havana, 16 Mai 2022 (AFP) - Raúl e Aidana acreditavam que as coisas poderiam mudar em Cuba. A ilha recebeu a internet e o país experimentou ares de liberdade, mas que pouco durou. Decepcionados, emigraram seguindo um rastro de jovens de sua geração.

Raúl Prado, advogado e diretor de fotografia de 36 anos, e sua esposa, Aidana Hernández Febles, atriz de 31 anos, acabam de se estabelecer em Miami, na Flórida, iniciando um projeto de vida que nunca imaginaram.

"A emigração é uma ideia com a qual todos os cubanos flertam em algum momento", diz esse homem magro de barba escura, em meio ao caos que reina em seu apartamento, agora quase desmontado, em Havana.

O casal passou da esperança à frustração. Em três anos ele viu como a internet móvel virou suas vidas de cabeça para baixo, permitindo que uma geração se abrisse para o mundo e uma sociedade civil jovem surgisse.

O ímpeto dessa juventude vibrante foi contido pelas autoridades comunistas, que gradualmente recuperaram o controle, à medida que o país afundava em sua pior crise econômica em 30 anos.

Assim, milhares de cubanos começaram a emigrar todos os meses.

A história deste jovem casal ilustra um fenômeno novo na ilha: o de uma geração qualificada e comprometida que desiste de lutar em casa e opta pelo exílio, privando seu país de muitas das mentes mais bem preparadas e deixando-o à própria sorte com uma das populações mais velhas da América Latina.

- Fluxo migratório -Desde a reabertura das fronteiras cubanas em 15 de novembro de 2021, o fluxo migratório é incessante. Segundo a Alfândega dos Estados Unidos, mais de 113 mil cubanos chegaram ao país vindos via México entre outubro e abril.

Grande parte dos cubanos emigrou de avião para a Nicarágua, que em novembro eliminou a exigência de visto para os ilhéus, para tentar chegar à fronteira sul dos Estados Unidos por terra. Mas é cada vez mais comum que também viajem por mar em jangadas.

O sociólogo Rafael Hernández estima que se trata de um "Mariel silencioso", diz ele em referência ao maior êxodo cubano, quando 130.000 pessoas partiram em 1980.

Se essa tendência de crescimento continuar, seria a maior onda migratória em 63 anos da revolução no país de 11,2 milhões de habitantes.

A emigração "está crescendo, e dentro dela a emigração de jovens de nível universitário", reconheceu recentemente Agustín Lage, cientista de comprovada militância revolucionária.

Foi um tempo de esperança na ilha. Em 27 de janeiro de 2019, um forte tornado atingiu Havana, deixando três mortos, 172 feridos e grandes danos materiais.

"Parecia um campo de batalha", lembra Raúl, que descobriu o poder de convocação da internet, mobilizando amigos e conhecidos por meio do Facebook e WhatsApp.

Apenas um mês antes, a internet móvel havia chegado ao país, um dos últimos do mundo a ter esse serviço.

O pequeno apartamento de 35 metros quadrados de Raúl e Aidana, no bairro residencial de Miramar, rapidamente se tornou o quartel-general para doações de alimentos e roupas às vítimas.

A iniciativa pode parecer comum em outros países, mas foi inédita em Cuba, onde somente as autoridades podiam fazer esse trabalho.

Assim nasceu uma rede informal de jovens cubanos, muitos deles artistas, determinados a agir por conta própria.

"Depois do tornado, houve outras coisas e continuamos nos organizando", continua Raúl.

As causas da comunidade LGBTQ+, dos defensores do bem-estar animal ou contra a violência contra a mulher se expressaram nas redes. E esses grupos esperavam poder falar livremente nas ruas.

Novembro de 2020 marcou uma nova etapa, quando membros do movimento San Isidro, um grupo comunitário de artistas, realizaram uma greve de fome exigindo a liberdade de um rapper.

Após uma busca policial no estúdio onde o grupo protestava, cerca de 300 jovens realizaram um protesto sem precedentes em frente ao Ministério da Cultura para exigir liberdade de expressão.

Eles foram convocados por Raúl e o dramaturgo Yunior García, que se tornou o porta-estandarte dessa nova geração crítica.

As autoridades, surpresas, deixaram os jovens se manifestarem, algo sem precedentes na história recente da ilha.

"O que aconteceu hoje é histórico", disse na época Yunior García, que fazia parte de uma comissão de negociação recebida pelas autoridades, mas que não prosperou.

- Geração da ira -Foi apenas o preâmbulo. Em 11 de julho de 2021, Raúl, Aidana, Yunior e sua esposa Dayana se preparavam para assistir à final da Eurocopa e ficaram surpresos ao ver nas redes que milhares de cubanos protestavam nas ruas gritando "Estamos com fome" e "Liberdade".

Mais uma vez, Raúl e Yunior convocaram um grupo de jovens na sede do Instituto Cubano de Televisão (ICRT) para exigir 15 minutos de transmissão e enviar uma mensagem de abertura ao povo.

Em vez de atingir seu objetivo, desta vez foram reprimidos.

Mais de 1.000 pessoas foram presas durante essas manifestações, que deixaram um morto e dezenas de feridos em cerca de 50 cidades.

Policiais à paisana agrediram os jovens que chegaram ao ICRT e os jogaram em um caminhão de lixo para levá-los à delegacia. Raúl, Yunior e seus amigos foram libertados no dia seguinte, mas continuaram sendo alvos da polícia, enquanto criavam o grupo de reflexão política no Facebook "Archipiélago", que convocou uma grande manifestação em 15 de novembro.

Um grande destacamento policial impediu esse protesto e Yunior surpreendentemente decidiu se exilar na Espanha com sua esposa, argumentando que havia sido ameaçado com 30 anos de prisão.

Mais de 700 manifestantes do 11 de julho foram processados, alguns recebendo sentenças de 20 a 30 anos.

"Minha geração não sente medo, sente raiva e essa raiva se transforma em dor", diz Aidana.

- Sem futuro -Para Raúl e Aidana, o momento decisivo foi quando ela descobriu que seria mãe. "Eu não quero dar à luz aqui", conta a atriz.

"Seria irresponsável" colocar Aidana e o bebê em risco, concorda Raúl.

Ele sabia que, se ficasse, continuaria "envolvido" em atividades políticas.

Grávida de seis meses, Aidana partiu para a Espanha em 30 de janeiro. Obteve um visto Schengen que também lhe permitia entrar legalmente no México, onde pagou a um traficante para atravessar a fronteira dos Estados Unidos pela cidade de Mexicalli.

Raúl se juntou à esposa em Miami, viajando em março com visto de turista depois de terminar um trabalho com Fernando Pérez, o mais importante cineasta cubano da atualidade.

"É realmente muito triste", comenta Raúl à AFP antes de sua partida. É um caminho que "nunca quis trilhar, que sempre me recusei a trilhar".

Esses jovens "sentem que não têm futuro em Cuba, ou melhor, não querem continuar compartilhando um presente sem liberdade de movimento, com restrições a cada passo [...] sem espaços para expressar e exigir seus direitos de pensar diferente", opina o cineasta Fernando Pérez.

Cuba está perdendo toda uma geração instruída, que provavelmente não voltará.

Vários dissidentes que tentaram retornar no ano passado, após um período no exterior, foram impedidos de entrar.

Isso priva o país de uma elite intelectual e de profissionais capacitados para dirigir as principais empresas da ilha.

A ilha já é um dos países com população mais velha da América Latina: 21,6% têm 60 anos ou mais e desde 2020 há mais mortes do que nascimentos.

Em Miami, Aidana deu à luz o pequeno Bastian.

"Quando olho para trás, quando olho para a Cuba que deixei para trás, me convenço de que foi a melhor decisão que tomei", assegura.

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