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Entre espancamentos e eletrocussões, o cativeiro de um ucraniano na ocupação russa de Kherson

16/11/2022 12h05

Detido duas vezes em Kherson, cidade no sul da Ucrânia que esteve sob ocupação russa durante oito meses, Anatoli Stozki relatou à AFP os interrogatórios a que foi submetido pelos serviços russos e pró-russos, pontuados por espancamentos e choques elétricos.

Anatoli, que, armado com um fuzil, ingressou em uma unidade da força de defesa territorial ucraniana em 24 de fevereiro, no início da invasão russa, estava em Kherson em 2 de março quando as forças de Moscou entraram na cidade. 

Ele foi ordenado a ficar em casa com sua arma e aguardar instruções. 

"Depois de duas ou três semanas, os russos encontraram a lista daqueles que havíamos recrutados para a defesa territorial e começaram a nos prender", contou a repórteres da AFP em sua casa no centro da cidade, alguns dias depois da libertação de Kherson, em 11 de novembro.

Em 25 de abril, "eles vieram. Eu estava com minha esposa e minha filha de 3 anos. Dei minha arma a eles, porque ameaçaram matar minha família", explicou. 

Ele foi então levado, encapuzado, para o que acredita ser uma delegacia de polícia próxima. Foi colocado em uma cela e "amarrado a uma cadeira".

"Três ou quatro pessoas me interrogaram. Me bateram com um bastão e colocaram uma pistola, ou um rifle na minha cabeça. Bateram dos dois lados da cabeça, em cima e nas orelhas, então não deixaram marcas", disse. 

Segundo ele, homens encapuzados - dos serviços de segurança russos - questionaram-no sobre sua arma. 

"Eles me perguntaram onde eu a consegui, quem me deu e por que não a entreguei" depois que os russos entraram na cidade.

Pegaram seu passaporte, tiraram suas impressões digitais e amostras de DNA e disseram que ele agora estava em um banco de dados, que deveria ficar na cidade e colaborar com os russos.

Foi solto em 4 de maio, na rua, com a cabeça coberta.

- Coberto de hematomas -

"Quando cheguei em casa, estava coberto de hematomas", contou Anatoli. 

"Pensei em sair da cidade, mas tive medo", acrescentou.

Em vez disso, enviou sua esposa e filha para um posto de controle em Zaporizhzhia, 300 km a nordeste de Kherson.

Foi, então, preso pela segunda vez em 6 de julho. Desta vez, por homens do Ministério da Segurança do Estado da República Popular de Donetsk, região anexada por Moscou no final de setembro.

"Vieram à minha casa e me disseram: 'sabemos que já foi preso, mas o interrogatório foi incompleto. Agora vai nos dizer quem conhece e onde estão os depósitos de armas'", relatou.

"Nos primeiros cinco ou seis dias me espancaram. À noite, não me deixavam dormir. A cada duas horas, entravam na minha cela e me obrigavam a levantar e a dizer meu nome. Ficava algemado a um cano", afirmou.

Cada vez que seus carcereiros entravam na cela, devia colocar um saco na cabeça para não vê-los. Um dia, foi levado para outra cela para interrogatório.

- Descargas elétricas -

"Amarraram minhas mãos e pés, me jogaram no chão e me eletrocutaram", relatou Anatoli.

Ele acredita que foi eletrocutado com "um dispositivo especial, porque a energia vinha de uma caixa". 

Segundo ele, raramente era permitido ir ao banheiro. Ele urinava em garrafas vazias entregues na cela. 

"Durante as duas primeiras semanas eu urinava sangue. Meus rins estavam em mau estado. Nas celas havia buracos na parede, e eu conseguia me comunicar com outros internos. Isso me permitiu não perder minha sanidade", acrescentou, especificando que era alimentado uma vez a cada três dias. 

No final, foi solto em 20 de agosto, após um mês e meio de detenção. Ele não voltou para casa e se escondeu com parentes, temendo ser preso novamente. Perdeu 25 quilos durante o cativeiro.

Segundo ele, o segundo local de detenção foi um antigo prédio comercial no centro da cidade. 

De lá, podia ver as bandeiras do Japão, dos Estados Unidos e da Ucrânia caídas no chão na entrada. 

O prédio de quatro andares está localizado na rua Pylypa Orlyk. 

Jornalistas da AFP tentaram entrar sem sucesso, porque "uma investigação está em andamento", disse um homem à AFP, no acesso ao local.

"Pensei em suicídio", comentou Anatoli, que completou 50 anos na prisão. 

"Mas pensar na minha família me deu forças para suportar tudo isso", desabafou.

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© Agence France-Presse