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'Operação Êxodo': garimpeiros fogem da Terra Indígena Yanomami

09/02/2023 09h47

Com os chinelos arrebentados, emendados com um pedaço de corda puída, o garimpeiro ilegal João Batista caminhou durante dias para escapar da Floresta Amazônica, fugindo do cerco iminente das forças de segurança.

Batista, um homem esquálido de 61 anos com rugas profundas na pele curtida, é um dos milhares de garimpeiros que deixam às pressas a Terra Indígena (TI) Yanomami, antes da chegada de efetivos da polícia e das Forças Armadas para retomar o controle deste território remoto, ocupado por invasores acusados de provocar uma crise humanitária. 

Líderes indígenas afirmam que garimpeiros ilegais contaminaram a água dos rios com mercúrio, destruíram a floresta tropical, violentaram e mataram moradores e provocaram uma crise alimentar que está devastando a população da reserva, que abriga 30.000 indígenas Yanomami. 

Batista, que passou os últimos sete meses trabalhando em um garimpo ilegal, não se vê como um criminoso. Ele diz que vida lhe deu poucas opções além desta. 

"Olha, eu, já dessa idade, sem estudos, o que eu vou fazer pra ter meu sustento?", questiona em declarações à AFP enquanto avança por uma estrada empoeirada nos arredores de Alto Alegre, em Roraima. 

Ele ainda tem cerca de 85 km pela frente até voltar para casa em Boa Vista, capital do estado. 

Estrada acima, uma família fugindo de um acampamento de garimpeiros tentava conseguir uma carona para a capital: uma jovem mãe de 23 anos, um pai de 15 e os três filhos pequenos do casal. 

Eles contam que pegaram malária na floresta e estão doentes demais para caminhar. 

"Nossos filhos também estão doentes. Preciso chegar a Boa Vista", diz o pai adolescente.

- Corrida do ouro ao contrário -

Um êxodo de garimpeiros tem ocorrido na Terra Indígena Yanomami desde a semana passada, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou que as Forças Armadas estabelecessem uma área de exclusão aérea sobre a reserva, fechando o cerco na floresta a aviões dos quais as minas dependem para receber alimentos e provisões.

Alguns fazem a penosa travessia a pé. Outros fogem descendo o rio Uraricoera em barcos longos e estreitos que, superlotados, chegam a levar mais de 30 pessoas.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse na segunda-feira que o governo começou a mobilizar mais de 500 policiais e militares em uma operação para expulsar os garimpeiros, juntamente com cozinheiros dos acampamentos, prostitutas e outras pessoas, atraídas a se aventurar na floresta pela corrida do ouro.

Dino afirmou que a expectativa do governo é de que pelo menos 80% das cerca de 15.000 pessoas que, segundo estimativas, invadiram a reserva Yanomami deixem o território por seus próprios meios antes que as autoridades deem início às medidas "coercitivas", que segundo ele vão começar esta semana.

Uma das primeiras ações repressivas partiu do Ibama e das forças policiais esta semana, quando equipamento pesado usado no garimpo ilegal foi apreendido e destruído dentro da Terra Indígena. Um helicóptero, um avião e um trator foram explodidos.

O território Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, foi um dos muitos a sofrer com a chegada em massa de garimpeiros ilegais durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), a quem ativistas acusam de encorajar estas invasões.

- 'Verdadeiros bandidos' em fuga? -

O cerco aumenta a tensão na região, onde toda uma atividade econômica se desenvolveu em torno da indústria do ouro.

No mercado paralelo de Roraima, o ouro é vendido a 280 reais o grama. A AFP encontrou garimpeiros transportando até 30 gramas do metal.

Mas o dinheiro pode acabar rápido.

Em uma parada local de caminhões, um piloto ilegal exibe um punhado de ouro - seu pagamento por um voo recente. Ele se diz preocupado de que possa ter sido o último: ele precisa parar de trabalhar por causa da zona de exclusão aérea.

Moradores locais temem o impacto da fuga em massa dos garimpeiros recém-desempregados.

A polícia militar de Roraima lançou o que denominou de "Operação Êxodo" para "intensificar" sua presença e "prevenir transtornos".

As autoridades têm encorajado os garimpeiros a saírem voluntariamente - embora Dino tenha prometido processar "todos aqueles que cometeram crimes, como genocídio, crimes ambientais, financiamento do garimpo ilegal e lavagem de dinheiro".

Um garimpeiro de 58 anos, que se identificou apenas pelo apelido "Parmalat", diz se ressentir por ser tratado como um criminoso, quando crimes como corrupção costumam ocorrer sem punição.

"Nós não temos valor", afirma.

"Nós trabalhamos e somos tratados como bandidos. E os que são bandidos não são tratados como bandidos".

str-jhb/mvv

© Agence France-Presse