'Meus nervos foram queimados': ameaça de envenenamento assusta opositores russos
Natalia Arno tem dificuldade em ficar de pé por muito tempo. Desde que foi envenenada há cinco meses, tal como muitos ativistas e opositores russos, seu lado direito está dormente, assim como as costas e o rosto.
Diretora da ONG Fundação Rússia Livre, nos EUA, onde mora há dez anos desde que deixou a Rússia, Arno sofre de polineuropatia, "o mesmo diagnóstico de Vladimir Kara-Murza", ressalta. Este opositor político, condenado em abril a 25 anos de prisão por "alta traição" por ter denunciado a invasão russa da Ucrânia, foi envenenado em 2015 e 2017, diz sua esposa Evguenia Kara-Murza à AFP.
'Meus nervos foram queimados'
Tudo aconteceu no início de maio, em Praga. "A porta do meu quarto de hotel estava entreaberta" e havia um "cheiro desagradável" lá dentro, conta Natalia à AFP. A ativista procurou, em vão, por microfones espiões e até riu de si mesma por uma preocupação que considerou infundada. Mas, por volta das 5h, ela acordou com fortes dores na boca.
Descobrindo o envenenamento. Arno decidiu voltar para os EUA para se consultar com seu dentista, mas durante o voo a dor se espalhou pelas "axilas, peito, orelhas, olhos, pernas". "É como se todos os meus órgãos estivessem falhando, um por um", lembra ela.
Os exames revelaram que ela foi exposta a "uma toxina nervosa, que não pode surgir de forma natural". "Meus nervos foram queimados. Talvez eles se regenerem dentro de um ano", espera a ativista, com o olhar esperançoso.
Uma investigação sobre envenenamento está em curso nos Estados Unidos e na Alemanha, onde ela estava antes de sua estadia em Praga.
Outras vítimas. Uma jornalista russa no exílio, presente em Berlim para um encontro com o opositor russo Mikhail Khodorkovsky, também ficou doente. Uma terceira mulher, residente na Geórgia, também teme ter sido envenenada no final de 2022 em Tiblíssi.
Os 'longos tentáculos' de Putin
"Assassinos a serviço do Estado". Evguenia Kara-Murza, citando uma investigação jornalística, atribui o envenenamento do marido à "mesma equipe" envolvida no de Alexei Navalny, principal opositor russo e que se encontra na prisão. "Assassinos a serviço do Estado russo", resume.
Métodos de repressão. A Rússia de Vladimir Putin foi construída com base na "agressão" e na "intimidação", diz. "Se não usasse esses métodos de repressão, não existiria". Evguenia denuncia ainda que o marido está preso em um centro na Sibéria desde setembro em regime de isolamento, apesar de sua doença, com risco de sofrer "paralisia", o que considera ilegal.
"Alvos fáceis". Já para Natalia Arno, os ativistas dos direitos humanos constituem "alvos fáceis" para o Kremlin, cujos "longos tentáculos" chegam ao Ocidente. O fato de estarmos sob os holofotes fora da Rússia "mostra que somos eficazes, que os incomodamos", afirma a ativista, que diz ter sido ameaçada em várias ocasiões antes de partir para o exílio em 2012.
O envenenamento é algo novo para mim. Mas não vou ficar paranoica e prestar atenção em tudo que como e bebo.
Natalia Arno
Encontro de ativistas
Encontro "sem medo". Natalia Arno e Evguenia Kara-Murza participaram de uma reunião com cerca de 100 ativistas russos no último fim de semana, em Paris. A organização recomendou beber apenas garrafas fechadas, mas os participantes "não tiveram medo", afirma. "Isso não vai detê-los".
Local secreto. "Para o jantar de abertura, reservamos um restaurante em segredo e anunciamos o local no último minuto", conta à AFP Olga Prokopieva, porta-voz da ONG Russie Liberté, organizadora do evento.
Pela liberdade do companheiro. Evguenia Kara-Murza é clara: "Farei todo o possível para chegar o dia em que este regime desmorone (...) porque alguém que amo está atrás das grades na Rússia".