Topo

Justiça nega pedido de suspensão de passaporte diplomático dado a pastor

Passaporte foi concedido pelo ministro José Serra, das Relações Exteriores - Charles Sholl/Futura Press/Estadão Conteúdo
Passaporte foi concedido pelo ministro José Serra, das Relações Exteriores Imagem: Charles Sholl/Futura Press/Estadão Conteúdo

Em São Paulo

25/05/2016 09h47

A Justiça Federal em São Paulo negou nesta terça-feira (24) o pedido liminar (decisão provisória) para suspender a concessão do passaporte diplomático ao pastor da Assembleia de Deus investigado na Lava Jato Samuel Ferreira e sua mulher Keila Ferreira.

Samuel é suspeito de usar sua igreja para lavar dinheiro da propina destinada ao presidente afastado da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB).

A decisão foi tomada em uma ação popular que questionou a concessão do benefício aos pastores pelo ministro José Serra, das Relações Exteriores, no último dia 18, antes de completar uma semana no cargo.

Foi a primeira vez, desde o começo da Lava Jato, que um investigado sem prerrogativa de foro recebe o benefício dado a autoridades.

Na prática, o passaporte diplomático permite a Samuel e a Keila entrarem e saírem de alguns países com relação diplomática com o Brasil sem a necessidade de visto ou qualquer outra burocracia. O passaporte, contudo, não dá imunidade diplomática aos pastores.

Uma semana antes de Samuel receber o benefício, o Supremo determinou a remessa das investigações envolvendo o pastor para o juiz Sérgio Moro, responsável pela operação em Curitiba.

A ação movida na Justiça Federal aponta que o passaporte diplomático "não é brinde" e que a concessão dele aos pastores configurou um "desvio de finalidade".

"Passaporte diplomático não é brinde cuja distribuição opera-se aleatoriamente, ou então, sob a justificativa da genérica e abstrata expressão 'interesse do país'. Todos possuem o direito de saber qual razão está a evidenciar a emissão do passaporte diplomático na hipótese do 'interesse do país', pena de se abrir mais um campo voltado à transgressão do interesse público", assinala a ação.

Na ocasião em que concedeu os passaportes diplomáticos, o Itamaraty informou que o ministério se baseou no terceiro parágrafo do artigo sexto do decreto que regulamenta a concessão.

O dispositivo prevê a entrega do documento a pessoas que, embora não estejam relacionadas na lista de quem pode ter o passaporte, "devam portá-lo em função do interesse do país."

O decreto 5.978, de 2006, não prevê a concessão desse tipo de passaporte a líderes religiosos. Entre as pessoas que podem recebê-lo, estão o presidente e o vice-presidente da República, ex-presidentes, governadores, ministros, ocupantes de cargo de natureza especial, militares em missões da ONU, ministros do STF, o procurador-geral da República e juízes brasileiros em tribunais internacionais, dentre outros.

Conforme o próprio Itamaraty, o passaporte diplomático concedido gratuitamente identifica a pessoa que está com ele como "agente do governo". Segundo o ministério, portar esse tipo de documento não concede à pessoa "imunidade diplomática", mas dá privilégios como atendimento preferencial nos postos de imigração e isenção de visto em alguns países.

Acusações

Segundo as investigações, a igreja de Samuel Ferreira, em Campinas, recebeu R$ 250 mil do lobista e delator da Lava Jato Julio Camargo, que admitiu que o pagamento era parte da propina de US$ 5 milhões a Cunha referente a contratos de navios-sonda da Petrobras.

Atualmente Cunha é réu no STF justamente no episódio envolvendo esta propina. O parlamentar afastado nega irregularidades.

Quando o inquérito contra Samuel foi aberto, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, afirmou ser desnecessária a investigação contra o líder religioso.

"Achamos desnecessário o inquérito. Bastaria ter mandado um ofício para que o pastor Samuel justificasse a doação. Evidentemente, ele não sabia a origem desse dinheiro. São feitas doações pelo Brasil todo", declarou Kakay. Na ocasião em que foi proposta a ação contra o passaporte, o pastor não foi localizado.

Pastores

Não é a primeira vez que o governo federal concede o benefício a líderes religiosos. Em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago de Oliveira, e a mulher dele, Franciléia de Castro Gomes de Oliveira também receberam o benefício.

Outros líderes de igrejas também já receberam o documento, que dá direito ao uso de uma fila especial nos aeroportos, mas não dá imunidade diplomática.

Segundo o Itamaraty, a política de conceder os passaportes a líderes evangélicos busca dar igualdade de tratamento às diferentes religiões, já que líderes católicos recebem o documento também. A gestão de Serra, contudo, já informou que pretende reavaliar as políticas de concessão de passaportes diplomáticos.

O sistema de concessão de passaportes diplomáticos foi alterado em 2011, depois de revelado que os filhos e netos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinham o documento mesmo depois da sua saída do governo e de não serem menores de idade, como determinava o decreto sobre o tema.

Na época, a legislação dava ao ministro o poder de decidir quem poderia receber o passaporte em casos considerados de interesse nacional, e o então ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, concedeu o documento aos filhos de Lula pouco antes do final de seu governo, em 2010.

O Ministério das Relações Exteriores ainda não retornou o contato da reportagem para comentar o caso.