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Temer transfere ao PMDB uso de verbas contra a seca no Nordeste

Temer retirou poder de governadores para transferi-lo a órgão controlado pelo PMDB - André Dusek - 24.jun.2016/Estadão Conteúdo
Temer retirou poder de governadores para transferi-lo a órgão controlado pelo PMDB Imagem: André Dusek - 24.jun.2016/Estadão Conteúdo

Em Brasília

18/08/2016 07h29

Na mesma semana em que começou a campanha eleitoral nos municípios brasileiros, o presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), retirou dos governadores do Nordeste a execução de obras destinadas ao combate à seca para transferi-la ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão controlado predominantemente por peemedebistas.

O Palácio do Planalto também decidiu aumentar o valor repassado a Estados governados pelo PMDB, como Sergipe e Alagoas. A decisão ocorreu após uma reunião no Palácio do Jaburu, no domingo (14), entre Temer e o ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, presidente em exercício do PMDB do Pará e filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

Em nota, o ministério da Integração Nacional nega privilégios ou qualquer irregularidade.

A decisão reverte um acordo feito pela presidente afastada Dilma Rousseff de que caberia aos governadores a gestão desses recursos. A gerência das verbas para obras contra seca costuma ser disputada por nomes de todos os partidos pelo fato de servir como arma eleitoral por políticos da região.

A liberação dos recursos foi autorizada por Temer com a edição de uma medida provisória no fim de julho que abriu crédito extraordinário de R$ 789,9 milhões para ações emergenciais no Nordeste, que enfrenta o quinto ano consecutivo de seca, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). Parte do valor será destinada para obras emergenciais, como a construção de adutoras e perfuração e instalação de poços.

Segundo o Ministério da Integração Nacional, a decisão de transferir a gestão dos recursos se deu porque, na avaliação do governo, o Dnocs é o órgão que tem "anos de experiência em obras contra a seca".

"A expertise do Dnocs está acima de qualquer questionamento. É o órgão que tem mais know-how e especialização em obras emergenciais de seca", disse o ministro, por meio de sua assessoria.

Dos nove Estados do Nordeste, só o Maranhão não faz parte do plano, pois não enfrenta seca como os outros. Na região, segundo pesquisas, Temer tem o maior índice de rejeição.

Indicações

A decisão de Temer favorece o PMDB na medida em que o Dnocs é controlado na maior parte dos Estados pelo partido. No Ceará, por exemplo, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, é o responsável pela indicação tanto do coordenador regional quanto do diretor-geral nacional do órgão. O senador é adversário político do governador cearense, Camilo Santana (PT).

No Rio Grande do Norte, a indicação do coordenador do órgão partiu do senador Garibaldi Alves (PMDB) e do ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB). Ambos são adversários do governador Robinson Faria (PSD).

Na Paraíba, o favorecido será o senador José Maranhão (PMDB-PB), padrinho do coordenador regional do Dnocs. Ele é adversário do governador Ricardo Coutinho (PSB), que se posicionou contra o impeachment de Dilma.

Em Estados administrados pelo PMDB, as obras também serão tocadas pelo Dnocs, mas a Integração Nacional ampliou os recursos que serão enviados, por ordem de Temer.

Para Alagoas, governado por Renan Filho (PMDB), o presidente em exercício mandou aumentar o repasse de R$ 2 milhões para R$ 10 milhões, segundo a pasta. O governador é filho do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que vem se aproximando de Temer nas últimas semanas.

O mesmo aconteceu em Sergipe, administrado por Jackson Barreto (PMDB), onde saltará de R$ 3 milhões para R$ 10 milhões.

Nos Estados controlados pela oposição, a decisão favoreceu aliados de Temer, como no Piauí, administrado pelo petista Wellington Dias, onde o Dnocs é comandado por aliados do senador Ciro Nogueira (PP).

'Politização'

Governadores criticaram a decisão de Temer. "Não quero acreditar que isso foi feito por questões políticas", disse o governador do Ceará. Robinson Faria disse ter recebido "com surpresa" a decisão.

Já o candidato a vice-prefeito de João Pessoa (PMDB-PB), deputado Manoel Júnior, avalia que os governos estaduais "politizam" a execução dos recursos. "Quando o governo manda dinheiro, eles só gastam nos municípios que eles têm interesse."

Eunício reconhece o sucateamento do Dnocs, mas diz que a mudança vai contribuir para revalorizá-lo.

Outro lado

O ministério da Integração enviou uma nota com esclarecimentos sobre o assunto.
Segundo o documento, “as diretrizes estratégicas fixadas pelo Ministério da Integração Nacional respeitam a legislação em vigor”.
 
Para o ministério, “é errada a afirmação de que “o presidente em exercício Michel Temer (PMDB) retirou dos governadores do Nordeste a execução de obras destinadas ao combate à seca para transferi-la ao Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS)”. A verdade é que apenas parte das adutoras de engate rápido terão suas execuções físicas divididas entre o Ministério da Integração Nacional, a Codevasf e o DNOCS. Isso representa apenas parte dos projetos emergenciais encaminhados pelos governadores”. 
 
“Outras obras emergenciais, como a execução de programas emergenciais, continuarão a ser realizados pelos governos estaduais. Além disso, o Ministério da Integração Nacional já está recebendo novos pedidos de liberação de mais verbas para execuções estaduais de obras e programas contra a seca.”
 
“Por acordo fechado hoje (quinta-18), o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), solicitou e recebeu repasse imediato de R$ 10 milhões e autonomia para executar várias obras emergenciais, entre elas uma adutora de engate rápido. Isso comprova que não houve concentração no DNOCS e nem discriminação de legenda. E chamamos atenção que esse encontro já estava agendado desde antes da publicação da referida reportagem”
 
A nota salienta ainda que “ao contrário do que existia antes, todos os repasses foram regularizados, não havendo mais as pendências financeiras que ameaçavam as execuções de obras importantes, sob a responsabilidade dos governos estaduais, e que dependem de recursos federais para serem concluídas.”
 
O ministério garante que obras e programas emergenciais continuarão sob “responsabilidade dos governos estaduais, abrindo, inclusive, a possibilidade de atendimento a outros pleitos por obras para responder a essa emergência hídrica”.
Por fim, a nota afirma que “o Ministério da Integração Nacional refuta qualquer interpretação de que algum estado está sendo favorecido por motivos políticos. Na verdade, o que está sendo feito é a correção de distorções na distribuição de recursos emergenciais para obras de combate à seca nos estados que estavam contemplados com os menores valores”.