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França vota em eleição mais acirrada do pós-guerra

Andrei Netto, correspondente

Paris, 23/04/2017

23/04/2017 08h33

Dias depois de um novo atentado terrorista, a França chega neste domingo à eleição presidencial mais acirrada e imprevisível da 5.ª República. Nunca, nos últimos 60 anos, quatro candidatos estiveram tão próximos uns dos outros às vésperas do primeiro turno e qualquer projeção para o segundo turno é arriscada. Analistas acreditam que a ação reivindicada pelo Estado Islâmico na Avenida Champs-Elysées agrega ainda mais incerteza.

O quadro de indefinição foi captado por todas as pesquisas de opinião nas últimas três semanas, desde a forte ascensão do candidato radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, do movimento França Insubmissa. Por ter roubado votos dos dois favoritos, o social-liberal Emmanuel Macron, da recém-criada legenda En Marche! (Em Movimento), e a nacionalista Marine Le Pen, da Frente Nacional, seu crescimento nas sondagens embolou a disputa pelos quatro primeiros lugares, que conta ainda com o conservador cristão François Fillon, do partido Republicanos.

Na sexta-feira, as três últimas pesquisas de opinião divulgadas pelos institutos Ipsos, OpinionWay e Odoxa trouxeram números semelhantes. Ex-ministro da Economia, Macron teria ligeira vantagem na liderança, com entre 23% a 24,5% das intenções de voto. Em segundo lugar estaria Marine Le Pen, com entre 22% e 23%. Em terceiro lugar disputariam Fillon, com estimativas entre 19% e 21%, e Mélenchon, com 18% a 19% das preferências. Na prática, os prognósticos revelam um duplo empate técnico, pela disputa pelo primeiro lugar e pela do segundo lugar.

De acordo com analistas políticos, parte da incerteza às vésperas do voto se dá em razão da campanha eleitoral superficial, que chegou ao fim na sexta-feira sob o impacto de um novo atentado terrorista. Marcado por escândalos de corrupção em torno de Fillon e de fraudes no financiamento de campanha de Marine Le Pen, o debate político programático acabou ficando em segundo plano, prejudicado por notícias falsas em redes sociais e pelo maniqueísmo de militantes.

A exemplo da campanha do Brexit, no Reino Unido, em junho de 2016, e da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, em novembro, o grande tema na França acabou sendo o confronto entre candidatos pró-abertura, globalização e livre-comércio, como Emmanuel Macron e em menor escala Fillon, e candidatos protecionistas e antiglobalização, como Marine Le Pen e Mélenchon.

Na sexta-feira, até mesmo essa configuração foi abalada após o atentado da Champs-Elysées - um tema de preferência da extrema direita de Marine Le Pen e da direita dura de François Fillon.

Embora evitem prognósticos, analistas ouvidos pelo Estado consideram que o ataque poderá causar um impacto marginal na tendência de voto hoje. Para Jean-Jacques Kourliandsky, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris, a França sofreu tanto com tragédias recentes, em 2015 e 2016, que a população teria aprendido a agir diante de eventos sensíveis. "Tenho a impressão de que há um efeito de vacinação", entende o analista. "Pode parecer paradoxal, porque tivemos muitos episódios, mas falamos muito pouco nessa campanha sobre questões de terrorismo."

Jean-Yves Camus, um dos maiores especialistas em extremos políticos na França e na Europa, também entende que o impacto político do atentado tende a ser limitado. "É infeliz afirmar, mas não foi um atentado em massa, como o de Nice. A maneira como ele foi recebido pelo público foi diferente", afirma.

Camus entende que Marine Le Pen e Fillon tentaram, na sexta-feira, tirar proveito eleitoral do atentado, mas a iniciativa pode não ter surtido efeito. "Não creio que haverá uma mudança no quadro eleitoral", completa.

Para Mathieu Guidère, especialista em islamismo radical e em terrorismo global da Universidade de Paris 8, o ataque reivindicado pelo Estado Islâmico teve o objetivo claro de intervir na eleição presidencial francesa. "Não creio que a população vá cair nessa armadilha", disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.