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Brasil tem 40 casos de pais que levaram filhos ao exterior sem autorização

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

José Maria Tomazela e Roberta Pennafort

Em Sorocaba (SP) e Rio de Janeiro

20/12/2017 10h00

Um ano e três meses após conseguir recuperar a guarda do filho, mantido à força pelo pai americano nos Estados Unidos, a educadora Cheyenne Menegassi, de 38 anos, de Santa Rosa do Viterbo (SP), só encontra palavras de agradecimento. "Sei que muitas mães não tiveram a mesma sorte, mas fui feliz ao conseguir meu filho de volta em poucos meses." Ela recorreu à Convenção de Haia, um tratado internacional válido para 98 nações que trata de subtração internacional de crianças e adolescentes.

O drama de Cheyenne começou em 27 de junho de 2016, quando o pai de G., então com 13 anos, convenceu a mãe a deixá-lo passar as férias com ele, no Tennessee (EUA). O adolescente embarcou sozinho e não voltou. No dia 3 de agosto, após denunciar o caso ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Justiça como sequestro internacional, Cheyenne viajou para os EUA e iniciou a disputa, que terminou em 9 de setembro.

Só neste ano, o Brasil tem 40 casos ativos (em que demanda outro país por crianças). Houve 36 passivos (quando outras nações pedem a devolução), segundo o Ministério da Justiça. Pela primeira vez desde a promulgação da convenção, há 18 anos, o Brasil registra mais casos em que pede o retorno de menores levados daqui ilegalmente para o exterior do que os de outros países que pedem a devolução. No ano passado foram 50 casos de entrada e 50 de saída de crianças.

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A mudança no perfil dos casos registrados é inédita. Em 2007, por exemplo, o Brasil foi demandado por outros países em 34 situações e só demandou em 14. A quantidade de casos de crianças devolvidas este ano também já é maior que o total de crianças enviadas para fora do País. Entre as possíveis explicações para a inversão da tendência, estão a melhora das condições econômicas dos Estados Unidos e da Europa e mudanças na regra para a saída de crianças brasileiras.

Em maio, a nutricionista Cintia Pereira, de 36 anos, retornou dos EUA com o filho J., de 6 anos. Ela havia se casado com um americano em 2009, mas a união durou só dois anos. Em 2013, ele veio ao País com pedidos de divórcio e de guarda da criança. Alegando à Justiça que o menino sofria abuso sexual, o pai conseguiu a guarda provisória. Quando ela conseguiu provas de que a acusação era falsa, em 2015, ele já havia fugido com o filho para o Paraguai e, de lá, para seu país. Hoje, mãe e filho estão juntos, em São Paulo, mas ela ainda diz ter medo de que o ex-marido apareça e faça "alguma bobagem". O Estado não conseguiu contato com o pai.

Em outro caso, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3.ª Região deu, há uma semana, a guarda definitiva de duas filhas suecas, de 12 e 14 anos, à mãe brasileira Kelly Cristina Faria, moradora de São Carlos (SP). Os magistrados entenderam que o envio das crianças de volta à Suécia poderia ser mais danoso para elas do que a permanência no país. Kelly tinha 18 anos quando conheceu aqui o cidadão sueco e foi com ele para a Europa.

Em dezembro de 2011, após a separação, ela trouxe as meninas ao Brasil. "Estava separada, com guarda compartilhada na Suécia. Era o primeiro Natal que passaríamos no Brasil, mas minhas filhas foram tão bem recebidas, se sentiram tão felizes, que decidi ficar." Ela foi acusada de sequestro internacional pela convenção. A decisão do TRF não é definitiva e a defesa do pai das meninas vai recorrer.

Processo

Nos casos que são admitidos pela Convenção de Haia, o Brasil envia o pedido de cooperação ao órgão governamental do país em que está a criança, o que é repassado ao Judiciário local que decide, com base na convenção, se é caso de retorno. A decisão considera fatores como o local habitual de residência da criança e as leis que se aplicam ao conflito. Quando se disputa a guarda, prevalece a lei do país de residência original da criança.

Para Natália Martins, coordenadora-geral da Autoridade Central Administrativa Federal em Matéria de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes, do Ministério da Justiça, o aumento nos casos ativos pode ser efeito da condição econômica mundial. Com a melhora na economia dos Estados Unidos e países da Europa, após a crise de 2008, muitas pessoas têm saído para estudar ou tentar a vida no exterior.

Houve ainda, diz ela, facilitação na saída de brasileiros ao se afrouxar as regras da Resolução 131 do Conselho Nacional de Justiça, de 2011, que exigia consentimento dos dois cônjuges para viagens de crianças e adolescentes ao exterior. "A resolução permite que seja encartado no passaporte da criança que viaja muito ao exterior uma autorização vitalícia, sem indicar o período da viagem. De um lado, reduz a burocracia. De outro, abre a porta para aumentar casos de crianças retidas fora."

Natália chama a atenção para o grande número de casos ativos encerrados por desistência - 35 de 2016 para cá -, o que atribui à demorada Justiça. "Os pedidos de retorno que a gente recebe são, em maior parte, derivados de sentença judicial de outros países, mas ainda não somos capazes de produzir sentenças na mesma proporção."

Redes sociais

Mulheres que têm filhos com estrangeiros criaram uma página no Facebook, "Mães de Haia", para divulgar casos - hoje seguida por 1.620 pessoas. A professora universitária Valéria Ghisi, de Curitiba, foi uma das que usou as redes sociais na tentativa de reaver a filha N., de 3 anos, levada para França em novembro de 2016, em uma ação que envolveu até viaturas policiais. Vítima de violência doméstica, Valéria veio para o Brasil em julho de 2014 e no fim de 2015 foi denunciada por sequestro pelo marido, que resgatou a filha. Ela busca assinaturas online para recorrer à Justiça - que alega cumprimento da Convenção de Haia. (As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)