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Quadrilhas políticas lideram ranking de grupos criminosos

Marcelo Godoy

São Paulo

24/09/2018 10h30

A cada três dias a Polícia Federal (PF) abre dois inquéritos para investigar a atuação de organizações criminosas no País. A política, com 16,4% dos casos, lidera o ranking dessas quadrilhas, empatada com o tráfico de drogas (16,3%). São casos que só existem por causa da lei 12.850, criada há cinco anos, que tipificou esse tipo de delito no País, disciplinando as delações premiadas, as ações controladas, as infiltrações, escutas ambientais e outras medidas que se tornaram fundamentais para resultados de operações como a Lava Jato, que provocaram um terremoto político.

É com base nessa lei ainda que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente Michel Temer (MDB) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) são alvo de investigações sobre supostas organizações criminosas que teriam sido montadas com a participação de integrantes de seus partidos para desviar recursos da Petrobrás - todos negam as acusações. "A lei foi fundamental. Ela garantiu os instrumentos e deu segurança jurídica para que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal pudessem atuar", disse o procurador da República Rodrigo De Grandis.

Para o cientista político e professor da USP José Álvaro Moisés, há poucas legislações na história da República que tiveram tanto impacto no País. Ele acrescenta três fatores para explicar o alcance da legislação. O primeiro é o fato de a Constituição de 1988 ter dado autonomia e força ao Ministério Público, à PF e à Justiça Federal. "Os mecanismos de controle foram fortalecidos." Com isso, criou-se as condições para as revelações que mostraram o alcance da corrupção no País a uma população que, desde os anos 1980, acompanhava mais de perto o que acontecia na política.

Balanço

O balanço dos inquéritos da PF abertos com base na legislação contra as organizações criminosas mostra que a corrupção e os demais crimes contra a administração pública levam menos acusados para a cadeia do que o crime organizado. Entre 2013 e 2017, 132 acusados (9,3% do total) foram presos em razão dos inquéritos, enquanto 541 (38,4%) foram parar no cárcere por causa das drogas - aqui não estão incluídos os casos de lavagem de dinheiro e de delitos financeiros, o que faria esse número crescer, pois juntos representam 9,2% dos casos.

Há ainda mais 9,3% do total de inquéritos que se dedicam a investigar a organização em si, enquanto os crimes praticados pelo grupo são alvo de outras apurações, como ocorre na Lava Jatos com as investigações contra o MDB, o PT e o PP. Dos 1.025 inquéritos abertos no período para investigar apenas essas organizações, 48% já foram concluídos. Destes, pouco mais da metade (54%) terminaram sem a identificação ou a prisão de quem quer que fosse.

"Uma das razões para isso é a complexidade dos casos. Se você pegar a maioria dos delegados no País, (cada um) tem em média 500 casos por mês para analisar. Nos Estados Unidos eles cuidam de até cinco casos", disse o desembargador Roberto Porto, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, do Ministério Público Estadual, o número de inquéritos concluídos com indiciamento é bom. Isso porque nem sempre, quando uma investigação é aberta, se tem de antemão a certeza da ação de uma organização criminosa, como ocorre em relação ao crime organizado comum.

Pico

O balanço dos cinco anos da lei mostra que tanto o número de prisões quanto o de indiciamentos nos inquéritos abertos tiveram pico entre os anos de 2014 a 2016, o que coincide com o auge da Lava Jato. Não é à toa que o Estado com maior número de inquéritos que registraram prisões foi o Paraná, com 39 casos, quase o dobro de São Paulo (20 casos).

O Paraná teve o maior número de inquéritos e de indiciamentos nessas investigações. Só fica atrás de São Paulo no número de indiciados. Há, nos dados da PF, uma queda de prisões e indiciamentos em 2017. Para a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, há uma explicação para o fenômeno: os criminosos aprenderam a praticar crimes sem deixar rastros. "Usam WhatsApp em vez do telefone."

Por fim, de 2013 a 2017, a PF realizou mais de 2,5 mil operações para deter integrantes desses grupos e apreender provas e bens ilícitos. Para o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, esses resultados demonstram que o combate à corrupção virou prioridade. "Descobrimos como fazer a repressão a esse delito."

Eficiência

Policiais, advogados, cientistas políticos e procuradores defendem novas medidas para aumentar a eficiência no combate à corrupção. Entre elas está permitir o arquivamento dos casos penais cuja investigação tem pouca possibilidade de sucesso. "No Brasil, há a obrigatoriedade de que todo crime deve ser investigado até o fim. Na prática, isso é impossível. Todos os países caminham para mitigar essa obrigatoriedade, estabelecendo parâmetros para isso. Se a persecução penal não tem eficiência, não se deve gastar tempo e dinheiro com ela. Deve-se pôr seus recursos naquilo que é mais importante", diz o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.

Setenta dessas medidas foram reunidas no livro Novas Medidas Contra a Corrupção. Elas visam preencher lacunas como punir a corrupção privada e promover mudanças na legislação dos partidos políticos para garantir transparência, democracia nos partidos e responsabilização dos dirigentes, submetendo os partidos políticos aos mecanismos de controle previstos na lei de Lavagem, como identificar e registrar os doadores e comunicar operações suspeitas à autoridade. Para o cientista político Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, é preciso dar um "choque de transparência nos partidos". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.