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Delatora aponta "mesada" de R$ 120 mil a governador da PB; político nega

O governador da Paraíba, João Azevêdo - Francisco Franca/Secom
O governador da Paraíba, João Azevêdo Imagem: Francisco Franca/Secom

Luiz Vassallo

São Paulo

13/01/2020 07h53

A ex-secretária estadual de Administração da Paraíba Livânia Faria delatou uma suposta mesada de R$ 120 mil ao governador João Azevedo (sem partido) para bancar gastos pessoais e de sua campanha, em 2018.

Em seu acordo de colaboração premiada, ela relata que o político sabia que o dinheiro era de contratos da Saúde e o usou para bancar despesas de seus parentes. Narra ainda o suposto envolvimento do governador com corrupção de fiscais em obras de esgoto e repasses de R$ 900 mil para pagar fornecedores de campanha. Em nota, Azevedo afirma que as despesas da pré-campanha e da campanha "se deram de forma lícita".

João Azevedo foi alvo de buscas e apreensões autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 17 de dezembro do ano passado, quando foi deflagrada a Operação Calvário. Na mesma ação, o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) teve sua prisão decretada, sob a suspeita de envolvimento em propinas de R$ 134,2 milhões da Saúde. No dia da ação, Coutinho estava no exterior e chegou a figurar na lista de procurados da Interpol. Ele se entregou no dia 20 - e foi solto no dia seguinte por ordem do ministro Napoleão Nunes Maia, do STJ.

A delação de Livânia é uma das peças-chave da Operação Calvário. Seus relatos embasaram a ação que mirou o atual governador e seu antecessor, e também abrem frentes de investigação contra deputados estaduais, federais e conselheiros do Tribunal de Contas. Além de ter sido secretária de Administração de Azevedo, Livânia foi procuradora-geral do Estado na gestão Coutinho.

Presa em março de 2019, a então secretária firmou acordo de colaboração com o Ministério Público Estadual da Paraíba. Somente a Coutinho, ela narrou entregas de R$ 4 milhões em espécie na Granja Santana, residência oficial do governador.

Em um depoimento com uma hora e 26 minutos de duração, Livânia narra o envolvimento de João Azevedo com supostas propinas da ONG Cruz Vermelha. Os repasses teriam se iniciado no primeiro semestre de 2018, quando Azevedo se afastou da Secretaria de Infraestrutura, Recursos Hídricos, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia para iniciar a campanha ao governo do Estado.

"Após o afastamento dele para ser candidato, eu fui chamada pelo governador da época, Ricardo Coutinho, para que eu providenciasse um valor para ser repassado para o candidato, para o João Azevedo, para que ele pagasse as despesas de campanha, porque ele ia andar o Estado todo. E como não era secretário e não tinha salário, teria que se fazer com que ele se sustentasse", relata.

A ex-secretária ainda menciona o acerto de valores com Coutinho. "Aí eu fui e disse a ele: quanto é esse valor? Ele disse: entre 100, 150. Eu disse: 120 tá bom? Ele disse: É, tá bom. 120. Eu disse: ó, esse dinheiro só tem para sair da Cruz Vermelha, porque é o que a gente recebe mensal", relatou a delatora.

Segundo Livânia, os repasses seriam feitos a Deusdete Queiroga, atual secretário de Infraestrutura do Estado, por meio de Leandro Azevedo, assessor da então secretária - hoje, também delator - e teriam ocorrido entre abril e o final de julho.

Em seguida, segundo a delatora, João Azevedo teria demonstrado a preocupação de não ser acusado de nepotismo durante a campanha. Livânia afirma que ele pediu para exonerar a nora, que trabalhava na vigilância sanitária, e sua cunhada, que estava na Superintendência de Administração do Meio Ambiente da Paraíba. A nora ganhava R$ 3,8 mil e a cunhada, R$ 6 mil.

"O que a gente fazia: separava o dinheiro, colocava no envelope e entregava a ele. Eu pessoalmente entreguei o dinheiro a ele. 'Tá aqui, esse é o salário, aí você repassa'. Ele colocou dentro da pasta dele", relatou.

Fornecedores

A ex-secretária também menciona fornecedores da campanha de Azevedo também foram pagos com dinheiro da Cruz Vermelha, no valor de R$ 900 mil. Na delação de Livânia também é mencionada uma suposta propina a fiscais que se recusavam a assinar a autorização de uma obra em uma adutora, na região de Patos, na Paraíba. A tratativa teria sido resolvida, segundo ela, com repasse de R$ 300 mil, também do caixa da Cruz Vermelha.

De acordo com Livânia, no período de transição para seu governo, João Azevedo teria demonstrado preocupação e a vontade de romper com as organizações de saúde que geriam hospitais na Paraíba. Ela, então, o teria alertado que os recursos repassados durante a campanha eram da Cruz Vermelha. "Eu disse: João, eu vou informar uma coisa. Aqueles R$ 120 mil que você recebia mensalmente, que Deusdete recebia, foi a Cruz Vermelha que deu", relatou a ex-secretária aos investigadores. Ela também diz ter mencionado os outros repasses para a campanha e os fiscais ao governador eleito.

Azevedo afirma que despesas são lícitas e cita 'retaliação'

Procurado pela reportagem, o governador da Paraíba, João Azevedo (sem partido), afirmou por meio de sua assessoria que as despesas da pré-campanha e da campanha ao governo em 2018 "se deram de forma lícita e transparente". "Se terceiros se valeram desse pretexto para a prática de ilícitos, eles é que terão de responder."

A assessoria de João Azevedo afirmou ainda que, "em face das medidas de combate à corrupção e do afastamento de secretários envolvidos na Operação Calvário, já se esperava que o governador poderia ser vítima de retaliação dos que foram afastados". Azevedo foi eleito governador em 2018 pelo PSB e pediu desfiliação do partido há um mês.