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Sérgio Camargo chama movimento negro de 'escória maldita'

Vera Rosa e Julia Lindner

Brasília

03/06/2020 12h01

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, classificou o movimento negro como "escória maldita", que abriga "vagabundos", e chamou Zumbi de "filho da puta que escravizava pretos". A portas fechadas, Camargo também manifestou desprezo pela agenda da "Consciência Negra" e prometeu botar na rua diretores da autarquia que não tiverem como "meta" a demissão de um "esquerdista".

As afirmações do presidente da Fundação Palmares foram feitas durante reunião com dois servidores, no dia 30 de abril. O Estadão teve acesso ao áudio da conversa e apurou que o encontro ocorreu, na tarde daquele dia, para tratar do desaparecimento do celular corporativo de Camargo. Ao ser cobrado pelo ressarcimento do telefone, ele ficou irritado e alegou que o aparelho sumiu no período em que estava afastado do cargo, por decisão judicial.

No diálogo, Camargo diz que havia deixado o celular numa gaveta da fundação e insinua que o furto pode ter sido proposital, com o intuito de prejudicá-lo. É nesse momento que ele se refere ao movimento negro de forma pejorativa. "Eu exonerei três diretores nossos (...). Qualquer um deles pode ter feito isso. Quem poderia? Alguém que quer me prejudicar, invadir esse prédio para me espancar, invadir com a ajuda de gente daqui... O movimento negro, os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita", disse o presidente da Fundação Palmares. "Agora, eu vou pagar essa merda aí", completou, numa referência ao telefone.

A gravação veio à tona na esteira dos protestos antirrascistas nos EUA após a morte do segurança George Floyd, asfixiado por um branco. Discípulo do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, Camargo se apresenta no Twitter como um "negro de direita, antivitimista, inimigo do politicamente correto, livre".

Jornalista de formação, ele coleciona polêmicas. Em um post recente, após o assassinato de Floyd - vítima da brutalidade policial norte-americana -, Camargo afirmou, por exemplo, que "nosso inútil movimento negro tenta importar para o Brasil os atos anarquistas e criminosos do Black Lives Matter, a antifa negra dos EUA".

Na conversa com os dois servidores da Palmares, um deles coordenador de gestão, Camargo afirmou que seu afastamento da autarquia, por três meses, ocorreu porque suas opiniões em redes sociais foram censuradas. Na época, a Justiça considerou suas declarações, minimizando o crime de racismo, incompatíveis com o cargo. Camargo relatou que, por causa dessa suspensão, teria de devolver o salário de dezembro e tentaria parcelar o débito em dez vezes. Logo depois, ameaçou fazer retaliações.

Entre um palavrão e outro, o presidente da Fundação Palmares afirmou que o processo para tirá-lo da instituição "não vai dar em nada" porque teria havido "usurpação" do poder do presidente Jair Bolsonaro. "Esses filhos da puta da esquerda não admitem negros de direita. Vou colocar meta aqui para todos os diretores, cada um entregar um esquerdista. Quem não entregar esquerdista vai sair. É o mínimo que vocês têm que fazer".

Expressão

Sob o argumento de que suas opiniões refletem "liberdade de expressão", Camargo mais uma vez criticou Zumbi dos Palmares, que dá nome à autarquia. "Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que, para mim, era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar agenda consciência negra. Aqui não vai ter, vai ter zero da consciência negra".

O Ministério Público Federal encaminhou representação à Procuradoria da República no Distrito Federal, no mês passado, pedindo que o presidente da Fundação Palmares responda na Justiça por improbidade administrativa. A iniciativa foi tomada depois de Camargo ter determinado, no dia 13 de maio - data da abolição da escravatura -, a publicação de uma série de artigos depreciativos sobre Zumbi, nas redes e no site da instituição.

'Macumbeira'

No áudio ao qual o Estadão teve acesso, Camargo também se referiu a uma mãe de santo como "macumbeira" e avisou que não daria verba para terreiros. "Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo", disse ele, numa referência a Adna dos Santos.

Conhecida como Mãe Baiana, Adna é uma das lideranças mais atuantes do candomblé no Distrito Federal. "Não vai ter nada para terreiro na Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo", garantiu Camargo.

Em outro trecho, ele trata com desdém a cultura afrodescendente. "Eu não vou querer emenda dessa gente aqui. Para promover capoeira? Vai se ferrar", esbravejou.

A Defensoria Pública da União (DPU), que analisa recurso contra a nomeação de Camargo, é definida por ele como um órgão "miserável" e "totalmente aparelhado, (...) de esquerda".

Em nota divulgada nesta terça, Camargo lamentou o que chamou de "gravação ilegal" de uma reunião interna. Afirmou que a Fundação Palmares está em "sintonia" com o governo Bolsonaro e sob um novo modelo de comando, voltado para a população. "(...) Não apenas para determinados grupos que, ao se autointitularem representantes de a toda população negra, histórica e deliberadamente se beneficiaram do dinheiro público", escreveu. "Infelizmente, ainda existem, na gestão pública, pessoas que não assimilaram esta mudança e tentam desconstruir o trabalho sério que está sendo desenvolvido." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.