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Deputado usa hidroavião para festa e pede reembolso de R$ 82,5 mil

Câmara dos Deputados; em ano de pandemia e restrições, deputados pedem reembolso por gastos com deslocamentos - Antônio Cruz/Agência Brasil
Câmara dos Deputados; em ano de pandemia e restrições, deputados pedem reembolso por gastos com deslocamentos Imagem: Antônio Cruz/Agência Brasil

/Adriana Ferraz e Bianca Gomes, Marianna Gualter e Roberta Paraense, especiais Para o Estadão

São Paulo

08/02/2021 13h13

Por quatro dias, o deputado federal Sidney Leite (PSD-AM) viajou com despesas pagas pela Câmara distribuindo cestas básicas, brinquedos e sorteando eletrodomésticos ao lado do sobrinho, Júnior Leite, que é prefeito na região. A "agenda parlamentar", cumprida entre os dias 19 e 23 de dezembro, envolveu paradas em 14 comunidades ribeirinhas, onde a presença da comitiva promoveu aglomerações.

A "maratona", como o próprio parlamentar definiu em suas redes sociais, só foi possível mediante a locação de uma aeronave Caravan Anfíbio, que faz pousos na água. A nota apresentada à Câmara com pedido de reembolso descreve exatamente os locais pelos quais Leite passou e revela o custo do roteiro: R$ 82,5 mil.

Juntamente com um álbum de fotos das festas, o deputado postou a justificativa da agenda. "Junto com o prefeito de Maués, Júnior Leite, estamos realizando uma verdadeira maratona na cidade e no interior, desde o dia 19 até o 23 de dezembro, para entregar 20 mil brinquedos e 8,5 mil cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social antes das festividades de Natal".

Leite ainda comentou que "2020 foi um ano muito difícil devido à pandemia do novo coronavírus" e, que, por isso, "não poderia deixar de garantir o alimento da ceia e o presente das crianças". Pelas fotos é possível ver tanto o deputado como convidados em ginásios, escolas e salões lotados, ora com máscara ora sem - em janeiro, ele informou que pegou covid.

Leite é o deputado que mais gastou com transporte em 2020, segundo levantamento feito pelo Estadão com notas fiscais reembolsadas pela Câmara relativas a custo com aluguel de aeronaves, carros ou combustível, por exemplo.

Ao todo, foram R$ 347 mil em deslocamentos feitos antes e durante a pandemia. Do total, 80% foi utilizado na locação de aeronaves durante o ano - a Câmara não estipula limite para este tipo de despesa. Procurada, a Casa informou que o deputado só não pode ultrapassar o valor anual de sua cota parlamentar. Leite, por representar a Região Norte, tem direito a usar R$ 522,8 mil por ano. Em 2020, ele usou 93% do limite.

Procurado pela reportagem, Leite afirmou que os gastos são resultado do trabalho feito durante a pandemia em municípios isolados do Amazonas. Segundo o parlamentar, a opção pela locação de aeronaves ocorre devido à ausência de estradas e à demora para realizar trajetos de barco. Ele não respondeu por que usou verba pública para promover festas.

Lancha

Nas regras de reembolso com transporte é permitido aos parlamentares ainda alugar embarcações. Foi o que fez por 25 vezes o deputado Éder Mauro (PSD-PA) no ano passado. Ele gastou R$ 102 mil com locação de lanchas de pessoas físicas, que fornecem recibo, e não nota fiscal.

O Estadão procurou por Junio Cesar Cardoso, o dono da "Lady Magnólia", uma das lanchas usadas pelo deputado, no único endereço informado. A numeração indicada não existe, mas a reportagem conseguiu localizar Cardoso em outro ponto da mesma avenida de Belém, onde funciona uma loja de peças de carros. Ele confirmou que faz a locação e que cobra até R$ 5 mil por apenas um dia. O deputado Éder Mauro pagou R$ 6 mil por dois dias.

O outro fornecedor é Oteniel Lobato Correa. Conhecido como "Teny Lobato", ele é vereador de Breves (PA), na Ilha De Marajó, onde o delegado Éder Mauro esteve em outubro. O Estadão não conseguiu contato com o deputado e o vereador.

Carro

Desde abril do ano passado, justamente quando a pandemia forçou o fechamento de atividades em todo o País, a deputada Magda Mofatto (PL-GO) passou a alugar veículos em Goiânia. Até novembro, a parlamentar pediu reembolso mensais para rodar em um Volkswagen Amarok ou em um Mitsubishi L-200 Triton.

O Estadão orçou os mesmos carros por quase a metade do preço na empresa contratada por Magda, a Gyn Locadora. A informação repassada por um funcionário é que o primeiro 4x4 custa, por mês, R$ 7 mil e o segundo, R$ 6,5 mil, já incluindo os valores dos seguros - Magda, no entanto, pagou R$ 12,7 mil e 12,2 mil, respectivamente.

Procurada pelo Estadão, a deputada não quis se pronunciar sobre os valores pagos nem sobre o motivo dos deslocamentos. Em nota, a locadora afirmou que os valores podem mudar de acordo com a franquia de quilômetros rodados, o prazo de contrato e a opção por assistência 24 horas local ou nacional.

Justificativas

A maioria dos deputados citados no levamento afirma que as despesas com transportes se devem à continuidade do trabalho apesar da pandemia e, em alguns casos, por causa dela. Silas Câmara (Republicanos-AM), por exemplo, disse que precisou "checar 'in loco'" as necessidades de saúde da população.

Segundo Francisco Júnior (PSD-GO), sua ação presencial aumentou com o redirecionamento das emendas parlamentares para combater o novo coronavírus. O mesmo afirmaram Beto Faro (PT-PA), José Mário Schreiner (DEM-GO) e Adriano do Baldy (PP-GO).

Alex Santana (PDT-BA) disse que não aderiu à "ideia de ficar em casa". "Atuei na linha de frente, fiscalizando os serviços", afirmou o deputado, que ficou oito dias na UTI com covid. Gurgel (PSL-RJ) afirmou que utiliza a cota com economicidade. E que precisou ir a Brasília por diversas vezes por ter sido o relator do projeto "BR do Mar", aprovado em dezembro.

Cristiano Vale (PL-PA) afirmou que manteve a locação de veículos porque o contrato é anual, mas que não usou a cota de combustível de março a dezembro. Já Átila Lins (PP-AM) disse que devolveu R$ 270 mil de sua cota e que o Amazonas, por ser o maior Estado do Brasil, exige o uso de aeronaves.

Já Zacharias Calil (DEM-GO) afirmou que o aumento no gasto com transporte se deu pelo aluguel de um segundo veículo "necessário para o período de campanha eleitoral".

Sérgio Brito (PSD-BA) disse que a alta em seus gastos se deu porque, em 2019, ficou afastado da Câmara. Júlio César (PSD-PI) e Eli Borges (Solidariedade-TO) alegaram que seus gastos foram criteriosos e aprovados. Carlos Bezerra (MDB-MT) não comentou. A reportagem não localizou Jesus Sérgio (PDT-AC), Loester Trutis (PSL-MS) e Charles Fernandes (PSD-BA). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.