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Promotoria de SP denuncia ex-diretor da Fundação Casa por tortura de menores

Fundação Casa - Márcio Komesu/UOL
Fundação Casa Imagem: Márcio Komesu/UOL

Pepita Ortega

São Paulo

27/07/2022 13h22

O Ministério Público de São Paulo denunciou nesta segunda-feira, 25, nove ex-funcionários da Fundação Casa por crimes de tortura, violência arbitrária e falsidade ideológica praticados contra internos da unidade 'Casa Paulista', situada na Vila Maria.

O ex-diretor da unidade, Christian Lopes de Oliveira, é acusado dos crimes de tortura, violência arbitrária e falsidades ideológicas. A Promotoria narra oito fatos criminosos, denunciando ainda ex-ocupantes das funções de coordenador de equipe, agente de apoio socioeducativo, psicólogo, assistente social e agente educacional.

A imputação de tortura envolve as agressões a um adolescente de 17 anos que cumpria medida socioeducativa na Fundação Casa. Segundo a denúncia, o jovem foi atingido com socos, cotoveladas e tapas no rosto e no corpo, além de joelhadas em suas costelas e costas. Os denunciados chegaram a algemar o adolescente, que tentava se esquivar dos golpes, para continuar a agredi-lo. Além disso, deram uma 'gravata' do adolescente, que quase desmaiou.

Após o que o MP chamou de 'sessão de tortura', o adolescente foi levado ao refeitório da Casa Paulista, 'com rosto deformado e desfigurado pelas agressões'.

A Promotoria diz que as agressões se deram não só para 'castigar' o jovem, mas também 'ameaçar e amedrontar os demais adolescentes, que poderiam também ser espancados caso desobedecessem às ordens, ainda que arbitrárias, do então Diretor de Unidade'.

Na ocasião, o então diretor da 'Casa Paulista' ainda desferiu golpes contra o rosto de um outro interno, 'além de ofendê-lo e acusa-lo de incitar os demais internos contra sua administração, no que também o submeteu a vexame e a constrangimento ilegais'.

A Promotoria narra também que, após a tortura, os denunciados 'passaram a confeccionar uma série de documentos públicos com conteúdo ideologicamente falso para garantir a impunidade do gravíssimo crime por eles praticado'.

A denúncia sustenta que foram registrados um registro de ocorrência e um boletim de ocorrência com conteúdo falso. Segundo o MP, foram omitidas informações sobre as lesões existentes em um dos adolescentes e dados falsos foram inseridos também em documentos referentes ao atendimento de saúde.

Ainda de acordo com a denúncia, com base em tais documentos falsos, o então diretor da unidade submeteu o adolescente que fora espancado a uma Comissão de Avaliação Disciplinar, acusando o jovem, 'de forma ilegal e mentirosa, de ter cometido faltas de incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou disciplina internas e praticar agressão física contra autoridades'.

"Certo é que todos os documentos acima indicados, nos termos do próprio relatório da Corregedoria da Fundação Casa, "foram vergonhosamente elaborados de forma fraudulenta, tentando a todo momento mascarar e/ou encobrir a situação verdadeira ocorrida em 26 de julho de 2018" (fls. 272 do PAD 1749/18), com participação de todos os denunciados, se valendo do seu cargo, na edição de documentos públicos com conteúdo ideologicamente falso para assegurar a impunidade dos crimes praticados no interior da Casa Paulista", registra a peça apresentada à Justiça.

A Promotoria entende que os crimes 'se revestem de gravidade em concreto elevada' uma vez que foram praticados por agentes públicos, no interior de unidade da Fundação Casa, 'cujos intuitos pedagógico e socioeducativo foram subvertidos por meio de violência praticada contra adolescentes pelas pessoas que tinha o dever de garantir e preservar seus direitos, e com envolvimento de outros funcionários que, por ação ou omissão dolosas, contribuíram para maquiar a realidade em documentos falsos e, garantir assim, a impunidade sobre os fatos do dia 26 de julho de 2018'.

Em cota apresentada junto da denúncia, a Promotoria ainda defende que, no caso dos quatro ex-servidores denunciados por tortura, não cabe acordo de não persecução penal ou suspensão condicional do processo.

Na avaliação do Ministério Público, os crimes praticados 'envolvem violência extrema em face de adolescentes, no interior de unidade da Fundação Casa, cujo intuito pedagógico e socioeducativo foi por eles deturpado, tornando-se local de espancamento, constrangimento e tortura, justamente por funcionários que detinham poder e dever de garantir sua segurança'.

"Violaram-se deveres humanitários básicos, bem como disposições constitucionais basilares. A devida responsabilização penal, com sancionamento proporcional à gravidade dos fatos, é a única medida adequada e suficiente para repressão e prevenção penais", registra a peça.

Com relação aos demais acusados, o Ministério Público também diz ser 'incabível qualquer benefício', uma vez que não houve confissão formal ou circunstancial e considerando que eles 'contribuíram para a tentativa de maquiar, por meio de documentos ideologicamente falsos, o crime de tortura praticado no interior da Casa Paulista, de forma a assegurar sua impunidade'.

Com a palavra, a Fundação Casa:

A Fundação CASA não tolera qualquer tipo de desrespeito aos direitos humanos dos adolescentes em atendimento, assim como repudia quaisquer práticas de maus-tratos que servidores venham a realizar nos centros socioeducativos. Sobre o caso envolvendo funcionários do Complexo da Vila Maria, ocorrido em 2018, à época, a Instituição tomou todas as providências cabíveis, com a investigação e o processamento administrativo dos envolvidos por meio de sua Corregedoria Geral. No final, três servidores foram demitidos por justa causa e dez suspensos.

Na ocasião, a própria Corregedoria da Fundação CASA designou que todas as informações do processo administrativo disciplinar fossem encaminhadas ao Ministério Público, responsável pela persecução penal dos envolvidos. A denúncia em curso, pelo Ministério Público, recai diretamente sobre os servidores denunciados, não sobre a Fundação CASA.

A Fundação CASA investe continuamente na capacitação de seus servidores quanto ao atendimento humanizado e sem violência, por meio de cursos a distância oferecidos pela Universidade Corporativa da Fundação CASA. São tanto formações pontuais quanto continuadas, que abordam temas como as bases legais do sistema socioeducativo, manejo da raiva, como evitar agressão entre adolescentes na internação, cultura de paz, comunicação não violenta, dentre outros.