Corte de emendas intensifica embate contínuo por controle do orçamento

A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares na Lei Orçamentária Anual (LOA) explicitou o cabo de guerra permanente entre Executivo e Legislativo pelo controle do Orçamento federal. O corte na fatia das chamadas emendas de comissão (originalmente de R$ 16,7 bilhões) atingiu cerca de 10% do total de transferências parlamentares (R$ 53 bilhões) previstas na LOA e ampliou o clima de desconfiança no Congresso. Lula justificou a medida afirmando que o Orçamento de 2024 está sendo feito "com as condições que é possível fazer". Mas parlamentares já discutem outra investida sobre os recursos com a criação de um modelo de pagamento de emendas mais rápido e com menos fiscalização que o tradicional.

Congressistas ouvidos nesta terça, 23, pelo Estadão/Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) avaliaram que a medida tomada por Lula tensiona ainda mais a relação entre os Poderes e demonstra a dificuldade do Executivo em cumprir acordos firmados com o Parlamento. Parlamentares não descartam a possibilidade de derrubada do veto, mas líderes da base governista reconhecem que ainda há espaço para negociação. Aliados do Planalto consideram que o alto valor destinado às emendas de comissão foi, inclusive, um movimento estratégico do Legislativo para ter uma "carta na manga" nas negociações, especialmente em ano de eleição de prefeitos e vereadores.

Lula expôs o clima de melindre com o Congresso ao afirmar ontem que terá "prazer" em se reunir com líderes do Legislativo para explicar o corte de emendas na sanção da LOA. "Eu tive que vetar o Orçamento, vetei R$ 5,6 bilhões. E tenho o maior prazer em juntar lideranças, conversar com lideranças e explicar o porquê que foi vetado", disse o presidente em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador (BA).

Ministérios

Lula citou o aumento de investimento na Saúde e Educação ao classificar o Orçamento deste ano como o "possível". O veto em emendas de comissão atinge, principalmente, os ministérios das Cidades (R$ 1,8 bilhão), Integração e Desenvolvimento Regional (R$ 1,7 bilhão) e Turismo (R$ 950,3 milhões). Juntas, essas três pastas concentram 80% dos valores cortados, segundo levantamento da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados.

Na justificativa do veto, publicada ontem no Diário Oficial da União, o presidente afirma que os montantes serão realocados para políticas públicas que "sofreram redução considerável" na tramitação da Lei Orçamentária Anual no Congresso.

Na LOA, os valores das emendas de comissão já aparecem distribuídos em ações específicas, dentro dos respectivos ministérios - por isso é possível saber quais áreas foram as mais afetadas. Esse tipo de emenda - considerada herdeira do orçamento secreto - é de autoria das comissões permanentes da Câmara e do Senado.

O foco do veto deverá ser um complicador adicional para o governo. Isso porque os três ministérios mais atingidos são comandados por nomes próximos à cúpula do Congresso. Celso Sabino, do Turismo, faz parte da cota do União Brasil dentro da Esplanada e é aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Em entrevista ao Estadão/Broadcast, logo após assumir o cargo, Sabino afirmou que um dos seus objetivos era turbinar o número de emendas destinadas ao setor para compensar o baixo orçamento da pasta.

Já Waldez Góes, da Integração, é ligado a Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e um dos nomes fortes para suceder a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando do Senado.

Jader Filho, titular das Cidades, foi uma indicação do MDB, uma das maiores bancadas do Senado. Ele é filho do senador Jader Barbalho (MDB-PA) e irmão mais velho do governador Helder Barbalho (MDB). O Ministério do Esporte, comandado por André Fufuca, também sofreu corte expressivo nas emendas de comissão: R$ 510 milhões. Fufuca é ex-líder do PP na Câmara, mesmo partido de Lira.

Resistências

Apesar de Lula manter no Orçamento o valor recorde de R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral para campanhas municipais deste ano, é dado como certo pelas bancadas que o veto às emendas sofrerá resistências por parte de deputados e senadores, que contam com essas verbas para irrigar seus redutos eleitorais.

"O clima é de uma espécie de indignação, porque está se tornando normal o governo não honrar os compromissos feitos com as votações pelo Congresso Nacional. O Orçamento foi aprovado por unanimidade, então é um absurdo", disse o líder do PL na Câmara, deputado Altineu Côrtes (RJ). "Independentemente do nosso partido ser de oposição, neste assunto todos os partidos participaram junto com o governo."

Nesta segunda, 22, o relator do Orçamento, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), disse que o Executivo se comprometeu a recompor os R$ 5,6 bilhões vetados e afirmou que o Congresso buscaria "reconstruir isso junto com governo" nas próximas semanas.

No início de janeiro, em outro episódio que ampliou o atrito com o Congresso, Lula sancionou, com vetos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. Um dos trechos vetados tornava obrigatório o empenho de recursos para o pagamento de emendas impositivas em até 30 dias depois da divulgação da proposta. Esse item foi duramente contestado pelo governo enquanto a LDO tramitava no Congresso, por retirar do presidente o poder de definir o fluxo de liberação de emendas.

Agora, os parlamentares articulam um novo modelo de pagamento de emendas. A mudança fará com que o dinheiro seja pago antes do início das obras e sem a análise de um projeto que justifique o investimento. A proposta mexe com repasses da União para Estados e municípios, principalmente os que passam pela Caixa, banco controlado pelo PP, partido do presidente da Câmara.

'Sempre difícil'

Na entrevista concedida ontem à rádio de Salvador, Lula afirmou que a relação com o Congresso Nacional está avançando com um "porcentual razoável", de cerca de 60% a 70% em relação às pautas do governo. O petista tentou minimizar qualquer atrito na relação com o Poder Legislativo, mas reconheceu que negociar com a Câmara, Casa em que o Palácio do Planalto enfrenta maior resistência, é "sempre difícil".

"Quando mando um projeto de lei ao Congresso, não quero que os deputados aceitem com muita tranquilidade aquilo que eu mandei e aprovem. Mando projeto de lei na expectativa de que eles vão fazer emenda, vão ser contra, vão ser a favor e que, nessa discussão, a gente encontre um caminho do meio e aprove uma coisa que seja plausível para o benefício do povo brasileiro. E tem sido assim", disse o petista. "Negociar com a Câmara é sempre um prazer, sempre difícil."

Lula insistiu no argumento de que a medida tomada na sanção à LOA foi a "negociação do possível". "Temos que conversar e, sinceramente, acho que o Congresso até agora fez o que tinha que fazer, votou tudo o que tinha que votar", comentou o presidente, citando a votação da reforma tributária. "As coisas estão indo, senão 100% do que a gente queria, mas um porcentual razoável, 60%, 70% do que a gente quer."

Na sua resposta, o presidente voltou a dizer que o PT tem poucos deputados e senadores em relação ao total de parlamentares das Casas Legislativas o que, portanto, aumenta a necessidade de o governo federal estabelecer constante diálogo com os congressistas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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