Topo

O legado de Allende 50 anos depois do golpe no Chile

27/01/2023 20h10

SANTIAGO DO CHILE, 27 JAN (ANSA) - Por Patrizia Antonini - O tempo da lembrança não cobre o espaço de um dia, mas percorre os 12 meses. Cinquenta anos após o golpe de Augusto Pinochet, o Chile dedica todo o ano de 2023 à memória daquele trágico 11 de setembro, quando o país entendeu o verdadeiro significado da liberdade perdida. Um espaço para recomeçar a pensar no futuro, imaginando plantar novas sementes para que a democracia continue crescendo.   

Os eventos, incluindo simpósios, exposições e shows, já começaram e em breve ganharão vida. Entre os projetos mais simbólicos está a regeneração do espaço verde metropolitano do Cerro San Cristobal, na capital, que, repovoado com árvores e plantas originais, se tornará o Parque da Democracia: um alerta, um desejo, mas também uma forma de agradecimento por todos aqueles países que, como a Itália, estiveram ao lado dos chilenos durante esses intermináveis 17 anos.   

Mas o aniversário é também um momento para entender e planejar, em um país que continua a lidar com seus traumas, descobrindo-se indeciso e dividido, espremido no isolamento geográfico entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico.   

Embora os netos de Salvador Allende tenham se vingado com o jovem Gabriel Boric, que subiu para o La Moneda aos 35 anos, o perímetro de ação não permite curvas à esquerda. Prova disso é a tentativa frustrada de derrubar a Constituição que remonta aos anos da ditadura, e o novo exercício constituinte que acaba de começar, e que promete, acima de tudo, ser uma prova de equilíbrio e compromisso.   

Nas palavras do jornalista chileno Francisco Covarrubias, Boric se descobriu como um músico pronto para tocar em um show de rock que se viu interpretando peças de Mozart.   

E, se o terceiro cargo do executivo é ocupado pela aclamada Camilla Vallejo, emblema dos protestos estudantis contra o governo conservador de Sebastián Piñera, a pressão pela mudança é freada pela preocupação com a estabilidade, enquanto a lua de mel de Boric com os eleitores, 10 meses após a posse, parece já ter chegado ao fim.   

Segundo as últimas pesquisas do Instituto Cadem, a aprovação do líder caiu pela metade, passando de 50% de sua chegada para 25%.   

O número é prejudicado pela inflação, que disparou para níveis recordes de 12,8%, enquanto o Banco Mundial prevê uma queda de 1,7% do PIB neste ano.   

Mas o quadro também é agravado pelo aumento da criminalidade, com o crescimento de 43% dos homicídios em 2022, que chegaram a 842, e do narcotráfico em alta, a ponto de avaliar a militarização no norte do país.   

Nesse contexto, o presidente não foi perdoado pelo indulto de um ex-integrante da luta armada da Frente Patriótica contra a ditadura, e 12 manifestantes foram condenados pelo "estalido social", os violentos protestos de novembro de 2019 que, na sequência dos Coletes Amarelos inflamaram as praças do país.   

O cinquentenário do golpe, que vê um novo grupo de especialistas - o terceiro - empenhado na investigação da morte de Pablo Neruda, para estabelecer se a verdadeira causa foi envenenamento ou câncer de próstata, como se dizia na época, portanto, torna-se uma oportunidade de refletir também sobre as causas sociais que fazem deste país uma panela em constante ebulição.   

Um espaço para o governo de Boric interpretar o complexo cenário em que o desejo de ordem se mistura ao desejo de mudança. Dar respostas de acordo com novos esquemas, continuando assim o legado de Allende. (ANSA)
Veja mais notícias, fotos e vídeos em www.ansabrasil.com.br.