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Entenda o julgamento do presidente deposto do Egito

04/11/2013 14h47

O primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, Mohammed Mursi, começou a ser julgado nesta segunda-feira ao lado de outros 14 membros de seu grupo político, a Irmandade Muçulmana - em mais um capítulo da instabilidade política que assola o país desde a Primavera Árabe, em 2011, quando foi derrubado o presidente Hosni Mubarak.

O presidente islamita (de plataforma islâmica) foi alvo de um golpe militar em julho após uma onda de protestos populares.

Egito em transe

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A BBC preparou um guia que explica o caso:

Que acusações recaem sobre Mohammed Mursi?

A Corte que está julgando Mursi ainda não apresentou uma lista de acusações contra ele e os demais réus.

Mas a revista estatal Al-Ahram Al-Arabi informa que os réus são acusados de incitar seus simpatizantes a matar e torturar manifestantes nos arredores do palácio presidencial, no Cairo, em 5 de dezembro de 2012.

Ao menos dez pessoas morreram em confrontos nesse dia. A Irmandade Muçulmana afirma, no entanto, que a maioria deles eram islamitas.

Entre os demais réus estão ex-assessores de Morsi, líderes do alto escalão da Irmandade e de seu braço político, o Partido da Liberdade e Justiça.

Além disso, Morsi é investigado por uma tentativa de fuga da prisão durante a revolta da Primavera Árabe, em 2011 (na época do governo de Mubarak, a Irmandade Muçulmana era banida e ele estava preso), e por suposta conspiração com o grupo palestino Hamas durante a fuga.



O que levou à prisão de Mursi?

Em dezembro de 2012, a assembleia constituinte, de maioria islamita, aprovou um rascunho de uma nova Constituição, que aumentava o papel do islã e restringia a liberdade de expressão e de reunião. O povo aprovou o texto em um referendo, mas a mudança provocou uma onda de protestos convocados por líderes seculares, cristãos e grupos femininos.

No mês seguinte, mais de 50 pessoas morreram em violentos confrontos de rua.

Em julho, o Exército advertiu Morsi que interviria caso não houvesse acordo com grupos de oposição para resolver a crise política do país.

Em 3 de julho, o líder do Exército, general Abdul Fattah al-Sisi, anunciou a suspensão da Constituição. A medida se seguiu a quatro dias de protestos em massa, pedindo a renúncia de Morsi, que não respondeu ao ultimato. O presidente acabou preso.

Durante seus 13 meses no poder, Morsi perdeu o apoio de instituições e setores-chave da sociedade egípcia. Também viu sua popularidade despencar por conta dos problemas econômicos e sociais que assolam o Egito.

E foi acusado de trabalhar em prol da Irmandade Muçulmana em detrimento da população egípcia e de tentar mudar o caráter do Estado egípcio com base na ideologia de seu grupo.

Nesse cenário, o Egito está polarizado entre simpatizantes de Morsi e seus opositores, que incluem liberais, secularistas e esquerdistas.

Qual a importância de seu julgamento?

Diversas figuras influentes do Egito apoiaram a destituição de Mursi, entre eles estão a maior autoridade islâmica do país, o xeque da mesquita de Al-Azhar, o líder da Igreja Copta egípcia e políticos de peso, como o liberal Mohamed ElBaradei (ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica) e o partido conservador salafista Nour.

Mas a legalidade da deposição de um presidente democraticamente eleito foi altamente questionada, levando simpatizantes de Morsi a protestarem e enfrentarem opositores em confrontos de rua.

Na semana passada, três juízes abandonaram o julgamento de outro líder da Irmandade Muçulmana, Mohammed Badie, alegando sentirem "vergonha" pelo caso.

E, com Morsi respondendo perante a Justiça, o Egito terá dois ex-presidentes em julgamento simultaneamente. Hosni Mubarak está sendo julgado sob acusações de ter sido cúmplice na morte de manifestantes que se opunham ao seu governo.

Segundo especialistas, Morsi pode ser sentenciado à prisão perpétua ou pena de morte caso seja condenado.

Um porta-voz de Morsi diz que ele não será representado por nenhum advogado e ainda se considera o presidente legítimo do Egito.

Pode haver mais violência?

Há preocupações legítimas de que o julgamento eleve as tensões entre a Irmandade Muçulmana e os militares, aumentando a instabilidade do país.

A Aliança Nacional de Apoio à Legitimidade, que inclui simpatizantes da Irmandade, convocou protestos para esta segunda-feira em oposição ao julgamento.

O governo interino - apoiado pelos militares - reforçou a segurança para garantir que o julgamento transcorresse sem incidentes.

Mas isso não impediu confrontos diante do tribunal, entre simpatizantes e detratores do presidente deposto. As forças de segurança reagiram com bombas de gás lacrimogêneo.

ENTENDA A CRISE NO EGITO


O que aconteceu?
O comandante-geral do Exército, o general Abdul Fattah al-Sisi, declarou na TV que a Constituição foi suspensa e que o presidente da Suprema Corte assumiria poderes presidenciais, na prática derrubando o presidente Mohammed Mursi. Com isso, Adli Mansour comanda o governo interino formado por tecnocratas até que eleições presidenciais e parlamentares sejam convocadas. No Twitter, Mursi chamou o pronunciamento de "golpe completo categoricamente rejeitado por todos os homens livres de nossa nação". Soldados e carros blindados rondam locais importantes do Cairo enquanto centenas de milhares de manifestantes protestam nas ruas.

O que motivou a crise?
O descontentamento começou em 2012, quando Mursi, 1º presidente democraticamente eleito do Egito, deu a si mesmo amplos poderes numa tentativa de garantir que a Assembleia Constituinte concluísse a nova Constituição. Desde então, houve uma cisão política no país. De um lado, Mursi e a Irmandade Muçulmana; de outro, movimentos revolucionários e liberais. Quando a nova Constituição, polêmica e escrita por um painel dominado por islamitas, foi aprovada às pressas, as manifestações em massa tomaram as ruas, e Mursi acionou o Exército. Mas enfrentamentos continuaram, deixando mais de 50 pessoas mortas. Diante da pressão, os militares deram um ultimato ao presidente, que tinha 48 horas para atender às demandas populares. Mursi insistiu que ele era o líder legítimo do Egito, e houve intervenção.

Qual o caminho traçado pelos militares?
Após encontro de líderes políticos, religiosos e jovens, o general Sisi disse que o povo clamava por "ajuda" e que os militares "não podiam permanecer em silêncio". Ele disse que o Exército fez "grandes esforços" para conter a situação, mas o presidente não atendeu "às demandas das massas" e era hora de por "fim ao estado de tensão e divisão". Como a nova Constituição era alvo de fortes críticas, ele suspendeu-a temporariamente. O general não especificou quanto tempo duraria o período transitório e o papel que será exercido pelos militares. Ele conclamou a Suprema Corte Constitucional a rapidamente ratificar a lei permitindo eleições para a Câmara Baixa do Parlamento, que está dissolvida, e para a Assembleia Popular. E afirmou que um novo código de ética será expedido.
  • Fonte: BBC Brasil