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Como é a vida noturna em Caracas, a cidade mais violenta da América do Sul

O bairro de Petare, em Caracas (Venezuela) - BBC
O bairro de Petare, em Caracas (Venezuela) Imagem: BBC

Daniel Pardo

Da BBC Mundo em Caracas

30/11/2014 15h49Atualizada em 30/11/2014 16h16

"Lá, onde estão todas aquelas luzes, há um grupo de gangues criminosas. Ali, com certeza, haverá dois ou três mortos esta noite."

A previsão é de Oscar Pineda, um policial em Petare, o maior bairro popular de Caracas e, de acordo com dados oficiais, o mais perigoso.

É sábado à noite. Estamos na cidade com mais homicídios na América do Sul: 122 por 100 mil habitantes, de acordo com as Nações Unidas.

No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa era de 25,2 em 2013.

Voltando ao bairro de Petare, Pineda diz que, durante a noite, pessoas, reggaetón e anarquia tomam conta da região.

Enquanto isso, em grande parte das áreas mais ricas da cidade, o silêncio e a escuridão dão o tom da noite.

"Hoje não há mais agito nas ruas", disse à BBC Mundo, Ricardo Muchuchíes, o agora dono do modesto Puto Bar, e antes sócio de lendários e extintos bares na capital venezuelana, como La Belle Époque e La Mosca.

A insegurança, a crise econômica e a polarização política fizeram, na última década, a noite de Caracas não mais ser o que era.

Menos

Os moradores de Caracas, que como bons venezuelanos gostam de farra, não deixaram de se divertir.

Na zona tradicionalmente mais ativa, Las Mercedes, as areperas (locais que vendem arepas, prato típico do país) e carrinhos que vendem cachorros quentes competem 24 horas por dia por dezenas de pessoas que entram e saem de diferentes bares e casas noturnas.

Outro lugar popular é o centro comercial de San Ignacio, onde dezenas de bares, um após o outro, oferecem diversas possibilidades noturnas.

Há também vários centros culturais que não fecham até meia-noite, como Trasnocho Cultural e Patana Cultural.

E o teatro, assim como o stand up comedy, tiveram até um crescimento relativo nos últimos anos, especialmente pela queda na produção de telenovelas - o país já foi um dos principais exportadores delas.

Mas dezenas de moradores ouvidos pela BBC Mundo afirmam: nem Las Mercedes e San Ignacio são o que eram.

"Tivemos uma redução em casas noturnas e no número de pessoas que, anos atrás, se não conseguiam entrar em um local, ficavam conversando na esquina", disse à BBC Mundo Rafael Solorzano, que, como funcionário da prefeitura de Baruta, na localidade Las Mercedes, supervisionou o fechamento de várias dessas empresas.

A rua

Muitos moradores de Caracas optaram por fazer atividades coletivas para recuperar a rua de noite: uns correm, outros andam de bicicleta, alguns fazem piquenique e há até quem faça ioga nas ruas.

E tudo isso é organizado pelas redes sociais, mensagens de texto e cartazes espalhados pela cidade.

Em Sabana Grande, uma zona menos opulenta que as anteriores, há mais movimento de festa nas ruas, protagonizados pelos chamados motorizados, homens em motos que têm estigma de anárquicos e problemáticos.


Há duas áreas onde as pessoas estacionam os carros na rua, e saem para beber e ouvir música, apesar de beber na rua ser proibido desde 2001: Plaza Venezuela e do Los Cortijos, ambas áreas de má reputação como um destino noturno e, ultimamente, silenciadas pela polícia.

Economia

Ernesto "Punky" Burguillos é um dos cantores de salsa mais procurados há duas décadas: conhece a Caracas que era a capital da salsa no continente e a de hoje.

"A grande diferença de antes é que hoje, para sair à noite, você tem que ter um monte de dinheiro", diz Burguillos, cantor do Juan Sebastián Bar, um dos hoje raros negócios de salsa na cidade.

A inflação na Venezuela disparou nos últimos anos, atingindo o poder de compra das pessoas.

Burguillos dá o exemplo do custo de um copo de uísque no Juan Sebastián: 1.000 bolívares (cerca de US$ 20, segundo a taxa mais alta do câmbio oficial), o equivalente a um quarto de salário mínimo.

A maioria, no entanto, prefere cerveja, que ainda é relativamente barata (menos de 100 bolívares), porque é considerado, nas palavras de funcionários do governo, "a bebida do povo".

Política

A prefeitura de Caracas, nas mãos do governista Jorge Rodriguez, inaugura nesta sexta-feira um ambicioso festival de música na capital: 48 grupos, nove dias e preços baixos.


Mas a prévia do festival, mais do que o evento em si, foi uma controvérsia política, pelo convite a Chino y Nacho, dois artistas que têm expressado abertamente suas simpatias pela oposição - o que levou a todos os tipos de críticas por parte dos chavistas.

A banda finalmente anunciou que não vai participar do festival.

Segundo Ricardo Mucuchíes, além da economia e da insegurança, essa profunda polarização política do país afetou a vida noturna da cidade.

"Você acredita nisso?", pergunta. "Conheço pessoas que não deixam bandas ligadas ao governo tocarem em seus bares."

"E enquanto esse problema continuar, a escolha de bares e opções culturais continuará caindo, porque a polarização suga a energia de todo mundo".

Isso é o que parece ter acontecido com templo de salsa de Caracas, El Maní es Así.

"O Maní foi o local de salsa mais importante de um centro que era importante", diz Burguillos, referindo-se a Caracas.

"Mas hoje, com sorte você vê uma banda tocando ao vivo lá", diz.

Há alguns anos, El Maní foi comprado por testas-de-ferro ligados ao governo, de acordo com relatos que a BBC obteve de seus funcionários.

"Desde então, o clima mudou", conclui Burguillos.

 

Mais uma vez, a insegurança

De acordo com Juan Jose Espinoza, autor do recém-lançado guia Caracas Bizarra, na cidade existem iniciativas para revitalizar a vida noturna, como feiras do livro municipais ou o Eje Nocturno, um tour de bares, museus e praças no centro de Caracas organizado ocasionalmente pela prefeitura.

Mas ele aponta que são exceções: "Se eu quiser ir ao centro de Caracas um dia qualquer para tomar uma cerveja, provavelmente só vou encontrar antros abertos, e, talvez, não seja seguro para mim".

É por isso que a vida noturna de muitos moradores de Caracas foi reduzida a fazer festas em casa, como Mucuchíes diz: "Em vez de se arriscar, as pessoas agora preferem levar a sua garrafa e fazer seu burburinho em casa".

É comum que as festas dos mais jovens sejam daquelas que as pessoas ficam para dormir, porque os pais preferem não dirigir à noite para evitar ataques ou sequestros relâmpago.

E de manhã, acordam e tomam café da manhã juntos, seja em casa ou em uma arepera.

Mas em Petare, a história ainda é diferente: lá, durante a noite, na movimentada e famosa Redoma, dezenas de motorizados se reúnem para beber e ouvir reggaeton no volume máximo.

Às vezes eles soltam fogos, fazem rachas e buzinam para comemorar.

De volta ao policial Pineda em Petare, a BBC pergunta se podemos ir a essa festa "de bandidos", onde segundo ele haverá morto hoje à noite.

Ele se recusa: "Nós somos a autoridade, mas eles têm o poder, têm mais armas e, mesmo se os prendermos, com certeza sairão da cadeia em poucas semanas, por isso não vale a pena o risco."

A polícia, ele admite, é incapaz de fazer com que uma noite não termine com dois ou três mortos.