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Para analistas, desconforto com Cunha murchou protestos contra impeachment

Rafael Barifouse

Da BBC Brasil em São Paulo

14/12/2015 07h43

Manifestações em 22 Estados e no Distrito Federal marcaram, no domingo, a primeira jornada de protestos contra o governo após o acolhimento do pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

O público, entretanto, foi bem menor do que nas três mobilizações anteriores realizadas neste ano pedindo a saída de Dilma.

No protesto em Brasília, por exemplo, a Polícia Militar estimou a presença de 6 mil pessoas. Em agosto passado, foram 25 mil. O mesmo ocorreu em São Paulo, onde 30 mil manifestantes estiveram na Avenida Paulista neste domingo, dez vezes menos do que há quatro meses, quando eram 350 mil.

Mas o que isso significa para o governo do presidente Dilma Rousseff e para a oposição? Estes protestos terão algum efeito sobre o processo de impeachment? E eles podem voltar a crescer?

Para responder a estas questões, a BBC Brasil colheu os depoimentos de três cientistas políticos.

Carlos Melo, professor do Instituto de Pesquisa e Ensino de São Paulo (Insper)

"A presença foi bem pequena. Contribuiu para isso o fato da escolha da data ter sido péssima. Quem vai para a rua em 13 de dezembro (data da decretação do AI5 pela ditadura militar) tem um viés autoritário ou é desinformado. Quem tem uma cultura democrática mínima fica reticente. Mas não acho que isso tenha sido decisivo.

Mais importante é o fato do impeachment ainda estar sendo confundido com uma disputa entre Cunha e Dilma. As pessoas se perguntam se ir para a rua contra Dilma agora vai sinalizar que são a favor do Cunha. Talvez um protesto contra o Cunha conseguisse maior mobilização neste momento, porque seus problemas estão mais em evidência.

Os motivos do impeachment também ainda não estão suficientemente claros para a população. A operação Lava Jato é que domina o noticiário, mas os motivos para o impeachment são outros, o que se convencionou chamar de pedaladas fiscais - e as pessoas não sabem o que é isso. Se você falar em transgressão à lei de responsabilidade fiscal, sabem menos ainda.

Também o momento seja de desmobilização, de fim de ano. Não é um período de muita atenção para a questão política. Isso me leva a pensar que Cunha talvez tenha se precipitado no momento de acolher o pedido de impeachment, porque não seria agora o melhor momento para mobilizar contra o governo.

Mas ter menos gente na rua agora não significa uma maior adesão a Dilma. As pessoas podem se mobilizar mais à medida que quem defende o impeachment consiga esclarecer que isso é maior que o conflito entre ela e Cunha e por que se quer cassar o mandato de Dilma Rousseff.

O entendimento popular sobre o processo tende a ficar claro e podem surgir novos elementos na Lava Jato e na operação Zelotes, que quebrou o sigilo do filho do presidente Lula.

Ao mesmo tempo, as questões que atingem à presidente, como a economia, o desemprego, a diminuição de renda, tendem a ser mais sentidas pela população depois de dezembro. É possível imaginar que os próximos protestos tenham uma mobilização maior. Por isso, o governo tenta acelerar o impeachment e a oposição tenta atrasá-lo. Os dois lados estão corretos em agir assim."

Renato Perissinotto, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná

"As manifestações foram menores, tiveram menos força, e isso parece ser algo que vem se repetindo desde o início do ano, quando ocorreram protestos gigantescos e os seguintes foram mais fracos. Agora, o número de pessoas foi ainda mais reduzido, e acho que isso pode ser explicado por alguns fatores.

Primeiro, existe um desgaste da atividade de ir para a rua. Ainda que haja um espaço entre as manifestações e seja um domingo, as pessoas vão se cansando um pouco desse tipo de engajamento quanto ele corre reiteradamente.

Também houve uma apropriação pelo Cunha da bandeira do impeachment, o que deixou muita gente desconfortável, até aqueles que são claramente favoráveis a ele. Os problemas do Cunha estão em evidência, e as acusações em relação à presidente são discutíveis, não têm um argumento jurídico inequívoco.

Já contra quem abriu o processo, o Cunha, há informações mais comprometedoras, o que cria uma situação estranha para quem se manifesta a favor do impeachment.

E, como existe um debate em torno do embasamento jurídico do pedido, fica a sensação de que há um grupo de pessoas transformando o impeachment em uma estratégia eleitoral.

Por fim, em manifestações anteriores, houve uma defesa de uma intervenção militar e, mesmo sendo contra Dilma e favorável ao impeachment, muitas pessoas ficaram incomodadas.

Assim, esse acúmulo de fatos e informações que tornam a questão do impeachment mais incerta contribui para enfraquecer as manifestações.

As mobilizações futuras dependerão de como o processo do impeachment for encaminhado. Se começar a se consolidar como uma ameaça real à presidente, isso conferirá força aos movimentos populares. Se houver um retrocesso no processo e manifestações institucionais contra ele, a mobilização tende a recuar.

No fim das contas, é uma via de mão dupla. Se os movimentos forem fortes para colocar milhões nas ruas, isso pode afetar o processo, e a dinâmica do impeachment também afeta o ânimo das pessoas para protestar."

Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências

"Este domingo não foi um fato político importante. Os protestos não trouxeram nenhum fato novo, não foram capazes de abalar a atual correlação de forças entre apoiadores e opositores do impeachment no Congresso. Mas houve uma diminuição importante do número de manifestantes nas ruas.

Acho que foi realizado em um momento foi ruim. Estamos às vésperas do Natal. Isso dificulta a mobilização. Também houve uma relativa surpresa em relação ao acolhimento do pedido pelo Eduardo Cunha, porque sinais anteriores apontavam para uma certa acomodação por parte dele.

Também há uma dificuldade natural em mobilizar sem ter uma agenda positiva para os protestos. Tem um cansaço, não só pela dificuldade de manter gente na rua, mas por esta agenda negativa como um tudo, que ainda perpassa por toda a classe política, já que há gente da oposição envolvida na Lava Jato.

A divisão entre Cunha e Dilma ainda dificulta a construção da narrativa do impeachment, porque um dos principais opositores é Cunha, que está envolvido em escândalos da Lava Jato.

Desse modo, o destino final desta agenda vai depender das decisões estratégicas do governo no Congresso e da interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o rito do processo.

Se o governo não conseguir resolver esta agenda de forma mais rápida, as futuras manifestações podem voltar a crescer, porque haverá mais tempo para organizá-las e fazer uma pressão mais forte sobre os parlamentares.

Se o impeachment continuar caminhando na Câmara, isso pode incentivar os opositores e a presidente Dilma a se mobilizarem. Acho que agora o estágio do processo definirá o nível de mobilização popular em vez desta mobilização pautar o comportamento dos parlamentares."