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"Carniceiro dos Bálcãs": Quem é Karadzic, condenado por genocídio na Guerra da Bósnia

Robin van Lonkhuijsen/AFP
Imagem: Robin van Lonkhuijsen/AFP

24/03/2016 15h34

Condenado nesta sexta-feira por participação direta em um genocídio na Guerra da Bósnia (1992-95), Radovan Karadzic foi um líder político que despertou amor e ódio.

Entre alguns sérvios da Bósnia-Hezergóvina, ainda hoje ele é considerado herói e defensor de seu povo. Mas fora de seu círculo de admiradores, é chamado de "carniceiro dos Bálcãs", pelo envolvimento e liderança que teve na guerra que deixou mais de 100 mil mortos.

Nesta sexta, aos 70 anos, o ex-líder sérvio foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional da antiga Iugoslávia a 40 anos de prisão, por conta do genocídio de Srebrenica (quando mais de 7 mil bósnios muçulmanos foram mortos por tropas sérvias) e por outros nove crimes de guerra.

Ele foi absolvido de outra acusação de genocídio em cidades bósnias.

Karadzic é a figura política mais graduada a enfrentar julgamento por conta do violento colapso da Iugoslávia, e seu caso tem sido encarado como um dos mais importantes julgamentos de guerra desde a Segunda Guerra Mundial.

Seu julgamento durou oito anos. Karadzic negou as acusações, alegando que quaisquer atrocidades cometidas foram ações individuais e não orquestradas por um comando superior.

Nacionalismo

Psiquiatra por formação e político por opção, Karadzic nasceu na região hoje conhecida como Montenegro, que ficava na Iugoslávia.

Sua influência política, inclusive, começou dentro de casa – seu pai era um membro dos Chetniks, guerrilheiros nacionalistas sérvios que lutavam contra os ocupantes nazistas e contra os partidários comunistas do marechal Tito (ex-líder iugoslavo) na Segunda Guerra Mundial, e ficou preso durante boa parte de sua infância por conta disso.

Mas a vida política de Karadzic começou de fato depois que ele se mudou para Sarajevo, na atual Bósnia, país com profundas divisões étnicas. Foi lá que ele se formou psiquiatra, conheceu a esposa Ljiljana e virou poeta, sob influência do escritor nacionalista sérvio Dobrica Cosic, que o motivou a entrar de vez na política.

Depois de trabalhar brevemente para o Partido Verde da Sérvia, ele ajudou a fundar o Partido Democrata Sérvio (SDS) – dedicado a fundar a "Grande Sérvia" e criado em 1990 em resposta ao surgimento de partidos nacionalistas na Croácia e na Bósnia.

Menos de dois anos depois, quando a Bósnia-Hezergóvina ganhou reconhecimento como Estado independente, ele declarou a criação da República Sérvia Independente da Bósnia-Hezergóvina (que ganhou o novo nome de Republika Srpska) com sua capital em Pale, um subúrbio de Sarajevo. O presidente dessa nova república seria o próprio Karadzic.

Foi o partido dele, apoiado pelo líder sérvio Slobodan Milosevic, que organizou os sérvios para lutar contra os bósnios e croatas na Bósnia.

'Limpeza étnica'

Uma guerra violenta se seguiu a isso, com o apoio militar da Sérvia e com seu exército ocupando Sarajevo por 44 meses, destruindo as forças bósnias, mas também aterrorizando a população com bombardeios sem fim.

A guerra trouxe à tona tensões étnicas que haviam sido contidas durante o governo de Tito. Milhares de civis morreram no confronto, muitos deles sendo alvos deliberados das explosões.

As forças bósnio-sérvias – que tiveram apoio militar da Sérvia – tiraram centenas de milhares de bósnios étnicos e croatas de suas casas em uma campanha brutal de "limpeza étnica", pela qual Karadzic também foi acusado 20 anos depois.

Inúmeras atrocidades foram documentadas, incluindo o estupro generalizado de meninas e mulheres. Há relatos também de campos de punição bósnio-sérvios – como os campos de concentração nazistas – onde prisioneiros de guerra eram mantidos e torturados.

Crimes de guerra também foram cometidos contra civis sérvios pelos bósnios em uma guerra étnica que se tornou o confronto mais longo e violento da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Um acordo selado em Paris no fim de 1995, após mais de mil dias de conflitos, pacificou a região.

Ainda naquele ano, Karadzic foi indiciado junto com o líder bósnio sérvio Ratko Mladic por crimes de guerra. Ele foi obrigado a deixar a presidência da SDS em 1996 quando o Ocidente ameaçou sanções contra a Republika Srpska.

Promessa de imunidade

Depois do acordo de Dayton, que pôs fim à Guerra da Bósnia, Karadzic iniciou sua "fuga" das autoridades e conseguiu se manter escondido por muito tempo – provavelmente na área montanhosa do sudeste da Sérvia, na parte controlada pela Bósnia, e protegido por militares.

Ele atuava como um curandeiro "new age" quando foi preso, disfarçado e com um nome falso.

Karadzic diz que o diplomata americano Richard Holbrooke, um dos principais articuladores do acordo de paz, prometeu a ele imunidade nas acusações em troca de ele deixar o cenário político. O americano, porém, nega.

Depois de passar muito tempo "desaparecido", Karadzic finalmente foi levado ao Tribunal Penal Internacional da ONU para a antiga Iugoslávia em agosto de 2008.

Promotores o acusaram de ter feito uso de táticas para atrasar o julgamento, já que ele boicotou as audiências iniciais e insistiu em ser seu próprio advogado de defesa.

Karadzic apresentou a defesa em 2012, na qual ele se descreveu como um "homem suave" que deveria ser "recompensado" por ter tentado evitar a guerra.

Seu desempenho foi descrito como "eloquente, historicamente provocativo e de autopromoção", segundo um jornal local.
Mas nada disso impediu sua condenação em Haia (Holanda), nesta sexta-feira.