Topo

Família de Jean Charles perde último recurso na tentativa de punir policiais

30/03/2016 10h51

Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que autoridades britânicas acertaram ao não processar policiais; brasileiro foi confundido com terrorista

A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu nesta quarta-feira que as autoridades britânicas acertaram ao não processar os policiais que mataram o brasileiro Jean Charles de Menezes em Londres, em 2005, após confundi-lo com um terrorista.

O recurso à corte, sediada em Estrasburgo, na França, era a última tentativa da família para responsabilizar o governo britânico e processar os policiais envolvidos na morte do eletricista.

A família de Jean Charles argumenta que os policiais envolvidos na operação que culminou na morte do brasileiro não deveriam poder alegar que agiram em legítima defesa, uma vez que o eletricista não representava uma ameaça real e não teve chance de esboçar reação.

Mas a corte entendeu que as autoridades britânicas investigaram o caso e concluíram que não havia provas suficientes para processar nenhum policial.

Segundo os juízes, a decisão das autoridades britânicas não feriu nenhuma lei de direitos humanos.

O governo do Reino Unido defendeu o posicionamento da corte.

"Os fatos neste caso foram trágicos, mas o governo considera que a corte defendeu o importante princípio de que indivíduos só são processados quando há uma perspectiva real de condenação", disse um porta-voz.

Imbróglio jurídico

A família de Jean Charles questionou na corte o teste usado pelos promotores britânicos para decidir se eles têm evidências suficientes para acusar alguém de um crime.

No chamado "teste dos 51%", é avaliado se, com base nas evidências levantadas até então, há mais chances de condenação que absolvição, os promotores fazem a acusação.

Os advogados da família afirmaram que as evidências eram grandes e que a decisão era incompatível com o Artigo 2 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Segundo esse texto, o Estado nunca deve tirar arbitrariamente a vida de alguém e deve proteger aqueles que estão sob seus cuidados.

Outro argumento usado foi de que os policiais não poderiam dizer que agiram em legítima defesa.

No entanto, a corte em Estraburgo sustentou a definição de  legítima defesa adotada na Inglaterra e no País de Gales – segundo a qual é necessário existir uma franca crença de que o uso da força é necessário.

A tese da família foi derrotada por 13 votos a 4.

'Frustração compreensível'

No julgamento, a corte europeia afirmou que o caso era, "sem dúvidas, trágico", e que a frustração da família de Jean Charles pela ausência de processos individuais contra policiais era compreensível.

Porém, concluiu que a decisão de não processar nenhum dos agentes não ocorreu por causa de qualquer falha nas investigações "ou por tolerância ou conivência do Estado com atos contra a lei".

Patricia da Silva Armani, prima que morava com Jean Charles à época da morte, afirmou que a família não desistirá da busca por Justiça.

"É inacreditável que meu primo inocente tenha levado sete tiros na cabeça pela Polícia de Londres enquanto não fazia nada de errado, e que ainda assim a polícia não tenha de responder por suas ações", afirmou ela.

"É como nós sempre sustentamos: acreditamos que decisões sobre culpa e inocência deveriam ser tomadas por júris, e não por burocratas sem rosto. Estamos profundamente tristes que tenham negado, de novo, essa oportunidade."

O caso

Numa sucessão de erros já comprovados, a polícia confundiu Jean com Hussain Osman, um dos envolvidos nas tentativas de atentados a bomba contra a capital britânica na véspera.
Quinze dias antes, Londres foi alvo de atentados que causaram a morte de mais de cinquenta pessoas no sistema de transporte público.

Um endereço descoberto em uma das malas repleta de explosivos que não detonaram – Scotia Road, Tulse Hill, coincidentemente o prédio onde Jean Charles morava – teria sido o ponto de partida para a morte.

O eletricista foi atingido por diversos tiros na cabeça no metrô de Stockwell, no sul de Londres, em 22 de julho de 2005.

A Polícia Metropolitana de Londres (Scotland Yard) escapou de um processo criminal e não houve ações contra indivíduos - a corporação pagou uma multa por violações à segurança pública.

Veja, a seguir, a cronologia jurídica do caso:

  • 22 de julho de 2005: Jean Charles é morto pela polícia na estação Stockwell do metrô londrino
  • 17 de julho de 2006: Promotores afirmam que nenhum agente será processado, mas que a Polícia de Londres será julgada por violar as leis de saúde e segurança
  • 1º de novembro de 2007: Polícia de Londres é considerada culpada por violar as leis de saúde e segurança e é multada
  • 22 de outubro de 2008: Juiz afasta a possibilidade de um veredito de morte ilegal
  • 12 de dezembro de 2008: Júri do inquérito decide que a morte é suspeita, mas que não é possível chegar a um veredito
  • 16 de novembro de 2009:  Polícia de Londres firma acordo de indenização com a família
  • 10 de junho de 2015: Família contesta, na Corte Europeia de Diretos Humanos, a decisão de não processar policiais
  • 30 de março de 2016: Corte nega ação da família