Anticomunista e pró-ditadura, autor de impeachment de Vargas vive 'esquecido' e recluso
Aos 89 anos, o autor do pedido de impeachment contra o ex-presidente Getúlio Vargas está preso a uma cama e alimenta-se com dificuldade. Não recebe visitas e se comunica muito pouco, alternando momentos de alienação e lucidez, enquanto enfrenta uma batalha contra um câncer terminal. Sem herdeiros, sua única companhia é a da mulher, com quem vive há cerca de duas décadas em um apartamento no bairro do Leme, zona sul do Rio de Janeiro.
Wilson Leite Passos em nada lembra a figura explosiva que marcou sua polêmica carreira política. Um dos fundadores da antiga UDN (União Democrática Nacional), ele entrou para a história como autor do primeiro pedido de impedimento aberto contra um presidente brasileiro. O alvo era Getúlio Vargas (1882-1954), acusado de favorecer o jornal Última Hora e tentar implantar o que chamavam de "República Sindicalista" no Brasil.
Anticomunista confesso, ele se retirou da vida pública em 2012, ano em que o câncer de intestino que descobrira três anos antes atingiu seu pulmão. Além disso, segundo conta sua mulher, acabou debilitado por um quadro de hidrocefalia (inflamação no cérebro), que afetou sua capacidade cognitiva e motora.
"Ele fala bem pouco e só se alimenta de comida pastosa. Todos os dias, leio o jornal para ele e assistimos à TV juntos. Tento mantê-lo a par dos desdobramentos do impeachment (da presidente Dilma Rousseff), mas ele já não reage mais a nada", afirmou a mulher de Leite Passos, Maria Rocha, à BBC Brasil.
Uma das figuras mais incendiárias do Legislativo carioca, Passos exerceu oito mandatos não consecutivos como vereador no Rio de Janeiro e um como deputado federal. Sua última legislatura terminou no final de 2008. Tentou se reeleger em 2012, sem sucesso.
"Ele já estava bastante doente por causa da metástase do câncer. Hoje, por causa da hidrocefalia, alterna momentos de alienação e lucidez", acrescenta sua mulher.
Primeiro pedido de impeachment
Formado em Administração Pública e em Relações Públicas, Leite Passos foi jornalista dos diários Correio da Manhã e A Notícia. Em 1945, teve o primeiro contato com a política, ao envolver-se diretamente na campanha do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência.
Quatro anos depois, organizou e presidiu o Movimento Nacional Popular Pró-Eduardo Gomes, que promoveu a segunda candidatura presidencial do militar.
Para seu desgosto, Getúlio Vargas foi, no entanto, o grande vitorioso, ao que Leite Passos decidiu entrar com um pedido de impeachment contra o então presidente.
Com a Câmara a seu favor, o "pai dos pobres" sobreviveu ao impedimento, mas não à crise política. Pressionado pelos militares após o atentado mal sucedido contra seu arqui-inimigo, Carlos Lacerda, ele suicidou-se em 1954.
Em outubro daquele ano, Leite Passos elegeu-se vereador pela primeira vez. Quatro anos depois, foi reeleito. Exerceu o mandato até 1962, quando a Câmara Municipal foi dissolvida com a criação do Estado da Guanabara, por ocasião da mudança para a capital federal, Brasília.
Pró-ditadura
Apoiador do golpe militar de 31 de março de 1964, que depôs o então presidente João Goulart e extinguiu os partidos políticos, decidiu filiar-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), base de sustentação do governo.
Leite Passos criou o Serviço Municipal de Eugenia, que funcionou de 1956 a 1975, oferecendo exames pré-nupciais, pré e pós-natais e orientação psicológica a casais, de forma a obterem "filhos sadios e famílias equilibradas".
Com a redemocratização, ele voltaria a eleger-se vereador por outras seis vezes.
O restabelecimento do serviço era, inclusive, uma de suas plataformas eleitorais.
O polêmico projeto, conhecido como lei da eugenia, propunha criar privilégios fiscais e educacionais para famílias com pais e filhos sadios, em detrimento daquelas com algum portador de deficiência física ou mental ou com doente incurável. A iniciativa, comparada ao desenvolvimento da raça pura pregado por Adolf Hitler (1889-1945) nunca foi aprovada.
"Ele costumava chegar em casa irritado, dizendo que era uma donzela no meio de prostitutas tentando se manter virgem. Sempre foi muito correto", defende sua esposa.
Mas não é o que pensam seus críticos.
Servidores antigos da Câmara Municipal contam que Leite Passos tinha "problemas com bebida e costumava assediar funcionárias da limpeza dentro dos elevadores".
À BBC Brasil, a vereadora Teresa Bergher (PSDB) relembrou as disputas que os dois tiveram no Plenário da casa.
"Passos era um antissemita declarado e tinha posicionamentos atrasados", afirma a vereadora.
"Quando propus meu projeto de lei para ensinar o Holocausto nas aulas de história da rede municipal de ensino, ele disse que o genocídio dos judeus nunca existiu. Não há dúvida de que era simpatizante do nazismo", acrescenta.
O ex-vereador sempre negou ser nazista ou racista.
'AntiNelson'
No entanto, Leite Passos vangloriava-se de manter azeitada, "pronta para ser usada", uma pistola Walther, modelo PP, calibre 7.65, presente de "um oficial nazista que lutou na 2ª Guerra Mundial".
Segundo ele, o revólver teria matado "muito russo, muito comunista", como disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 2006.
Nos anos 50, Leite Passos costumava carregá-la à cintura, com medo de ataques de esquerdistas.
E foi um episódio envolvendo a pistola que o tornou célebre no final daquela década ? e pelo qual ganhou o apelido de 'antiNelson'.
Ao fim do terceiro e último ato da estreia da peça Perdoa-me por Me Traíres, escrita e encenada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, Leite Passos teria sacado a arma e gritado: "É um absurdo ceder o Teatro Municipal para um espetáculo com cenas que ofendem o decoro, a boa linguagem".
O incidente é contado na biografia de Rodrigues, Anjo Pornográfico (Cia. das Letras, 1992), do jornalista Ruy Castro.
O ex-vereador, no entanto, sempre negou a história. Dizia que tudo não passou de uma invenção de Rodrigues.
Questionada pela BBC Brasil, a esposa de Leite Passos confirma que a arma permanece guardada em casa.
"É um objeto de valor sentimental imenso para ele", diz Maria.
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