'Não estamos num processo de pedido de desculpas', diz presidente do PT
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse em entrevista à BBC Brasil que o partido da presidente afastada Dilma Rousseff não está "num processo de pedido de desculpas, mas de autocrítica". Ele afirmou que, apesar de menores, as recentes manifestações pró-Dilma têm conteúdo político "muito mais elevado que a multidão que os coxinhas botaram na (avenida) Paulista".
Segundo Falcão, a presidente está tranquila após o afastamento e não pensa em renúncia. O partido, segundo ele, não vai se refundar ou mudar de nome, como fez o PFL (hoje DEM), mas que a presidente deve fazer "uma reforma política ampla" e adotar medidas de combate ao desemprego.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil: Dilma teve 54 milhões de votos. As manifestações contra o afastamento dela não estão um pouco contidas?
Rui Falcão: Você não vai ter 54 milhões de pessoas nas ruas. Vemos um número menor que nas semanas anteriores, mas é natural. As pessoas trabalham, têm sua vida. Ninguém vive em mobilização permanente.
Qualitativamente, as manifestações têm conteúdo político muito mais elevado que a multidão que os coxinhas botaram na (avenida) Paulista, onde cada um falava uma coisa. Um queria a volta dos militares, outro queria saúde. Agora, você tem um clamor pela volta da democracia, uma unidade em torno disso. Isso vai aglutinar num crescente.
Essa manifestação ainda não chegou às fábricas, mas o desemprego e as medidas que estão sendo anunciadas pelo governo vão levar essa questão para lá, e você vai ter atos com maior repercussão.
A agressividade dos coxinhas diminuiu sensivelmente. Primeiro, ficaram envergonhados no dia 17 (quando Dilma foi afastada). Depois, ficaram envergonhados quando ficou claro que o impeachment estava associado a Eduardo Cunha, sobretudo quando ele foi afastado pelo Supremo. E vão ficar mais envergonhados quando essas primeiras medidas começarem a se concretizar.
Vão começar a reclamar, sobretudo aqueles que não são ricos e têm o que perder, os assalariados. Vão refletir: "Opa! Estamos numa fria. É bom que a mulher volte porque agora está pior."
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BBC Brasil: O que o PT precisa para se reaproximar dos movimentos sociais?
Falcão: As manifestações vão continuar e boa parte delas são espontâneas. Ninguém convocou pela televisão como fizeram os coxinhas ir para a Paulista. Ninguém falou para a equipe do filme 'Aquarius' se manifestar (com cartazes contra o afastamento) em Cannes.
Agora, nós estamos grudados, juntos com os movimentos sociais. Se é possível dizer que houve uma coisa positiva nesse processo de golpe é que houve uma forte aglutinação das forças de esquerda com os movimentos de rua.
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Falcão: Não sei se ele tem ordem para fazer esse tipo de coisa, se ele tem alçada. Acho que ensinaram ele a fazer outras coisas. Mas se ele quiser protestar contra o fim das aposentadorias e bloqueio do Minha Casa Minha Vida, certamente vai aparecer junto conosco lá.
O que o PT vai fazer pela volta de Dilma?
Falcão: Tornar nítido que houve um golpe é importante para ela voltar. Nós gostaríamos que ela apresentasse para a população que a volta dela seria de outra maneira. Ou seja, com propostas de mudanças na política econômica e de uma reforma política ampla porque, com esse Congresso que está aí, fica muito difícil qualquer presidente governar.
É importante que as mudanças feitas pelo PT sejam sempre relembradas. Saímos do mapa da fome, ocorreu a ascensão social de 40 milhões de pessoas e a mortalidade infantil caiu de forma monumental.
Estamos num processo não de pedido de desculpas, como nos cobram, nem de autocomiseração. Estamos num processo de balanço e autocrítica do que nós deixamos de fazer e por quê nós deixamos de fazer. O que propiciou, depois de quatro eleições sucessivas, que nós tenhamos chegado a um ponto em que nossos adversários puderam dar um golpe.
Aprovamos um roteiro de discussão sobre erros e acertos e, simultaneamente às eleições deste ano, vamos fazer debates com o tema: desafios e perspectivas estratégicas do PT. Nos atiramos excessivamente ao Parlamento nas eleições. Isso esvaziou as decisões de instâncias do partido.
BBC Brasil: O que a Dilma deve fazer caso retorne ao governo?
Falcão: Do ponto de vista da economia, é preciso acenar com as políticas que gerem empregos, combatam o desemprego, uma política tributária progressiva para que possa dar conta dessas necessidades do orçamento.
E também algo que diz respeito à democracia, que é o fim dos oligopólios da mídia. A Constituição, ao mesmo tempo que garante a liberdade de expressão e informação, proíbe a formação de monopólios e oligopólios. E essa proibição nunca avançou porque a lei comum não define o que é oligopólio e monopólio. E nós temos uns cinco ou seis pelo menos.
E temos uma violação da Constituição que é os políticos serem detentores de redes de rádio e televisão, quando são eles mesmos que dão autorização para o seu funcionamento. Eles são beneficiários de si próprio.
Queremos que os senadores se manifestem e que não se comprima o processo de julgamento dela (Dilma) com a ideia de que tem que se terminar tudo antes da Olimpíada. Tem o calendário definido e não pode haver cerceamento. A Olimpíada vai ser um momento importante para que o mundo saiba o que está acontecendo aqui.
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BBC Brasil: O PT poderia ter sido mais ousado em quais aspectos?
Falcão: Uma política de comportamento, as políticas libertárias que a juventude, as mulheres debatem em vários países. Como a imprensa não trata desses temas e há uma onda conservadora contra eles, para que você tenha voto, você recua no debate deles. Quando, na verdade, a eleição para nós deveria ser um meio e não um fim.
O Lula perdeu as eleições de 1989, mas ganhou politicamente. Nós não fomos ao colégio eleitoral e ficamos isolados naquele momento. Mas, no passo seguinte, nós crescemos muito. Ficou nítido que tínhamos princípios e identidade.
Combatemos a política das empresas financiarem partidos. Mas, como era lei, seguimos a regra do jogo e isso nos igualou aos demais e abriu um flanco para que, numa ação seletiva de autoridades do judiciário e Polícia Federal, nos incriminassem. A população tem um sentimento anticorrupção. Em nome desse sentimento justo, você tem a Operação Lava Jato que opera politicamente e seletivamente para dizer que o PT é um partido corrupto e isso nos abala.
Você só vai conseguir militância voluntária e aproximação eleitoral de quem está na rua ao nosso lado, embora não seja do PT, se você tiver algo para dizer na política e se você estiver sintonizado com as preocupações das pessoas que não estão ligadas à política. Fernanda Montenegro protestou contra o fim do Ministério da Cultura e não era do PT, mas tem a cultura como valor fundamental do desenvolvimento humano. Temos de estar sintonizados com essas pautas.
BBC Brasil: Por que o PT não fez as reformas políticas que deseja nesses 13 anos de governo?
Falcão: Algumas delas exigem correlação na Câmara do Deputados. Com esse sistema eleitoral, aqueles que te ajudam na campanha eleitoral, com tempo de TV, te impedem de fazer reformas porque não temos maioria no Parlamento.
Por isso, é vital fazer uma reforma política.
Por exemplo, era necessário que houvesse não só a consolidação do fim do financiamento empresarial de campanha, mas também uma limitação do número de partidos políticos, que houvesse votação por listas, ainda que você possa fazer parte da bancada eleita por listas e parte que fizesse eleição nominal também para os eleitores. Porque tal como existe hoje, a vitória eleitoral não é seguida pelo triunfo no Parlamento.
Dilma teve 54% dos votos e o seu programa (PT) teve 12% de votos. Então, era preciso que houvesse um casamento do programa com a sua base de sustentação. Sem isso, os governos ficam prisioneiros daquilo que é chamado presidencialismo de coalizão.
BBC Brasil: Como o senhor avalia o PMDB ter sido o principal responsável pelo afastamento da presidente?
Falcão: Teria que perguntar para eles por que houve essa traição. Por que alguém que é eleito na mesma chapa da presidente, concordando com aquele programa, poucos meses depois começa a conspirar, apresenta um programa alternativo, chamado de Ponte para o Futuro, que eu chamo de Túnel para o Passado?
Como ele (Michel Temer), trabalhando num palácio ao lado dela, conspira para retirá-la? Ele, em termos de ética pública, como presidente usurpador do PMDB?
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BBC Brasil: O PT errou ao fazer parcerias com o PMDB?
Falcão: Essa polêmica nós estamos esclarecendo agora no processo eleitoral. Nós vamos fazer aliança com aqueles que se disponham a construir programas comuns que beneficiem a população das cidades. Vamos preferir fazer isso com o que nós chamamos de partidos de programa democrático popular, o PCdoB e o PDT.
Nossa restrição, e aí entra muita gente do PMDB e outros partidos, é não apoiar candidatos que votaram pelo impeachment da presidenta e daqueles que publicamente se manifestaram a favor do impeachment. Faremos alianças com o PCdoB, PDT, PP e PMDB com pessoas nessa condição.
Teríamos de ter tido condições de, mantida a aliança com o PMDB e outros partidos, ajudar a fazer um campo mais à esquerda que não nos deixe prisioneiros de um parceiro principal.
BBC Brasil: Deixaram o jogo correr?
Falcão: Talvez uma política mais cautelosa nossa ou mais ousada em alguns aspectos pudesse ter impedido que o PSB tomasse o rumo que tomou (de ter deixado a coalizão governista em 2013). Não que não houvesse essa tentativa. O presidente Lula tentou convencer o Eduardo Campos (que chegou a se lançar candidato à Presidência contra Dilma) a não sair do nosso bloco porque ele poderia ter uma perspectiva de futuro na sucessão da Dilma.
Para se viabilizar eleitoralmente, não querendo esperar esse tempo, ele ampliou a composição de seu partido para se viabilizar eleitoralmente e agora o PSB tem outras características que não tinha antes, a tal ponto que o Roberto Amaral, um dos fundadores do PSB, caiu fora.
Sabendo que você não tem maioria no Parlamento e fica muito dependente de determinados compromissos, era importante que a gente tivesse tido mais cuidado, mais politização com quem está fora do parlamento, com os lutadores sociais. Que as eleições fossem um momento na vida do partido e não o fim.
Nós ficamos mais parecidos com a máquina eleitoral do que um partido de transformação social.
BBC Brasil: O PT estuda se refundar e mudar de nome como fez o PFL, agora DEM?
Falcão: Não. Não nos compare com o PFL. O PFL mudou de nome porque estava desaparecendo e continua pequenininho. Nosso problema não é mudar de nome. A campanha que é feita contra nós é feita por causa do Lula, das nossas políticas de inclusão.
Então, mudar de nome não resolveria nada porque nós continuaríamos identificados e seria uma capitulação. Se nós continuarmos combatendo o preconceito contra o Bolsa Família, a xenofobia, o racismo, nós teremos apoiadores e gente da elite falando contra.
BBC Brasil: Como está Dilma nessas últimas semanas?
Falcão: Está indignada com o golpe que sofreu, com a injustiça da qual foi vítima e está com muita disposição para reverter.
BBC Brasil: Ela não pensou em renúncia, deixar o partido?
Falcão: De maneira nenhuma. Tanto que a tese de antecipação de eleições acabou não se viabilizando porque ela viu nesse gesto uma renúncia indireta. Se ela chama eleição para outubro, ela está encurtando o mandato dela em mais de dois anos. E ela disse que vai resistir até o fim.
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BBC Brasil: O prefeito Fernando Haddad pode ser candidato à Presidência em 2018?
Falcão: Não trabalhamos com nomes neste momento, mas com propostas para o país. Em qualquer hipótese, a melhor alternativa que nos apresenta é a candidatura do Lula. Por isso há esse empenho para tentar barrarem (Lula). Com todo esse bombardeio que ele tem recebido, continua em pé nas pesquisas.
Antes de pensar em plano B, nós continuamos a trabalhar com o plano A.
Evidente que fora o Lula há outras alternativas. O Fernando pode ser uma delas, o (Aloizio) Mercadante, o Jaques Wagner (ex-ministros de Dilma). Nosso problema não é falta de gente. É que nós temos uma pessoa como o Lula que te leva a não pensar em mais ninguém porque ele tem cabedal, tem prospecto, oratória, carisma, liderança.
BBC Brasil: Caso ocorra o impeachment, o PT vai pedir novas eleições?
Falcão: Nós nos opusemos à ideia de novas eleições porque significava, na prática, se partisse dela (Dilma), que era uma renúncia implícita. E era uma proposta nitidamente inconstitucional. É preciso que a conjuntura se manifeste para você ver qual a melhor alternativa. Você teria numa hipótese dessa, um mandato tampão. Qual a duração?
Há proposta de convocação de um plebiscito para saber se a população quer antecipar a eleição, outra para uma Constituinte exclusiva para debater a reforma política e as eleições. Tem um leque de opções.
BBC Brasil: No seu ponto de vista, qual é a melhor?
Falcão: Isso geralmente brota da sociedade. Se você avançar em uma dessas propostas você causa divisão dentro das forças (movimentos sociais) que estão lutando unificadamente pela democracia.
É melhor trabalhar juntos com a expectativa de volta da Dilma e restabelecimento do jogo democrático.
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