Mais brasileiros admitem ter 'dado jeitinho', diz pesquisa; o que isso tem a ver com corrupção?
Em meio a investigações, delações premiadas e prisões da Operação Lava Jato, mais brasileiros estão admitindo que já "deram um jeitinho" para resolver problemas.
Pesquisa da consultoria Ipsos obtida com exclusividade pela BBC Brasil mostrou que, entre outubro de 2014 e maio de 2016, o número de entrevistados que declarou ter "dado um jeitinho no último ano" passou de 49% para 62%, um aumento de 26%.
O último levantamento foi feito entre 29 de abril e 7 de maio passado, com 1.200 pessoas em 72 municípios do país. A margem de erro é de 3 pontos percentuais.
Segundo o estudo, para a maioria dos brasileiros, atitudes como pedir a um médico conhecido para passar na frente na fila do posto de saúde ou pedir a ajuda de um amigo que trabalha no serviço público para expedir um documento mais rápido encaixariam nessa categoria e não seriam corrupção.
Isso significa que as pessoas estão sendo menos éticas? Não necessariamente.
Para Danilo Cersosimo, diretor na Ipsos Public Affairs e responsável pela pesquisa, o dado é sinal de que há mais transparência nas respostas.
"Estamos vivendo um momento de transformação de valores. Não significa dizer que de uma hora para outra todo mundo vai começar a agir de forma correta", diz. "Mas o contexto faz com que todos tenham que admitir pequenos ou grandes deslizes."
Cersosimo cita um contexto que estaria colocando todos "contra a parede" e destaca a importância da Lava Jato como símbolo do combate à corrupção. Segundo outra pesquisa da Ipsos, em abril 75% dos entrevistados achavam que a operação iria transformar o Brasil em um país sério.
"Quando as pessoas começam a ver que ações contra corrupção vão dar resultado, elas começam, quase como obrigação moral, a rever seus conceitos."
Ao lado da Lava Jato, a crise econômica e a piora de condições de vida da população influenciariam numa mudança de comportamento. Em tempos difíceis, explica Cersosimo, quando é necessário sair do consultório privado e entrar na fila do SUS, a revolta com os desvios do dinheiro público cresce. Isso porque as pessoas passam a sentir na pele os prejuízos que a corrupção acarreta aos serviços do Estado.
O reflexo disso chegaria às pequenas atitudes do dia a dia e na ligação, ainda que incipiente, entre o cotidiano e a grande corrupção dos políticos.
"Em partes, a pessoa está refletindo que os R$ 20 pro guarda no final das contas ajudam a manter esse modelo deformado, onde o político corrupto desvia R$ 300 milhões."
Segundo Cersosimo, prova da transformação na cabeça dos brasileiros seria a quantidade de entrevistados que acreditam que o "jeitinho" não é uma coisa certa: o número passou de 54% para 67%.
Além disso, neste ano, mais pessoas definiram fazer gato de energia elétrica e passar conversa no guarda para não pagar multas, por exemplo, como corrupção (64% e 56%, respectivamente) e não como "favor" ou "jeitinho".
Em 2014, essas porcentagens eram de 58% e 45%, respectivamente. Apenas "guardar lugar na fila para alguém que vai resolver um problema" continuou no mesmo patamar - 53% o consideram um "favor".
Jeitinho na crise
O protagonismo dado à Lava Jato pelo diretor da Ipsos no aumento da prática do "jeitinho" não é consenso. Especialistas consultados pela BBC Brasil diminuem a relevância da operação nos resultados da pesquisa.
Para Rita Biason, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Unesp, mais gente está admitindo o jeitinho por causa da difícil situação econômica do país.
Segundo ela, quanto mais bens e serviços são tirados da população, maior será o uso de estratégias "alternativas" para se conseguir o que se quer.
"Pode haver mais consciência de que o ato é reprovável, mas, dadas as atuais circunstâncias, a pessoa se vê obrigada (a isso). Ela perdeu o emprego, perdeu o convênio médico, vai para fila do SUS e vai achar um jeito de ser atendida."
Ela explica que o "jeitinho" fica numa categoria intermediária entre o favor, que não gera transgressão, e a corrupção, quando há o completo desrespeito às leis.
Mesmo sendo uma "zona cinzenta", Biason afirma que o brasileiro sabe diferenciá-lo da ilegalidade: o jeitinho seria pessoal, quase uma camaradagem, e a corrupção, institucional.
Apesar de haver mais consciência sobre os problemas de agir fora das regras, a professora não acha que os brasileiros estejam mais atentos na relação entre seus desvios cotidianos e a corrupção dos políticos, por exemplo.
"As pessoas não veem conexão entre Brasília e o dia a dia, a prática da cidadania e as negociações no âmbito político. São coisas muito distantes."
Nesse sentido, investigações e prisões seriam absorvidas pela população "como uma esponja" e moldariam suas opiniões, mas não suas ações.
Biason vê isso no aumento do número de entrevistados que respondeu "para que a coisas funcionem é preciso que todos cumpram a lei". A proporção foi de 76% em 2014 para 82% em 2016.
"O fato de alguém ser crítico não significa que não praticará o jeitinho, porque, para ele, são duas coisas desconexas."
Processo mais longo
Mudar de fato o comportamento do brasileiro perante a corrupção exige mais do que operações da Polícia Federal, diz o sociólogo Alberto Carlos Almeida, autor de "A Cabeça do Brasileiro".
Segundo ele, o costume de não seguir regras é muito arraigado no país e uma alteração, mesmo que inicial, não acontece em alguns anos. Ainda de acordo com o Ipsos, 74% dos entrevistados afirmam que já "deram um jeitinho" em algum momento da vida.
"Isso vai durar só enquanto acontece essa coisa mais midiática. (Uma transformação) não acontece em dois ou três anos por causa de uma operação. Quantas dessas já tivemos?"
Para Almeida, a sequência de investigações é até negativa, porque aumenta a descrença da população na política, para a qual não há outras alternativas. É como se estivéssemos prendendo todos os líderes do sistema sem ter um plano B.
"O melhor seria uma mudança mais lenta. Um combate à corrupção mais gradualista, com passos mais sólidos e mais difícil de retroceder (nas conquistas). Quando você acelera muito, corre o risco de voltar atrás."
Seria necessário, portanto, mudar as leis e os sistemas de controle e não apenas criar operações de combate. Uma reforma estrutural, diz Almeida, minaria as causas da corrupção.
A coordenadora da pesquisa da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai, vai na mesma linha. Para ela, as instituições deveriam tornar mais difícil a prática de atos ilícitos.
"Está todo mundo assustado com a Lava Jato, mas ela mesmo tem poucos mecanismos de investigação. A maioria dos casos é de delação, de alguém que irrompe do sistema. É preciso mudar os mecanismos institucionais."
O sociólogo pondera que a aprovação dessas medidas no Congresso depende da pressão da população e que a melhoria das educação ajuda na criação de cidadãos mais atuantes.
Os pacotes anticorrupção sugeridos por Dilma e pelo Ministério Público Federal, por exemplo, não foram para frente nas Casas.
"No fim, a educação é a chave. Pessoas mais educadas pressionam mais o sistema político", afirma Almeida.
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