Topo

Visões sobre o impeachment: 'Pode ser processo pedagógico'

Néli Pereira - Da BBC Brasil em São Paulo

30/08/2016 08h31

O impeachment da presidente Dilma Rousseff enfraquece ou fortalece a democracia brasileira? A BBC Brasil entrevistou três especialistas com visões diferentes sobre as consequências do processo, que entrou em sua reta final. Confira a opinião de Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.

Na visão do cientista político Carlos Melo, a cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff pode ser um processo pedagógico para a sociedade brasileira e uma oportunidade de rever os problemas do sistema político brasileiro, que está, segundo ele, "doente".

Para ele, o fato de o país ter passado por dois processos de impeachment em menos de 25 anos denota a fragilidade do sistema e a necessidade de uma reforma mais profunda.

"Tirar um presidente é fácil, difícil é construir a democracia. Eu acho que o impeachment é um processo pedagógico, precisamos aprender e tirar dele algumas medidas que possam depurar o nosso sistema político e depurá-lo", diz Melo.

"Fazer política com base em fisiologismos, na base do 'toma la, dá cá', é terrível, mas não foi inventado ontem, é estrutural da política brasileira, e são essas coisas que precisam mudar. Se não, você vai se contentar com a substituição um presidente por outro, que vai fazer as mesmas coisas, atuar da mesma forma e com base nos mesmos princípios que nos trouxeram até aqui."

  • Impeachment, o fim: o que você precisa saber sobre o dia de hoje
  • Dilma no Senado: Impeachment é fruto de 'chantagem explícita' de Cunha

Apesar de defender a reforma política e a discussão sobre problemas estruturais do sistema atual, o cientista político admite que essas lições não foram tiradas do impeachment de Fernando Collor, em 1992.

"No pós-impeachment, qual o próximo passo? Vamos deixar como está até o próximo presidente ser retirado? Depois do impeachment do Collor se propôs uma série de medidas e todas foram deixadas de lado: não se discutiu nosso modelo eleitoral proporcional, o financiamento de campanha, a corrupção. Tivemos um plebiscito sobre o modelo de governo e desprezamos a discussão."

'Esvaziamento' de discussão

Carlos Melo também critica a polarização do país, e atribui a ela um esvaziamento da discussão política no Brasil.

"Se tem algo que me preocupa é que a sociedade fique apenas satisfeita ou apenas insatisfeita com o impeachment. Precisamos discutir quais são as causas dos problemas do nosso sistema político e nesse sentido estamos vendo uma total despolitização."

"Ninguém sentou à mesa e pensou: como saímos dessa? Não há lideranças políticas pensando nisso, nenhuma brotou desse processo todo", acrescenta.

  • Para 87% dos brasileiros, país está no rumo errado, mas pessimismo diminui, diz pesquisa

O professor do Insper diz também não acreditar que o processo contra a presidente Dilma Rousseff possa fortalecer a lei de responsabilidade fiscal, apesar de or argumetnos centrais do processo serem as "pedaladas fiscais" e as manobras no orçamento do governo.

"Nós já estamos vendo um processo de negociação complicado com Estados e municípios. A Dilma cai pretensamente por um processo de responsabilidade fiscal, mas a discussão que se faz hoje do endividamento do governo, do teto dos gastos do Estado brasileiro, não nos permite dizer que estamos caminhando para a solidificação da lei de responsabilidade fiscal."

Carlos Melo defende ainda que não é possível dizer que o processo de impeachment demonstre um fortalecimento das instituições brasileiras.

"Temos que cuidar com clichês - tivemos um impeachment e as instituições são fortes? Não. Se as instituições funcionam efetivamente, você sequer chega a uma situação de impeachment, porque você tem uma possiblidade de evitar um desgaste dessa natureza."