PM tem prisão decretada após criticar corporação em comentário no Facebook
Um policial militar do Rio Grande do Norte teve decretada prisão de 15 dias após escrever um comentário crítico à corporação em uma postagem no Facebook.
Soldado há 8 anos, João Maria Figueiredo da Silva foi punido por "publicar em rede social" palavras "que desrespeitam e ofendem a instituição e seus integrantes, além de promover o descrédito do bom andamento do serviço ostensivo da Polícia Militar", segundo decisão publicada em Boletim Geral da PM potiguar na última quarta-feira (21).
Na postagem do Facebook, Figueiredo escreveu: "Esse estado policialesco não serve nem ao povo e muito menos aos policiais que também compõe uma parcela significativa de vítimas do atual contrato social brasileiro. Temos uma polícia que se assemelha a jagunços, reflexo de uma sociedade hipócrita, imbecil e desonesta."
"Repito: o modelo de polícia ostensiva baseado nos moldes militares é uma aberração para o estado democrático e de direito, a começar pelo exercício da cidadania nesse ambiente onde a importância do subordinado se resume apenas a um elemento de execução", prosseguiu o soldado.
À BBC Brasil, o policial, estudante de Direito e conhecido por defender publicamente a desmilitarização da polícia, classificou a pena como "injusta" e "censora". A corporação, entretanto, argumenta que a decisão é legítima e respeitou o amplo direito de defesa.
"Eu estava fazendo um comentário em uma discussão acadêmica", disse Figueiredo. "Meu comentário trazia a visão de alguém de dentro da corporação. O discurso do 'bandido bom é bandido morto' tem aflorado cada vez mais dentro das corporações e quem pensa diferente, como eu, acaba sendo um ponto fora da curva e sofrendo sanções."
O texto foi publicado na página da plataforma Mudamos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. A postagem original discutia a criação de ouvidorias externas na PM para controle e garantia de direitos dos policiais —lançada em outubro de 2015, a plataforma discute problemas e soluções para problemas de interesse público.
Investigação
À BBC Brasil, a Polícia Militar do Rio Grande do Norte confirmou, em nota, o pedido de prisão, argumentando que "sempre prezará pela ética e impõe aos seus membros uma conduta profissional ilibada, com rigorosa observância das leis".
A decisão foi publicada na última quarta-feira —e a efetivação da prisão, segundo as normas da corporação, pode acontecer a qualquer momento.
A Polícia Militar disse à reportagem que "lamenta quando policiais militares são acusados de envolvimento em atos que vão de encontro aos regulamentos e normas que regem nossa Instituição".
Na decisão pela prisão, a instituição se baseou em parágrafos do regimento interno que exigem que policiais sejam "discretos em suas atitudes e maneiras e em sua linguagem escrita e falada", "mesmo fora do serviço ou na inatividade", e zelem pelo "bom nome da Polícia Militar e de cada um dos seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer os preceitos da ética policial-militar".
Em sua peça de defesa, os advogados do policial afirmam que na "publicação não há qualquer identificação ou manifestação do paciente enquanto policial militar ou no exercício da função, aludida declaração foi dada fora do expediente e, como dito, dentro de um fórum de discussões acadêmico fechado, sem direcionamento específico a qualquer autoridade ou organização".
"A corporação se julga dona do cidadão", argumentou à BBC Brasil, por telefone, o advogado Bruno Saldanha, que defende o soldado. Ele critica a forma com que o caso foi conduzido dentro da polícia.
"Se seguisse a norma, a autoridade (policial) deveria ter levado o caso à corregedoria da Secretaria de Segurança Pública, que analisaria se há ou não justa causa. Mas a própria autoridade policial abriu a sindicância, nomeou uma pessoa para ouvir o João e ela mesmo determinou a pena, que é extremamente pesada pelo que vem se observando no meio militar", disse Saldanha, por telefone.
A PM nega que o procedimento tenha ferido qualquer regra. "Ao soldado João Maria Figueiredo, foram salvaguardados todos os direitos e prerrogativas, além de observados os princípios constitucionais da inocência e do devido processo legal."
Figueiredo também alega ser vítima de perseguição política dentro da corporação, por ser um "defensor dos direitos humanos e lutar pelos direitos básicos dos policiais e seus familiares".
"A liberdade de pensamento e de expressão é garantida pela Constituição Federal", argumenta a defesa. "A decisão pela prisão administrativa do militar tem claro viés político, haja vista a incongruência de pensamentos defendidos pelo paciente e a autoridade coatora que, infelizmente e ao que tudo indica, valeu-se de sua função para censurar e intimidar o militar no exercício de sua liberdade de expressão e acadêmica."
A corporação também comentou, em nota enviada à BBC Brasil, a crítica do soldado. "Como o policial militar alega 'perseguição política' para a decisão sobre a sanção disciplinar sofrida, e sempre buscando a lisura e imparcialidade da Polícia Militar, esperamos que o mesmo busque os meios legais para a modificação da aplicação da punição administrativa sofrida."
Jurisprudência
A decisão da corporação tem base no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado, criado em fevereiro de 1982 - seis anos antes da Constituição de 1988.
Aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal em agosto passado, um projeto de Lei pretende vedar qualquer "medida privativa e restritiva de liberdade", classificando-as como "flagrantemente inconstitucionais", e obriga os Estados a "instituírem novos códigos de ética e disciplina das duas categorias".
O projeto segue para votação em plenário, ainda sem data determinada.
O tema também é discutido localmente - caso da Paraíba, que no último dia 21 determinou, por decreto, a não aplicação das penas de detenção e prisão disciplinar em relação a PMs e bombeiros.
"A gente não pode esmorecer", disse o soldado punido à BBC Brasil. "A nossa conduta tem reflexos diretos no tratamento ao povo. Um PM que dorme em ambiente inóspito, que come mal, que é mal tratado, isso é uma bomba prestes a estourar em cima do povo, e é uma bomba."
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