Relator que anulou julgamento do Carandiru ataca críticos: 'Você é uma infeliz'
"Você é uma infeliz que não sabe o que diz"; "incauta dos ativistas do pseudodireitos humanos", "indecente é vc, ativista curioso!"
Os comentários acima foram publicados na manhã desta quinta-feira (29) pelo desembargador Ivan Sartori, que votou pela anulação da condenação e defendeu a absolvição de 74 policiais militares considerados responsáveis pelo massacre do Carandiru, em 1992, que resultou na morte de 111 presidiários pela PM.
Todas as frases foram endereçadas a pessoas que criticaram a decisão na página oficial de Sartori no Facebook, que reunia quase 6,5 mil seguidores até a publicação desta reportagem.
Para Sartori, relator do caso na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, os PMs envolvidos nas execuções, condenados pelo júri em todas as cinco etapas dos julgamentos realizados entre 2013 e 2014, agiram em "legítima defesa".
Segundo o Ministério Público, 90,4% dos mortos foram alvejados por policiais na cabeça e no pescoço. A Promotoria diz que 86% dos mortos receberam três ou mais tiros. Nenhum policial morreu.
"Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal", proclamou o desembargador, que é ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo.
As penas, que variavam entre 48 e 624 anos, de prisão, foram anuladas. Divulgada na última terça-feira, a decisão é alvo de críticas - incluindo um editorial do jornal Folha de S.Paulo, que a classificou como "inabalável inapetência" e "massacre, sim".
Filho nomeado por Alckmin
O desembargador foi procurado pela BBC Brasil para explicar os comentários endereçados aos críticos pela rede social, mas não respondeu.
Questionado, o Tribunal de Justiça afirmou que "trata-se de conta particular do desembargador por isso o Tribunal de Justiça não se manifestará."
Em sua página no Facebook, o desembargador faz propaganda eleitoral do filho, Guilherme Sartori, candidato a vereador pelo PHS.
"Sua história política também se deve ao grande trabalho realizado por seu pai, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ivan Sartori", diz a biografia de Guilherme no Facebook.
Administrador de empresas e estudante de direito, o herdeiro do desembargador tem 30 anos e foi nomeado pelo Coordenador de Juventude do Estado de São Paulo pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB).
'Pseudo-direitos humanos'
Conforme a decisão anunciada no dia 27, dois desembargadores da 4ª Câmara Criminal do TJ - Camilo Lellis e Edison Brandão - votaram pela anulação dos cinco julgamentos que condenaram os PMs. Sartori, relator do caso, foi o único a pedir a absolvição dos réus.
A "individualização dos crimes" foi o principal argumento a favor da anulação do julgamento dos PMs envolvidos no massacre. Para Sartori, não é possível saber quem disparou tiros contra quais cadáveres - portanto, segundo sua tese, todos deveriam ser inocentados.
Para a ONG de direitos humanos Conectas, a decisão é "uma afronta ao direito de reparação e responsabilização".
"O argumento de que a polícia agiu em legítima defesa não encontra respaldo nos fatos, públicos e notórios, que apontam ter havido verdadeiro massacre de presos rendidos e encurralados nas carceragens. Enquanto ao menos 111 presos desarmados foram mortos durante a ação, a maioria com tiros na cabeça e pelas costas - um claro sinal de execução - um policial apresentou ferimento, causado por estilhaços de uma TV que levou tiros dos próprios policiais", afirma a entidade.
Na página de Sartori no Facebook, um dos críticos afirmou que "queria apenas manifestar que sua decisão foi deplorável. É preciso muito mais formação sociológica, em artes e política nas faculdades de Direito e no ensino médio, sem dúvida".
Sartori reagiu: "Outro infeliz, cooptado pelos pseudodefensores dos direitos humanos. Vai ler o processo e depois dê sua opinião consciente!".
Outro seguidor afirmou: "Prende ladrão de salame faminto e libera massacre... coerente com interesses políticos... jamais com os da sociedade... escreveu seu nome na história da pior forma possível...".
Ele se refere a um episódio de junho deste ano, quando Sartori condenou um homem a 6 meses de cadeia por roubar cinco salames de um supermercado. O réu alegava fome, mas o desembargador alegou que mantê-lo em liberdade poria em "risco a incolumidade pública".
Sartori classificou a autora da crítica, em sua página, como "mais uma incauta dos ativistas do pseudodireitos humanos".
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