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Quatro cenários possíveis de uma eventual eleição indireta

24/05/2017 14h51

Após a divulgação da delação da JBS, o presidente Michel Temer passou a ser investigado por suspeita de obstrução da Justiça, corrupção passiva e organização criminosa no exercício do mandato, o que pode comprometer sua permanência no cargo. Além disso, a chapa presidencial pela qual foi eleito com Dilma Rousseff corre o risco de ser cassada no Tribunal Superior Eleitoral, por acusações de irregularidades na campanha.

Na eventualidade de Temer renunciar ou ser forçado a deixar o cargo, o cenário mais provável atualmente é o de uma eleição indireta por parte do Congresso - é o que prevê o artigo 81 da Constituição em caso de vacância da Presidência a menos de dois anos do fim do mandato. E, pela regra, essa eleição teria de acontecer 30 dias depois de o cargo de presidente ficar vago.

Mas a eleição indireta deixaria o Congresso em uma área cinzenta, já que a Constituição, ao mesmo tempo em que prevê o pleito indireto, não especifica as regras para a votação, nem o processo de escolha do candidato.

Como poderiam ficar, portanto, a escolha dos candidatos e a votação para presidente? Especialistas ouvidos pela BBC Brasil apontam quatro cenários possíveis a que o Congresso pode recorrer - todos eles com complicações diferentes provocadas pela ausência de uma lei específica para esse tipo de transição.

Os especialistas concordam, no entanto, que o processo deve, em algum momento, acabar passando pelo crivo do Judiciário, em particular o Supremo Tribunal Federal.

Cenário 1: Repetir o rito das eleições diretas

Uma das opções seria aplicar nas eleições indiretas os mesmos requisitos para escolha de candidatos previsto na chamada "regra geral" dos pleitos diretos.

Nesse caso, a Lei Eleitoral 9604 prevê que os candidatos tenham nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, filiação partidária de pelo menos seis meses, idade mínima de 35 anos e a chamada desincompatibilização - não ter ocupado cargo público há pelo menos seis meses.

No entanto, para o especialista em direito eleitoral e professor da Universidade Mackenzie Diogo Rais, a aplicação dessa lei enfrentaria problemas no caso de uma eleição indireta.

"Essa aplicação da regra geral poderia gerar problemas e poderia tirar muita gente que gostaria de se candidatar, por exemplo".

Isso porque quem atualmente está no exercício de algum mandato - prefeitos, governadores - não estaria apto porque não poderia cumprir o prazo de seis meses.

Como a regra também exige a filiação partidária, nomes do Judiciário - como magistrados e juízes - tampouco conseguiriam ser candidatos.

O especialista em Direito do Estado da Universidade de São Paulo Gustavo Bambini tambem vê limitações na aplicação das regras de eleição direta em um pleito indireto.

"(Essas regras) se aplicam às condições de um pleito comum, não de um pleito excepcional como seria esse, que precisaria ser regulamentado. É bem possível que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral estruturassem um processo eleitoral diferenciado", opina.

Cenário 2: Aplicar a regra das eleições diretas, mas com flexibilizações

Os especialistas apontam que um "caminho do meio" seria a revisão de algumas condições previstas na regra geral das eleições diretas para adaptá-las no caso de uma eleição indireta.

Nesse caso, alguns elementos precisariam ser revistos - e estruturados - por exemplo, a necessidade de filiação partidária de pelo menos seis meses, a desincompatibilização (não estar no exercício de um cargo ou mandato há seis meses) e o regulamento sobre quem poderia se candidatar.

Isso poderia ocorrer via resolução ou alteração no regimento interno do Congresso, que permitiria adotar algumas mudanças sem infringir a lei.

De acordo com o professor da PUC-Rio e doutor em Direito Constitucional José Guilherme Berman, o regimento será essencial caso esse seja o caminho escolhido pelos congressistas.

"Como a eleição é indireta, o regimento interno do Congresso vai ser muito importante. Ou o Congresso aprova uma alteração no seu regimento interno, ou alguém vai fazer uma consulta para o TSE perguntando especificamente sobre as regras aplicáveis às eleições indiretas. E aí o TSE teria que responder", afirma.

O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Supremo em Pauta Rubens Glezer concorda com essa alternativa.

"Isso poderia ser feito regimentalmente, ou com alguma uma portaria regimental do Congresso Nacional. Como isso não seria uma lei no sentido estrito, não esbarraria no artigo 16 da Constituição".

Ele se refere ao artigo que prevê que a lei que altere o processo eleitoral só entre em vigor um ano após sua promulgação, o que impediria sua utilização no pleito indireto.

Mas Berman cita alguns pontos que não podem ser alterados.

"Qualquer coisa que decorra do fator surpresa, do tempo, poderia ser flexibilizado, por causa do tempo curto de uma eleição relâmpago. É o caso dos prazos para filiação partidária e de desincompatibilização. Já critérios como a idade mínima, ter a ficha limpa e ser brasileiro nato não daria para flexibilizar. Não tem relação com tempo. A regra é clara."

Cenário 3: Criar uma nova legislação para eleições indiretas

Apesar de mais lenta, outra alternativa citada pelos especialistas poderia ser a formulação e aprovação de uma nova legislação eleitoral regulamentando pleitos indiretos.

Isso preencheria o atual vácuo da Constituição que, apesar de prever a eleição indireta, não especifica como seria o rito desta, nem a escolha de candidatos ou tipo de votação.

Nesse caso, os congressistas teriam que estruturar e definir quem poderia ser candidato, como seria realizada a votação indireta - voto aberto ou secreto - e como seria regulamentado o resultado, com maioria simples, unicameral (juntando Câmara e Senado), etc.

"O Congresso já deveria ter feito isso. A verdade é que a Constituição, desde 1988, traz essa exigência, mas isso nunca foi feito. A Constituição foi breve e apenas trouxe a autoridade competente para convocar as eleições, que no caso é Rodrigo Maia. O resto nunca foi feito", diz Diogo Rais, do Mackenzie.

Apesar de ser o caminho que melhor regulamentaria as eleições indiretas, essa alternativa esbarraria em dois problemas: a falta de tempo - já que o processo seria longo - e o artigo 16 da Constituição, que prevê que toda lei que altere o processo eleitoral só seja aplicada no ano seguinte.

"Ao fazer uma nova legislação agora para aplicar agora mesmo, teremos o problema do artigo 16. Além disso, no campo eleitoral, sempre (há o perigo) de os legisladores criarem as regras do jogo do qual eles próprios participarão. Numa situação de emergência, que é o caso de uma eleição indireta, não temos o tempo para afastar essas questões casuísticas e acabamos ficando na mão do Congresso", avalia Rais.

Cenário 4: Aplicar uma lei antiga

Apesar de não haver uma lei sobre o rito completo de uma eventual eleição indireta, existe uma lei da época da ditadura que poderia ser aplicada para resolver parte do problema.

A lei 4321, de 7 de abril de 1969, prevê um rito, mas não preenche todos os vácuos legais. Ela afirma, por exemplo, que as votações para presidente e vice seriam separadas no Congresso, o voto seria secreto e o vencedor seria eleito por maioria absoluta dos votos.

Essa lei, porém, não esclarece como seriam escolhidos os candidatos, nem as condições de elegibilidade.

Além disso, os especialistas apontam outros problemas, como o fato de essa legislação ser do período de ditadura, quando as eleições indiretas eram a regra, e não a exceção.

"A lei trata das eleições pelo Congresso, mas não traz as possibilidades específicas, como que candidatos estariam aptos a concorrer, etc. Eu vejo que o Supremo e o TSE poderiam estruturar um processo eleitoral com base nela, mas existe a discussão da compatibilidade (da legislação) com a democracia", alerta Bambini.

Fora que a legislação prevê, por exemplo, votações em cédulas de papel e outros detalhes datados, que teriam que ser adaptados.

O papel do Judiciário

Embora o Congresso possa conduzir qualquer um dos cenários acima, os especialistas apontam que é provável - e recomendado - que as decisões passem pelo Judiciário.

"Talvez o Congresso peça um parecer da Comissão de Constituição e Justiça (legislativa) para elaborar um parecer dizendo quais seriam as regras aplicáveis. O problema é que o Congresso só tem competência regimental. Não pode contrariar nada que está na lei. Então isso poderia gerar questionamentos, porque qualquer coisa que se entenda que esteja contraditória à lei será impugnado. Então uma consulta ao TSE poderia ser (a alternativa) mais segura", alerta Berman.

Para Bambini, esse seria o caminho mais confiável.

"Acho mais provável que (o rito) seja feito pelo Judiciário. Hoje em dia, o espaço onde as arenas políticas têm sido discutidas cada vez mais é no Supremo".