Topo

A luta de 200 brigadistas e poucos recursos contra incêndio sem precedentes no Cerrado brasileiro

Felipe Souza e Rafael Barifouse - Da BBC Brasil em São Paulo

24/10/2017 09h37

Em meio a uma densa nuvem de fumaça e sob um calor de 34ºC, ao menos 200 pessoas trabalham em jornadas de até 30 horas ininterruptas para combater o fogo na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Há 14 dias, a região é atingida por uma sequência de incêndios - o mais grave começou na última quarta-feira e tomou proporções históricas.

Coordenador socioambiental que atua como brigadista na região há 13 anos, José Fernando dos Santos Rebello, de 50 anos, conta que esse é o maior incêndio que já presenciou.

"É muito traumático, uma violência absurda. O fogo está transformando áreas imensas em cinzas, queimando a turfa seca de uma forma que nunca vi. É uma tragédia irreparável", diz à BBC Brasil.

Em menos de uma semana, o incêndio destruiu uma área de mais de 35 mil hectares, o equivalente a mais da metade de todo o antigo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que em junho deste ano passou de 65 mil para 240 mil hectares. O local está fechado para visitantes desde o início do fogo.

Os combatentes dizem que a impressão durante o combate às chamas é que eles estão permanentemente fumando cigarros.

"A gente respira muita fuligem, fumaça e fica sufocado. Na última noite, eu tomei oito litros de água para tentar aliviar (os efeitos da fumaça)", diz Rebello.

De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra o parque, as principais equipes de combate às chamas estão perto do Córrego dos Ingleses (perto da sede da administração) e no Jardim de Maytreia, um dos pontos turísticos mais importantes da região. O fogo atravessou a rodovia GO 239, que liga a cidade de Alto Paraíso ao vilarejo de São Jorge.

Os incêndios deste ano também causaram uma fuga de animais que vivem no parque para a região das grotas - buracos abertos pela água nas margens de rios -, além de destruir alguns imóveis e um carro. Ainda não há um balanço de quantos animais morreram nem qual será o impacto na fauna.

Nasa

Imagens de satélite coletadas no início do mês e no último final de semana pela agência espacial americana, a Nasa, retratam o impacto dos incêndios na região.

As áreas marrons representam as chamadas "cicatrizes de queimada" deixadas pelo fogo. Em verde, as áreas com vegetação. Em preto, os cursos d'água. Os incêndios ativos no momento da captura das imagens aparecem em vermelho.

A comparação entre as imagens, feitas em 6 de outubro e no último dia 22, mostra um aumento das "cicatrizes de queimada" e uma devastação mais intensa naquelas que já apareciam em marrom claro no primeiro mapa e, agora, são indicadas por marrom escuro no segundo mapa.

Os incêndios levaram a agência de notícias da Nasa a destacar esse impacto em uma reportagem publicada na segunda-feira.

A Nasa ressalta que o cerrado, "do qual o parque nacional da Chapada é uma pequena porção", é a savana com a maior riqueza biológica do planeta e representa uma "área ecologicamente importante não só para o Brasil como para o mundo, com 10 mil espécies de planta - 45% delas únicas à região".

"Infelizmente, essa área vem sendo destruída sistematicamente pelo desmatamento (quase 60%), a expansão agrícola e incêndios em um ritmo quase duas vezes maior do que o da Amazônia", disse a Nasa.

Turbo sopro

Com abafadores e bombas d'água, os brigadistas fazem o que podem para evitar o avanço das chamas. Mas o maior aliado de quem está na linha de frente contra o fogo é o turbo sopro. Trata-se de um soprador ultrapotente que consegue apagar as chamas com a força do ar - o mesmo usado em alguns parques para limpar folhas.

Segundo os brigadistas, a eficiência do equipamento é equivalente ao trabalho de cerca de dez pessoas com abafadores. O problema é seu preço: R$ 2,3 mil cada.

Nas redes sociais, os pedidos de ajuda para comprar novos equipamentos, alimentação para os combatentes e combustível para os veículos estão concentrados na página Rede contra fogo - Chapada dos Veadeiros. Além de contribuição financeira, o grupo pede remédios e equipamentos para ajudar no tratamento dos animais que são encontrados feridos.

No último aviso, eles pediam lençóis, gaiolas para transportar animais, pomadas e analgésicos.

A voluntária Isabel Benedetti Figueiredo, de 37 anos, pediu para sair de férias para poder ajudar na coordenação logística dos combatentes.

Entre os brigadistas, há funcionários do Ibama, do próprio parque, do Corpo de Bombeiros, do Grupos ambientalista do Torto (GAT), além de voluntários independentes. Eles contam ainda com a ajuda de quatro aviões, quatro caminhões-pipa e três helicópteros.

Cada lançamento feito pelo avião chamado air tractor despeja 3 mil litros de água. Nos últimos dias, um riacho da região chegou a secar devido à grande retirada de água usada para combater as chamas.

Desde o início da medição histórica feita desde 1998 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 2017 bateu o recorde de queimadas.

De janeiro para cá, o instituto identificou 234 mil focos de incêndio contra 154 mil registrados no último ano - um aumento de 52%.