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Como Putin virou Putin: De burocrata da KGB a homem mais poderoso da Rússia

Vladimir Putin, presidente russo - Alexey Druzhinin/AFP
Vladimir Putin, presidente russo Imagem: Alexey Druzhinin/AFP

Eva Ontiveros - Da BBC World Service

17/03/2018 13h44

"Sem Putin, não existe Rússia." Essa é a visão de um chefe de gabinete do Kremlin, mas reflete a visão de milhões de russos que votarão para eleger Vladimir Putin como presidente -sua quarta vez no posto- neste domingo, 18.

Putin parece ter convencido o país de que ele é indispensável e insubstituível. Ele foi de primeiro ministro (1999), para presidente (2000-2008), para primeiro ministro (2008-2012) e de novo para presidente (2012), cargo no qual ele continua até hoje graças a uma emenda à Constituição, criada por ele mesmo, que ampliou o período da Presidência de 4 para 6 anos.

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Agora Putin deve ser reeleito para presidente novamente, segundo as previsões eleitorais. Será seu quarto mandato, no qual ele deve ficar até 2024.

Mas afinal, como um agente da KGB desconhecido acabou se tornando o homem mais poderoso do país?

Quais são os momentos chave que moldaram sua carreira política?

"Moscou está em silêncio"

Os últimos momentos da Guerra Fria foram o período de formação de Vladimir Putin.

A queda do Muro de Berlim, em 1989, o atropelou quando ele estava trabalhando em Dresden, na Alemanha Oriental.

As mudanças deixaram nele duas fortes marcas: um grande medo de levantes populares e um desgosto pelo vácuo de poder que surgiu em Moscou com o consequente colapso da União Soviética.

O próprio presidente descreveu como ele pediu ajuda quando a central de operações da KGB em Dresden foi cercada pela multidão em dezembro de 1989.

Ele ligou para o Exército Vermelho para pedir proteção, mas Moscou - sob o comando de Mikhail Gorbachev - não respondeu.

Putin, então, tomou a decisão por conta própria de destruir relatórios incriminadores.

"Eu pessoalmente queimei uma grande quantidade de material", lembrou Putin em uma entrevista. "Queimamos tanta coisa que o forno explodiu."

De acordo com o biógrafo alemão de Putin, Boris Reitschuster, "teríamos um Putin muito diferente e uma Rússia muito diferente se não fosse o tempo que ele passou na Alemanha Oriental".

Subindo na carreira

Ao voltar para sua cidade natal, São Petersburgo, Putin se tornou, de um dia para outro, o braço direito do novo prefeito, Anatoly Sobchak.

Sobchak, de acordo com os apoiadores de Putin, era um antigo professor de Putin e teria se lembrado do aluno quando assumiu a prefeitura. Graças a essa ligação, ele obteve seu primeiro emprego na política, nos anos 1990.

Nunca ficou explicado, porém, porque um político reformista - que é creditado, junto com Gorbachev and Boris Yeltsin, pelo fim da URSS - precisaria de um agente da KGB como funcionário.

Na antiga Alemanha Oriental, Putin tinha sido parte de uma rede de pessoas que perderam seus antigos cargos, mas foram muito bem posicionados para prosperar pessoal e politicamente na nova Rússia.

Sua experiência como espião se mostrou útil no novo regime pós-Soviético. Ele cultivou antigas amizades, fez novos contatos e aprendeu a jogar pelas novas regras. Em pouco tempo se tornou vice de Sobchak.

Atraindo a atenção de Moscou

A ascensão de Putin na carreira foi sólida. Tanto que ele sobreviveu à derrocada de Sobchak, que começou a ser investigado em processo criminal por irregularidades na privatização de seu apartamento, que antes pertencia ao Estado. Sobchak acabou fugindo para Paris.

Desde o tempo que estava em Dresden, Putin vinha aprendendo como fazer conexões com as pessoas certas da elite.

Ele não apenas passou intocado pela queda de seu mentor, mas mudou para Moscou e prosperou na FSB (agência de inteligência russa sucessora da KGB). Acabou conseguindo um posto no Kremlin - a sede do governo russo.

Boris Yeltsin tinha assumido a Presidência da Rússia e estava mantendo o antigo Partido Comunista sob controle graças a uma aliança com os antigos oligarcas - que tinham muito a ganhar no período de transição.

Um dos principais apoiadores de Yeltsin, Boris Berezovsky, também era próximo de Putin, cuja habilidade de fazer conexões se mostrou útil.

O espião se tornou político em uma ascensão meteórica: em 1997 foi tornado chefe interino da administração presidencial. Em 1999, Yeltsin o escolheu para o cargo de Primeiro Ministro da Rússia.

Presidente surpresa

No fim daquele mesmo ano, Yeltsin, cujo comportamento tinha se tornado cada vez mais errático, anunciou que entregaria o cargo.

Putin, apoiado por Berezovsky e outros oligarcas, tinha se posicionado perfeitamente para se tornar o presidente interino, cargo que ele conquistaria definitivamente em uma eleição no ano seguinte.

Os oligarcas e reformistas que tinham sido apoiadores de Yeltsin pareciam felizes com o novo presidente: um homem discreto, retirado das sombras, promissoriamente maleável. O controle deles sobre a nova Rússia parecia estar garantido.

Controle da mídia

Em menos de três meses no poder, Putin toma o controle da mídia. É um momento importante que pega de surpresa os oligarcas e a velha guarda do Kremlin.

Controlar a mídia tinha benefícios duplos para o novo presidente. Ele queria retirar adversários poderosos de seus postos de influência e tomar o controle da narrativa dos relatos sobre a guerra da Chechênia e os ataques terroristas em Moscou, além de inflar a popularidade do presidente com a projeção de uma imagem lisonjeira da Rússia e de seu líder.

O primeiro veículo de imprensa a ser dominado por Putin foi o até então independente canal de notícias NTV, que tinha audiência de mais de 100 milhões de pessoas e alcançava 70% do país no ano 2000.

O controle do governo sobre a mídia se intensificou rapidamente. Russos que vivem no interior do país só assistem ao que Putin quer que eles vejam.

Hoje há cerca de 3 mil canais de TV na Rússia, a maioria simplesmente ignora o noticiário. Nos que reportam acontecimentos políticos, há uma vigilância estrita feita pelo governo.

Jornalismo independente é tentado por alguns poucos, mas marginalizado, tirado do ar ou empurrado para a internet. É o caso da TV Rain/Dozhd.

Remoção de dissidentes

Putin conhecia de perto o controle que os magnatas dos negócios exerciam sobre Boris Yeltsin, então decidiu controlá-los antes que eles o controlassem.

Oligarcas como Berezovsky e Mikhail Khodorkovsky foram removidos sem cerimônia.

Grandes empresas e conglomerados russos gradualmente foram parar nas mãos de aliados de Putin, mudando conforme as alterações nas alianças políticas.

Putin graduamente tomou controle das 83 regiões da Russia nomeando políticos em que confiava para governador.

Em 2004, ele acabou com as eleições para governador. No seu lugar, estabeleceu uma lista de três candidatos para que legisladores escolham o governador entre eles.

Críticos acusam Putin de um ataque à democracia, mas a estratégia dá certo para ele.

As eleições regionais rapidamente retornaram em 2012, depois de uma onda de protestos pedindo democracia, mas no ano seguinte Putin reestabeleceu seu controle direto nas províncias com a criação de uma nova legislação restritiva.

Flirting with liberalism, in name only

Entre 2011 e 2013, estourou pelo país uma série de protestos pedindo eleições limpas e reformas democráticas, as maiores que a Rússia viu desde os anos 1990.

No contexto dos diversos protestos nos países vizinhos e com a Primavera Árabe, Putin começou a ver a opinião pública se inclinando fortemente a favor de mudanças.

Ele assistiu com preocupação a derrocada de líderes autoritários em outros países, trazendo de voltas as más lembranças de 1989.

Putin via esses movimentos populares como uma porta de acesso para governos ocidentais se instalarem no quintal da Rússia.

Além disso, depois dos protestos há terra fértil para um avanço islâmico nos países vizinhos à Rússia no norte do Cáucaso.

Putin não permitiria esse tipo de situação e como forma de auto-proteção fez uma aparente mudança de estilo.

Ele começou um curto período de experimentação com uma política um pouco mais liberal - passou a defender a descentralização de poder e dizer que as regiões da Rússia deveriam ter mais poder sobre sua propria economia. Ele colocava a palavra "reforma" em praticamente todos os discursos que fazia.

A jogada foi rápida e durou pouco - assim que a ameaça passou, ele abandonou a estratégia.

Minha Rússia é sua Rússia

Até então Putin tinha sido um bom administrador de recursos, mas precisava de um idelogia para embalar seus planos.

Ele queria criar uma imagem grandiosa da Rússia, inflada com nacionalismo e poderio militar. Começou com uma promoção da história oficial da Segunda Guerra Mundial. Depois passou a promover a identidade de uma Rússia durona e muscular, com um líder com as mesmas características, que poderia unir todos os russos e não ceder à pressão internacional.

Putin passou a confrontar governos ocidentais expressando sua simpatia por movimentos de extrema direita e políticos como a francesa Marie Le Pen e o americano Donald Trump.

Domesticamente, o controle da mídia se tornou muito útil, espalhando a mensagem de que o ocidente mentia e que a Otan (aliança militar de países como França, Inglaterra e EUA) estava à porta.

Putin pinta uma imagem de si mesmo como um homem forte, um militar linha-dura, e tempera seus discursos com um papo de caserna.

O tom de suas políticas públicas também se tornou mais conservador. Ele se aproximou da Igreja Ortodoxa e faz uma oposição dura ao movimento LGBT e a qualquer tipo de dissidência mais liberal.

Críticas não são toleradas: ir contra o governo é ir contra a pátria, e Putin quer passar a imagem de que não será mole com quem quer "deliberadamente enfraquecer a nação".

A prisão e julgamento de duas integrantes do grupo Pussy Riot vira notícia internacional em 2012, mas é apenas um caso entre muitos que acontecem pelo país todo.

A invasão da Criméia

Um vácuo de poder na Ucrânia em 2014 dá a Putin uma janela de oportunidade.

A tomada relâmpago da Criméia em fevereiro daquele ano foi a maior vitória de Putin até então - e um golpe humilhante contra seus opositores.

A Rússia mostrou seu poderio militar tomando um país vizinho enquanto o mundo assistia sem poder fazer nada.

Putin entende que a Rússia sozinha não é tão forte internacionalmente como foi na época da URSS. Mas também percebe que o país não precisa ser uma superpotência de fato, como era durante a Guerra Fria, para conseguir impor suas vontades.

A posição do país é forte o suficiente para ser uma pedra no sapato do ocidente e da Otan.

A exploração do conflito sírio

Putin sabe que falta coesão e uma linha unificada de ação para o ocidente quando se trata de política internacional, e usa essa fraqueza em seu benefício.

Com a intervenção do país na Guerra da Síria, em apoio às forças do ditador Bashar al-Assad, Putin rouba o protagonismo no conflito.

Seu envolvimento na região tem uma série de vantagens para ele: garante que ninguém tenha um controle total do território que é vital para a estabilidade do Oriente Médio, lhe dá a chance de testar novas armas e táticas militares e manda uma mensagem para os aliados de que a Rússia não abandona velhos amigos.

Justificando a repressão

Para milhões de russos, o governo de Putin foi a única instituição estável que eles conheceram na vida.

A estratégia do presidente de combinar intervenção internacional com repressão doméstica da oposição o ajudou a consolidar uma narrativa do ocidente como um inimigo e de Putin como a única pessoa capaz de defender os interesses da pátria.

Putin se coloca como um líder nacional que cuida dos russos e age sem hesitação contra o inimigo. E ele usa essa imagem para implementar uma legislação "patriótica".

Isso pode significar, por exemplo, banir importação de comida e produtos agrícolas de países que têm sanções contra a Rússia, o que ele fez em agosto de 2014.

Também pode ser intervir em países vizinhos. Mas, na maior parte do tempo, significa uma repressão interna muito forte e permitir apenas uma "versão limitada" da democracia.

Com a roupagem vendida pelo governo, muitas pessoas não veem isso como um problema, mas como uma necessidade - um preço a ser pago por estabilidade e grandeza. Uma democracia manca é um mal menor, porque a alternativa é completamente descartável.

Um novo czar para a Rússia?

Não há duvidas de que Vladimir Putin é o favorito para vencer as eleições neste fim de semana e garantir seu quarto mandato como presidente.

A grande questão é o que acontecerá em 2024, quando o mandato acabar.

Ele estará com pouco mais de 70 anos e é improvável que esteja planejando uma aposentadoria tranquila.

Durante seu tempo no poder, Putin teve sucesso em ressuscitar a velha ideia de um "Unificador de Terras Russas", conceito feudal usado para justificar a política de expansão territorial russa.

Alguns estudiosos do país, como Arkady Ostrovsky, acreditam que a ideia também pode abrir caminho para a criação de czar moderno - um único líder russo acima de todos os partidos.

O fato de que Putin está concorrendo como um candidato independente nessas eleições pode ser um indício de que essa ideia procede.

Ninguém sabe ainda quais seus planos para depois de 2024, ou por quanto tempo ele conseguirá manter o poder.

Jovens russos não consomem apenas propaganda pró-Putin - a maioria dos jovens entre 15 e 25 anos se informam por redes sociais, relativamente menos censuradas, e o resultado disso é que seu comportamento se provou díficil de antecipar nos últimos tempos. Ninguém pode prever o futuro, mas Vladimir Putin pode se preparar para ele.