As muitas dúvidas sobre o futuro de Cuba após os irmãos Castro
O barco mal era navegável e estava cheio de homens e equipamento. Durante sete dias e noites, a tripulação enfrentou ondas traiçoeiras, mas a embarcação começava a se encher de água.
Quase todos os homens a bordo passavam mal - tinham náuseas ou estavam fracos de fome ou sede.
Chegando com dois dias de atraso e ainda a quilômetros do ponto de encontro combinado, o barco ainda encalhou em uma espessa lama.
Tempos depois, Che Guevara diria que o suposto retorno triunfante da força revolucionária de Fidel Castro a solo cubano em dezembro de 1956 "não foi uma chegada, foi um naufrágio".
No final das contas, 82 homens saíram do navio Granma, enlameados e desanimados. E a coisa ficou ainda pior. Nos pés da Sierra Maestra, eles foram emboscados pelo Exército cubano e reduzidos a um punhado de guerrilheiros, entre eles Fidel Castro e seu irmão Raúl.
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Mas depois as coisas começaram a mudar, e, dois anos depois da chegada do navio, eles derrubaram o regime militar de Fulgêncio Batista. Ao enfrentar 40 mil homens com armamentos muito superiores, eles se tornaram a guerrilha mais bem-sucedida do século 20.
O mais impressionante, no entanto, é que tenham continuado no poder até hoje.
Juntos, os irmãos Castro passaram quase 60 anos como líderes da ilha. A marca que deixaram no país, transformado num Estado comunista de apenas um partido, é impossível de apagar.
No entanto, uma virada se aproxima. Depois da morte de Fidel Castro, no fim de 2016, será a vez de Raúl Castro deixar a Presidência do país. Cuba será governada por outra pessoa, que não um dos irmãos, pela primeira vez desde 1959.
Mas, depois de seis décadas, como é o país que eles passarão adiante?
Birán, a cidade da família Castro
Um ano após a morte de Fidel, morreria seu meio-irmão, Martín Castro, o mais velho, na mesma cidade em que eles nasceram, Birán.
Apesar de terem o mesmo pai e de terem brincado juntos quando crianças, suas vidas eram muito diferentes.
Fidel se tornou o fundador da Revolução Cubana, com Raúl a seu lado. Martín nunca saiu de casa.
Apesar de terem o mesmo pai e de terem brincado juntos quando crianças, suas vidas eram muito diferentes.
Fidel se tornou o fundador da Revolução Cubana, com Raúl a seu lado. Martín nunca saiu de casa.
Após a revolução, em 1959, Fidel ofereceu a Martín a oportunidade de se mudar para Havana e trabalhar para o governo, mas ele a rejeitou.
Martín dizia se sentir mais feliz entre seus animais e as plantações de cana-de-açúcar em sua cidade natal.
"Volta e meia me pergunto o que teria acontecido se papai tivesse se juntado a Fidel, mas ele nunca quis", diz sua filha Josefa Beatriz.
"Meu pai nunca estudou, mas era tão inteligente quanto eles", relembra, passando a mão sobre sua fotografia. A semelhança de Martín com os irmãos, especialmente Raúl, é impressionante.
A casa dos Castro, Finca Las Manacas, agora é um museu que serve de monumento às raízes rurais de Fidel e Raúl. O historiador da cidade, Antonio López, me guia pela propriedade.
Segundo ele, Birán foi erguida pela família Castro. O pai de Fidel, Ángel Castro, chegou a Cuba nos anos 1890 da Galícia, na Espanha, recrutado pelo Exército espanhol para defender o território durante a Guerra Hispano-Americana.
Quando voltou para a ilha, logo após sua independência em 1898, foi trabalhar nas minas e, em seguida, nas plantações de cana-de-açúcar da gigante americana United Fruit Company.
No início dos anos 1910, ele já havia comprado um terreno próximo a Camino Real, uma estrada lamacenta entre Santiago de Cuba e a Baía Nipe, na costa nordeste do país.
Pouco a pouco, a fazenda se transformou num feudo típico da época: uma escola, um armazém, uma madeireira, um bar, um ferreiro e cabanas rústicas para trabalhadores haitianos.
Antonio me mostra a pequena sala de aula que Fidel frequentou antes de ser mandado para estudar com padres jesuítas em Santiago e em Havana.
Uma guia passa e repete a história oficial para os turistas, sobre como a pobreza dos cortadores de cana haitianos causou uma impressão duradoura em Fidel e em Raúl.
"Fidel disse uma vez que ficava feliz de ser o filho, e não o neto, de um dono de terras, já que ainda não havia ali uma cultura de privilégio", afirma Antonio.
Ángel não viveria para ver seus filhos se tornarem os homens mais poderosos da ilha. Ele morreu em 1956 e está enterrado junto com a mãe de Fidel e Raúl, Lina, em Finca Las Manacas.
Mas para um dos filhos, a vida nunca mudou muito. Tomando um café em sua sala, Josefa Beatriz explica que seu pai, Martín Castro, deixou um terreno para os filhos, algumas cabeças de gado e a casa pequena, mas aconchegante, onde estamos.
Birán continua sendo um vilarejo tranquilo. Homens se reúnem na praça ao lado do mercado estatal, tomando rum depois de uma manhã no campo ou comprando sanduíches de presunto baratos na cafeteria, também subsidiada pelo governo.
A casa rudimentar de concreto de Martín, com uma pequena varanda na frente, era parte de um plano de Fidel para construir 400 casas para trabalhadores locais, que seriam bem diferentes das cabanas de madeira nas terras de seu pai.
Mas, no fim, só 218 das 400 foram terminadas.
Saúde e educação em Santiago
Na balsa para a pequena ilha de Cayo Granma, em Santiago de Cuba, o convés está cheio de caixas de coxas de frango congeladas vindas do Brasil, uma motocicleta está apoiada nas grades do barco e, nos bancos internos, um grupo de crianças estão gargalhando e gritando umas com as outras.
Poucos turistas se aventuram no pequeno vilarejo de pescadores, mas os moradores parecem preferir assim.
"Vão ter que pôr fogo em mim antes de me tirar dessa ilha", brinca Rosa Caridad Valverde, que viveu aqui durante toda a vida. "E quando apagarem o fogo, eu nado de volta para Cayo!"
Com quase 80 anos, ela sofre de pressão alta e veio até um posto de saúde ver sua médica e pegar uma receita para seus remédios.
Ela espera pela doutora Clara Luaces, que atende os pacientes no consultório impecavelmente limpo.
"Considerando o quanto essa ilha é afastada da cidade, temos todo o equipamento básico para tratar as pessoas", diz a médica, uma mulher de seus 50 anos que se orgulha de viver na própria comunidade. Ela diz que isso é parte do conceito de saúde primária em Cuba.
"Há 651 moradores aqui", diz, apontando para as casas de madeira e estanho que sobem o morro em direção à igreja.
"Há uma pista de helicóptero para levarmos os casos de emergência ou as mulheres grávidas para o continente, mas já salvamos muitas vidas aqui mesmo", afirma.
Rosa Caridad, por sua vez, se diz agradecida pelo atendimento. "A melhor coisa para um país não é ter comida ou roupas, é saúde e educação. E temos ambos de graça", afirma.
Estes são os dois pilares da Revolução Cubana, e são as façanhas que se tornaram sinônimos de Cuba sob o governo dos Castro.
Aliás, sugerir que haja problemas em qualquer um deles - por exemplo, que precisam de mais investimento e modernização - chega a soar como blasfêmia para alguns funcionários do governo em Cuba.
Ao ser perguntada sobre o que gostaria de ver no próximo governo, Clara diz apenas que a burocracia continua a ser um problema em Cuba e que não é fácil viver com um salário de cerca de US$ 35 (R$ ) por mês. E se autocorrige rapidamente: "Mas o meu salário aumentou mais do que o da maioria das pessoas nos últimos anos".
Além disso, ela diz, o embargo econômico dos Estados Unidos deve ser revogado. A frase é repetida com frequência em toda a ilha. O embargo - ou bloqueio, como os cubanos o chamam - impede, há 58 anos, a chegada de medicamentos, sementes e outros suprimentos. E é considerado culpado pela estagnação econômica do país.
Mas também há desafios próprios do país. Fora dos microfones, médicos e enfermeiras dizem que os índices de infecção nos hospitais se tornaram um problema sério.
E apesar de o tratamento continuar sendo gratuito, os cuidados com os doentes são responsabilidade das famílias, que precisam fornecer lençóis, travesseiros e às vezes até as refeições e antibióticos de que os pacientes precisam enquanto estão internados.
Mesmo assim, diz Clara, no resto da América Latina muito poucos países podem contar com o mesmo tipo de atenção que os médicos cubanos fornecem. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) elogia frequentemente o país, especialmente quando se trata da luta contra doenças infecciosas.
De volta à ilha principal, vou ao local onde tudo começou, o Quartel de Moncada. No dia 26 de julho de 1953, Fidel e Raúl lideraram um levante em Santiago contra o regime de Batista atacando o quartel.
A tentativa de golpe foi derrotada e, em questão de horas, os rebeldes presos estavam sendo torturados. Os irmãos Castro, no entanto, tiveram a sorte de não estar entre eles.
Quando tomaram o poder, o quartel foi transformado em uma escola. Hoje, o local abriga diversas escolas e um museu sobre o levante.
E educação é outro motivo de orgulho no país. Cuba acabou com o analfabetismo nas regiões rurais no início dos anos 1960 e seu comprometimento com ensino superior e pesquisa científica são reconhecidos internacionalmente.
No início do século 21, um estudo sobre a América Latina e o Caribe feito pelo Banco Mundial mostrou que a ilha ficava em primeiro lugar nas notas de alunos em matemática e ciências, tanto para meninos quanto para meninas.
O relatório também dizia que as escolas cubanas são "equivalentes" às escolas de muitos países da OCDE, grupo que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo.
Hoje, no entanto, os recursos estão mais escassos, o orçamento é insuficiente e dados oficiais sugerem que há falta de professores na ilha.
Milhares de professores estão ausentes ou teriam abandonado a profissão para trabalhar no setor privado, onde podem ganhar mais em um dia alugando quartos para turistas ou dando aulas particulares do que em um mês numa escola do Estado.
Agricultura à moda antiga em Sierra Maestra
Don Manolo trabalhou na lavoura até que seus joelhos não aguentassem mais. Quando isso aconteceu, ele tinha 90 anos. Trabalhou no plantio de café nas montanhas de Sierra Maestra durante toda a vida, mas dois anos atrás, teve que devolver a escritura do terreno para o Estado em troca de uma aposentadoria.
"Chegamos aqui como invasores, sem a posse das terras", relembra, enquanto suas mãos retorcidas seguram uma bengala.
Antes da revolução, Manolo dava um terço de sua colheita ao dono das terras. Um dia, um grupo de homens barbudos apareceu diante dele e prometeu que, em breve, ele e outros agricultores seriam donos das próprias terras.
"Muitos de nós queriam lutar, mas Fidel disse que nem todos os camponeses podiam se juntar ao Exército rebelde, já que precisávamos produzir alimento para eles."
Ele tinha 33 anos, a mesma idade de Fidel, e os dois se encontrariam novamente alguns meses depois, quando o líder da revolução voltou ao local para distribuir as escrituras prometidas.
Com as reformas do novo governo, os lotes de terra a partir de certo tamanho foram foi confiscados e redistribuídos como lotes menores aos camponeses, ou se transformaram em comunas administradas pelo Estado.
Todos os maiores latifundiários - desde as famílias ricas da ilha até as multinacionais estrangeiras como a Coca-Cola e a United Fruit Company - tiveram suas terras nacionalizadas.
Plantações de cana-de-açúcar também não podiam mais ser propriedade de estrangeiros, uma das primeiras decisões que opôs o regime cubano a Washington.
Fidel Castro teria até mesmo confiscado parte da fazenda de sua família em Finca Las Manacas, o que teria enfurecido sua mãe.
No sopé de Sierra Maestra, o microclima é perfeito para plantar café. Em uma área chamada de "Polo Norte" vive Lérido Medina, outro dos que receberam escrituras após a Revolução. Mas ele já não tem os papéis, porque os doou para um museu em Havana.
Aos 92 anos, ele explica que agora sua mulher, Aida, e seu filho fazem o trabalho manual na fazenda.
"A parte mais difícil foi derrubar a floresta para plantar. Não há mecanização nenhuma, é tudo feito à mão, com picareta, facão e força bruta", diz.
Toda a produção da família é vendida para o Estado - não é permitido vender café no mercado aberto.
A maioria dos fazendeiros como Lérido veem a lei de reforma agrária como a base de sua autonomia, mas críticos dizem que ela os amarrou para sempre ao Estado.
Durante a presidência de Raúl, as leis foram relaxadas e os fazendeiros de café no "Polo Norte" se juntaram para criar uma cooperativa.
Ela ainda está longe de ser uma iniciativa privada, mas permitiu que eles juntassem seus recursos e conseguissem mais poder de barganha coletivamente, explica o filho de Lérido, Eziquiel.
Mas seja nas plantações de café, de cana-de-açúcar ou de tabaco, quase todos os que trabalham na agricultura parecem concordar com as limitações da tecnologia. A maior parte do equipamento usado na ilha é do século 19 - bois e arados, cavalos e carroças, facões.
"Nas planícies dá para usar tratores, mas aqui não. A vida é difícil para os camponeses, mas alguém precisa fazer esse trabalho", diz Lérido.
Apesar das mudanças implementadas por Raúl, o modelo estatal ainda é a base da agricultura cubana. Para muitos fazendeiros, o crescimento tem sido, no mínimo, lento, desde o colapso da União Soviética.
Cerca de três quartos dos alimentos necessários para a ilha são importados. No entanto, a fome foi praticamente erradicada e é muito difícil que um novo líder desfaça um dos princípios fundadores da revolução.
Dirigindo pela estrada na província de Camaguey, paramos para falar com um grupo de produtores de cana-de-açúcar, que fazem a colheita.
"Queremos produzir 40 mil toneladas esse ano", diz Osvany Iglesias, o líder do pelotão de colheita, antes de concordar com as reclamações dos outros sobre as máquinas antiquadas da União Soviética que usam.
"Essa aqui foi fabricada em 1972, essa aqui em 1975, e essa é a mais moderna, de 1994", diz, apontando para as ceifadeiras. "É complicado por causa da falta de partes para substituir as que se quebram, e essas substitutas chinesas não são de boa qualidade."
'Invasão de turistas' em Playa Girón
"Girón: A primeira derrota dos imperialistas ianques na América Latina", diz a placa na margem da estrada perto da entrada da cidade.
Para além da hipérbole revolucionária, a afirmação é verdadeira. Washington nunca perdeu uma batalha na América Latina até a mal-sucedida invasão da Baía dos Porcos, ou Playa Girón, em 1961.
Durante meses, a CIA, agência de inteligência americana, treinou exilados cubanos no sul da Flórida e em bases secretas na Guatemala para prepará-los para invadir a ilha.
No dia 15 de abril de 1961, aviões de bombardeio Douglas B-26 com bandeiras falsas atacaram aeródromos nos arredores de Havana e de Santiago. Em seguida, começou a invasão pelo mar. Cerca de 1,4 mil homens desembarcaram em Girón e em outras duas praias próximas.
Mas a empreitada foi um fiasco desde o início, com ordens erradas e contrarrevolucionários se perdendo nos emaranhados e na lama do mangue ao longo da costa.
Fidel assumiu pessoalmente o comando das Forças Armadas e, quando a mão de Washington se revelou por trás do ataque, o presidente americano John F. Kennedy desistiu de enviar apoio aéreo.
A tentativa de invasão foi derrotada, Castro obteve uma vitória crucial e o governo Kennedy, uma derrota humilhante. Tempos depois, Che Guevara mandaria um bilhete de agradecimento a Kennedy, dizendo: "A revolução estava enfraquecida. Agora, está mais forte do que nunca".
A história pode ser vista - de uma perspectiva pró-revolução, é claro - em um pequeno museu em Playa Girón. Há um punhado de sotaques americanos nos grupos de turistas. Mas talvez a versão mais correta do que ocorreu naquela semana possa ser conhecida visitando uma antiga moradora local.
Dolores Ris mora em uma casa simples com chão de cimento, que se mantém surpreendentemente fresca no calor úmido de Girón. Ela é uma das poucas moradoras atuais que já estavam ali na invasão de 1961.
Agora, aos 84 anos, ela tem histórias encantadoras e fascinantes da época. Eu a entrevistei pela primeira vez pouco antes da visita do ex-presidente americano Barack Obama a Cuba em 2016. Ela relembrou o momento do ataque de 1961 e a maneira como acordou seu marido, sussurando: "Estão atirando na praia!".
Dolores diz que estava preparada para ficar e lutar, mas seu marido acabou convencendo sua cunhada e ela a levarem as crianças e se esconderem nas colinas dos arredores. Eles tiveram que invadir uma casa abandonada para conseguir um pouco de comida.
Dessa vez, no entanto, ela fala sobre como Playa Girón mudou.
"Não tinha nada aqui antes, mas agora eu já não conheço metade das casas, porque há tantas pessoas que vieram de tantos lugares pra viver aqui."
Isso aconteceu porque o vilarejo costeiro agora é onde se ganha dinheiro. Ao chegar de carro em Girón, é possível notar o símbolo azul e branco do lado de fora das casas, que significa acomodação privada para estrangeiros.
O governo congelou a concessão de licenças para abrir negócios há quase um ano, mas a acomodação turística ainda é o jeito mais fácil de muitas famílias entrarem no setor privado e incrementarem a magra renda estatal.
Deynier Suárez, conhecido como "Jimmy", se mudou da capital cubana para Girón quando o turismo na área explodiu. Ele começou a trabalhar como chefe de cozinha em um hotel estatal perto da praia, mas passou para o setor privado quando uma das "casas particulares" mais bem-sucedidas da cidade procurava um gerente.
"Os negócios estão bem esse ano, mas um pouco menos do que nos dois anos anteriores", diz. Para ele, a queda no número de turistas ocorreu por dois fatores. Um deles é o furacão Irma, que devastou partes da costa nordeste da ilha.
O resto da costa ficou intocado, mas Jimmy acha que as imagens da tempestade na TV afastaram os turistas.
O outro fator, segundo ele, é o presidente americano Donald Trump, que impôs regras mais rígidas para viagens ao país, após o estreitamento dos laços durante a administração Obama.
"Muito poucos americanos estão vindo, mal dá pra notá-los. Esperamos que os europeus continuem vindo. Ainda não estamos preocupados, mas ajudaria se Trump mudasse de ideia."
Duas décadas atrás, Fidel considerava turistas estrangeiros um mal necessário, uma maneira útil de fazer com que a moeda estrangeira entrasse no país.
Hoje em dia, no entanto, o turismo é considerado a solução para o futuro econômico da ilha, e o governo espera ainda mais visitantes nos próximos anos.
Os sinais de uma nova desigualdade econômica na ilha são notáveis - indicam um desafio que o novo presidente terá de enfrentar. Há uma desconexão entre os cubanos que ganham o "peso conversível", moeda usada pela maioria dos estrangeiros, e os que ganham em pesos cubanos, a verdadeira moeda local.
Alguns dos que trabalham nas empresas turísticas administradas pelo Estado mal podem esperar para abrir seus próprios negócios. Lojas de mergulho privadas, por exemplo, ainda são proibidas segundo as leis do país.
"Muitos de nós querem ir para o setor privado, mas as coisas ainda vão continuar assim por algum tempo", diz Rey, um instrutor de mergulho. "Esse modelo é bom para o Estado."
A encruzilhada cubana
Enquanto Raúl se preparava para deixar o governo, Cuba realizava uma eleição. Em todo o país, as pessoas foram às urnas para escolher os membros da Assembleia Nacional que, no dia 19 de abril, decidirá quem será o próximo presidente.
A maioria das pessoas acredita que o escolhido será o atual vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, retratado ora como modernizador e ora como adepto da linha dura do partido comunista cubano.
Mas, na realidade, as cédulas em que os cubanos votaram tinham exatamente o mesmo número de candidatos que as cadeiras do parlamento: 605. E por causa do sistema de partido único, não havia escolhas de nenhuma outra matiz política.
No ano passado, alguns dissidentes e opositores do regime tentaram concorrer a governos municipais, incluindo membros do grupo chamado Otro 18. Eles dizem ter sido impedidos de registrar suas candidaturas com técnicas repressoras da polícia e de oficiais de segurança do Estado.
Em 2014, quando Raúl Castro falou ao Parlamento dias depois do reestabelecimento das ligações diplomáticas com os EUA, havia expectativa no ar.
Mas ele afirmou que "não devemos esperar que, para que a relação com os Estados Unidos melhore, Cuba renuncie às ideias pelas quais lutamos por mais de um século e pelas quais nosso povo derramou tanto sangue e correu tantos riscos".
A mensagem era clara - continuidade política. Não haveria, de repente, um sistema pluripartidário ou no qual a dissidência fosse tolerada.
Uma década atrás, o Estado lidava com opositores e dissidentes condenando-os a longas penas. Hoje, esta estratégia praticamente deixou de ser usada.
Em seu lugar, entrou um sistema de controle no qual críticos e jornalistas independentes são frequentemente presos por curtos períodos, por razões arbitrárias. De sua parte, o governo cubano acusa estes críticos de serem "mercenários" pagos por grupos de Washington e de Miami.
Tanto na Flórida quanto em Cuba, houve quem se opusesse à aproximação entre os dois países, inimigos históricos.
"Eu vim para enterrar os resquícios da Guerra Fria nas Américas", disse o presidente Barack Obama durante a visita histórica. Ele falou de famílias separadas por décadas de hostilidade, mas agora reunidas em um espírito renovado de amizade.
Fidel, por sua vez, escreveu um editorial alertando contra as "palavras açucaradas" de Obama e pedindo que os revolucionários não baixassem a guarda. Alguns revolucionários linha dura concordaram com ele e quiseram combater o pró-americanismo crescente na ilha.
Foi então que os EUA elegeram Donald Trump.
Nas horas seguintes ao falecimento de Fidel, o novo presidente americano foi para o Twitter comentar a morte de, segundo ele, "um ditador brutal, cujo legado é de pelotões de fuzilamento, sofrimento inimaginável, pobreza e negação de direitos humanos fundamentais".
Isso abriu espaço para o retorno da hostilidade entre os países. E é este, ainda, o cenário atual.
O relacionamento foi ainda mais complicado por um episódio que parecia saído de um romance de espionagem. Mais de 20 diplomatas americanos em Havana começaram a sofrer problemas de saúde inexplicáveis, desde perda de audição a náuseas e leves concussões.
O Departamento de Estado dos EUA afirmou que os funcionários de sua embaixada foram vítimas de "ataques à saúde" e culpou o governo cubano por não proteger os diplomatas, mesmo que não tenha necessariamente realizado os ataques.
Havana negou ter conhecimento dos incidentes e afirmou que o episódio era uma mistura de histeria em massa com uma versão criada para encobrir a verdadeira intenção de Washington - que seria voltar ao relacionamento hostil com a ilha. Depois disso, os EUA reduziram ao mínimo o número de funcionários em Havana.
Mas será que isso importa para cubanos como Lérido, o produtor de café de 92 anos, ou Rey, o instrutor de mergulho que quer abrir o próprio negócio?
Provavelmente muito pouco. Os revolucionários mais comprometidos insistem que tudo ficará bem e que a Revolução Cubana continuará como antes.
O novo governo da ilha dificilmente ousará modificar os pilares da revolução, especialmente a educação e saúde gratuitas e o subsídio a pequenas propriedades rurais.
Mas se você perguntar a alguém onde Cuba conseguirá dinheiro para manter essas políticas - já que seu maior aliado socialista, a Venezuela, está em uma grave crise econômica e o lucro da ilha com exportações está baixo - vai receber como resposta um sorriso e um dar de ombros.
Poucos conseguem explicar como o país enfrentará os desafios econômicos e sociais que estão por vir.
"Já passamos por coisas piores. O colapso da União Soviética e o 'Período Especial'", me disse um membro do partido, referindo-se às dificuldades econômicas enfrentadas por Cuba nos anos 1990.
"Se sobrevivemos àquilo, conseguiremos sobreviver a qualquer coisa."
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