Topo

Como a crise da Venezuela influencia as campanhas presidenciais na Colômbia, no México e no Brasil

20/05/2018 07h12

A crise severa que a Venezuela está sofrendo extrapola suas fronteiras.

E não apenas porque há uma crise migratória. O colapso econômico do país e suas consequências sociais se tornaram argumentos para atacar a administração chavista - iniciada por Hugo Chávez há 20 anos e continuada por Nicolás Maduro - e tornaram a Venezuela um tópico de discussão em um ano de várias eleições presidenciais na América Latina.

A situação venezuelana influencia tanto a discussão sobre modelos políticos quanto as campanhas presidenciais na Colômbia, no México e no Brasil.

A sombra do "castrochavismo" na Colômbia

A Colômbia é, sem dúvida, o país mais efetado pela crise na Venezuela. O país já recebeu mais de 750 mil migrantes venezuelanos tentando escapar da crise, segundo Christian Kruger Sarmiento, diretor do departamento de migração do Ministério das Relações Exteriores da Colômbia.

Esse novo fluxo de estrangeiros, inédito para um país que durante décadas viu sua própria população migrar para outras nações, é um dos principais assuntos da campanha eleitoral colombiana.

O tema tem sido recorrente antes do primeiro turno, que deve ser realizado no dia 27 de maio. Tanto que até foram realizados debates entre os candidatos exclusivamente para tratar da questão da crise venezuelana e dos seus efeitos no território colombiano.

Segundo o economista Jorge Restrepo, professor da Pontifícia Universidade Javeriana, em Bogotá, os aspirantes a suceder Juan Manuel Santos na Presidência estão sendo cobrados fortemente por uma postura diante da situação da Venezuela. Em geral, diz ele, todos têm adotado um discurso de solidariedade.

"O que acontece na Venezuela é tão sério em termos humanitários, econômicos e sociais que não poderia ser usado para inflamar a xenofobia na Colômbia", disse Restrepo em conversa com a BBC Mundo.

A polêmica tem seguido outro caminho: a direita colombiana tem dito que há a possibilidade de o país seguir um rumo similar ao da Venezuela e ser governada pelo que chamam de "castrochavismo".

A expressão faz referência ao modelo político e econômico adotado desde chegada de Chávez ao poder e influenciado pelo castrismo cubano.

O termo foi um dos mais usados durante a campanha para as eleições legislativas em março do ano passado, segundo Boris Miranda, correspondente da BBC Mundo na Colômbia.

"Diferentes políticos usam o termo para atacar Gustavo Petro, um dos candidatos que lideram as pesquisas", explica o correspondente. Ex-prefeito de Bogotá, Petro é candidato à presidência pelo Movimento Humano Colombiano.

"São acusações que exploram o medo da classe média, dos grandes proprietários rurais e dos pequenos empresários urbanos", diz Restrepo. O uso do termo "castrochavismo" é característico principalmente do partido Centro Democrático e de seu fundador, o ex-presidente Álvaro Uribe.

Gustavo Petro afirma que o "castrochavismo" não existe e que é "apenas uma estratégia para gerar desconfiança em relação a quem propõe mudanças para o país".

Restrepo não considera, no entanto, que a questão venezuelana seja a chave para a atual posição dos candidatos na pesquisas - Duque está em primeiro lugar e Petro, em segundo.

"Não acredito que a Venezuela até o momento tenha sido um fator determinante, mas poderia ser no futuro se a situação se agravasse", diz ele.

Velhos fantasmas no México

Em março, viralizou no México um vídeo em que Maduro manifestava apoio ao candidato Andrés Manuel López Obrador. O vídeo era falso, mas foi visto por mais de 20 mil pessoas.

O episódio é um dos muitos exemplos de como a Venezuela está presente na campanha eleitoral mexicana.

"O tema aparece desde 2006, sempre ligado ao candidato de esquerda López Obrador. Os adversários o acusam de querer transformar o México em um país parecido com a Venezuela de Chávez e Maduro", diz Alberto Nájar, colaborador da BBC Mundo na Cidade do México.

Roy Campos, pesquisador da consultoria Mitofsky, diz que a campanha para comparar as propostas de López Obrador com as do governo de Chávez foi bem-sucedida há 12 anos, quando sua candidatura foi suspensa. Segundo ele, o argumento voltou com mais força agora graças ao efeito das redes sociais e pelo fato de Obrador ser o favorito para vencer o pleito em 1 de julho.

Campos diz que os partidos adversários têm usado essa questão nos debates como uma referência velada, não como eixo central de seu discurso contra o candidato.

"O que se pretende com isso não é desmobilizar os eleitores de Obrador, mas impedir que a preferência por ele avance em outros perfis eleitorais", diz Campos. "A comparação pode fazer que o eleitor indeciso tenha medo de escolhê-lo. Maduro e a Venezuela se tornaram uma referência do que não é desejado para o México."

Campos afirma que, embora esse tipo de campanha tenha conseguido polarizar o debate político, não é possível dizer que tenha reduzido significativamente o apoio a López Obrador.

"Sim, há um efeito, mas é muito limitado. Em alguns segmentos da população há preocupação com isso, mas não é algo presente em eleitores de todos os estratos", diz Francisco Abundis, diretor do instituto de pesquisa mexicano Parametría.

Abundis afirma que, embora alguns colaboradores de López Obrador já tenham defendido Maduro, acusação de proximidade dele com o chavismo tem pouca credibilidade principalmente porque o próprio candidato tem moderado seu discurso.

"Eu não conhecia Chávez, não conheço Maduro", disse Obrador em um comício em Guadalajara no ano passado.

Debate polarizado no Brasil

A proximidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Hugo Chávez - os dois eram amigos pessoais - fez com que a Venezuela fosse um assunto presente em todas as campanhas eleitorais desde que o PT conquistou pela primeira vez o governo federal, em 2002.

Durante a campanha eleitoral na Venezuela, em 2013, Lula gravou um vídeo de apoio a Maduro, que, segundo ele representava "a Venezuela com que Chávez sempre sonhou".

Em um ambiente político extremamente polarizado nos últimos anos, a Venezuela passou a ocupar o imaginário de determinados setores da sociedade brasileira, mesmo que as semelhanças do Brasil com o vizinho sejam mínimas, afirma Paulo Velasco, professor de política internacional da UERJ.

"A visão de que o Brasil se encaminhava para uma esquerda mais radical não coincide com o que de fato aconteceu durante os oito anos do governo Lula e cinco anos e meio de Dilma", diz ele.

"A questão da Venezuela não é central na campanha brasileira, mas é interessante notar como partidos de direita e centro-direita souberam explorar o tema em seu benefício", diz Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da Universidade Federal de Minas Gerais.

Segundo ele, o PSDB usou a questão venezuelana para marcar posição em relação à política externa depois de ter se tornado de oposição.

"Embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenha tido uma boa relação institucional com Hugo Chávez enquanto era presidente, ao PSDB colheu dividendo políticos ao criticar, já na oposição, a aproximação de Lula como venezuelano", afirma ele.

"Quando o PSDB assume o Itamaraty, com a queda do governo Dilma, há envenenamento da relação do Brasil com a Venezuela que é motivada por política eleitoral", defende Lopes. "Não vejo nenhum ganho para o Estado brasileiro, já que a Venezuela é um parceiro importante para nossa balança comercial independentemente de quem esteja no governo."

Segundo Lopes, dada a assimetria de tamanho e poder política e econômico, o Brasil não precisaria usar de agressividade para conduzir as relações com o país para um caminho que seja de seu interesse - o que seria mais uma prova de que a relação com a Venezuela tem sido pensada em termos de ganho eleitoral. "É uma atitude que alguns acadêmicos chamam de populismo diplomático."

Embora não seja tão relevante para o Brasil quanto para os outros países da América Latina, a questão da imigração também pode fazer parte das campanhas.

"Alguns grupos acabam fomentando um discurso de xenofobia, muito baseado em informações falsas. Hoje há mais brasileiros morando fora do que estrangeiros vivendo aqui", diz Camila Asano, especialista em política internacional da Conectas, entidade de defesa dos direitos humanos. "Menos de 1% da população brasileira é imigrante. É muito pouco comparado com a Argentina, onde é 4%, e os EUA, onde os imigrantes são 14%."

Crítico da aproximação do PT com a Chávez, Jair Bolsonaro já usou a crise em sua campanha, dizendo o Brasil corria o risco de ter o mesmo destino que a Venezuela.

Recentemente, no entanto, foi trazida à tona novamente uma entrevista de 1999, quando era candidato pelo PSL, em que Bolsonaro definia Hugo Chávez como "uma esperança para a América Latina" e expressava o interesse de viajar ao país para conhecer o governo chavista.

Questionado sobre o assunto no fim do ano passado, Bolsonaro disse que havia se equivocado. "Ora, 90% do povo venezuelano vibrou com a eleição de Chávez, assim como o Brasil vibrou com Lula. Eu gostei de ver um coronel paraquedista no governo. Seu discurso era outro. A gente se ilude com as pessoas", afirmou.

* Com reportagem de Ángel Bermúdez, da BBC Mundo