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Advogado de Trump 'foi pago pela Ucrânia' para viabilizar reunião entre presidentes

Petro Poroshenko e Donald Trump durante a reunião na Casa Branca em junho de 2017 - EFE/Olivier Douliery
Petro Poroshenko e Donald Trump durante a reunião na Casa Branca em junho de 2017 Imagem: EFE/Olivier Douliery

Paul Wood*

Da BBC News em Kiev

23/05/2018 14h24

O advogado pessoal de Donald Trump, Michael Cohen, recebeu secretamente um pagamento de ao menos US$ 400 mil (R$ 1,45 milhão) para viabilizar uma reunião entre o presidente da Ucrânia e o presidente americano, segundo fontes em Kiev próximas aos envolvidos no caso.

O pagamento foi feito por intermediários que agiam em nome do líder ucraniano, Petro Poroshenko, segundo estas fontes, ainda que Cohen não estivesse registrado como um representante da Ucrânia, como exige a lei americana.

A reunião ocorreu na Casa Branca em junho passado. Pouco depois do presidente ucraniano voltar para casa, a agência anticorrupção de seu país interrompeu uma investigação sobre o ex-coordenador de campanha de Trump, Paul Manafort.

Um oficial de inteligência do alto escalão do governo de Poroshenko descreveu o que ocorreu antes da visita à Casa Branca.

Cohen foi envolvido na questão, ele disse, porque os lobistas ucranianos registrados e a embaixada do país em Washington não conseguiriam para Poroshenko muito mais do que um breve encontro em que os dois presidentes poderiam ser fotografados juntos. O líder ucraniano precisava de mais. Ele desejava uma ocasião que poderia ser descrita como uma reunião, com maior duração.

O oficial diz que Poroshenko decidiu, então, estabelecer um canal secundário de comunicação com Trump. Essa missão foi conferida a um ex-assessor, que pediu ajuda a um parlamentar ucraniano leal ao governo.

O parlamentar usou contatos pessoais em uma organização de caridade do Estado de Nova York, a Port of Washington Chabad, o que acabou levando ao contato com Michael Cohen.

Não há qualquer indício de que Trump sabia do pagamento feito a seu advogado.

Tráfico de influência

Uma segunda fonte em Kiev deu os mesmos detalhes, mas divergiu quanto ao valor pago, afirmando que seria de US$ 600 mil (R$ 2,17 milhão).

Michael Avenatti, um advogado americano que teve acesso a detalhes das finanças de Cohen, corroborou essa versão. Ele representa uma atriz pornô, Stormy Daniels, em um processo contra Trump.

Avenatti disse que relatórios de movimentação suspeita sobre a atividade bancária de Cohen, enviados pelo banco do advogado de Trump ao Tesouro americano, mostram que ele recebeu dinheiro de "fontes ucranianas".

Contatados pela BBC, Cohen e dois ucranianos que teriam viabilizado o canal secundário de contato com Trump negaram as alegações.

O oficial de inteligência em Kiev também disse que Cohen foi auxiliado por Feliz Sater, um ex-mafioso condenado pela Justiça que já foi sócio de Trump. O advogado de Sater negou as acusações. O presidente ucraniano se recusou a comentar.

Encontro marcado

Assim como foi amplamente noticiado em junho passado, Poroshenko ainda não sabia quanto tempo teria com Trump ao voar para Washington.

A programação da Casa Branca apenas indicava que o ucraniano o faria uma rápida visita ao Salão Oval em um intervalo das reuniões do presidente americano com sua equipe.

Isso foi organizado por meio de canais oficiais. O valor pago a Cohen foi para que Poroshenko tivesse a oportunidade de ter mais do que alguns poucos minutos com Trump, suficientes apenas para uma troca de cumprimentos e algumas palavras triviais.

As negociações continuaram até as primeiras horas do dia marcado para a visita. O lado ucraniano estava insatisfeito, disse o oficial, porque Cohen havia recebido "centenas de milhares" de dólares deles para algo que ele aparentemente não conseguiria concretizar.

Até o último momento, o líder ucraniano não tinha certeza se ele conseguiria evitar o que via como uma humilhação. "O círculo mais próximo de Poroshenko estava chocado por quão sujo era todo esse combinado [com Cohen]."

Poroshenko estava desperado para se encontrar com Trump devido ao impacto causado por informações sobre a campanha presidencial americana.

Em agosto de 2016, o jornal The New York Times publicou um documento que mostrava que o gerente de campanha de Trump, Manafort, havia recebido milhões de dólares de fontes pró-Rússia na Ucrânia.

Era uma página do chamado "livro negro" do Partido das Regiões, um partido pró-Rússia que contratou os serviços de Manafort quando ele tinha uma consultoria política na Ucrânia.

A página aparentemente vinha do Bureau Nacional Anticorrupção da Ucrânia, que estava investigando o coordenador de campanha. Após a divulgação das informações, ele renunciou ao cargo.

Interferências

Diversas fontes na Ucrânia disseram que Poroshenko autorizou o vazamento do documento, acreditando que a vitória de Hillary Clinton era algo certo.

Se for esse o caso, foi um erro desastroso - a Ucrânia havia apoiado a candidata que acabou derrotada na eleição. Independentemente de como ocorreu o vazamento, isso prejudicou Trump, mas não o impediu de vencer a disputa.

A Ucrânia estava (e ainda está) em guerra com a Rússia e separatistas apoiados pelos russos. O país não podia se dar ao luxo de ter um presidente americano inimigo.

Então, Poroshenko parecia estar aliviado ao se encontrar com Trump no Salão Oval.

Ele se vangloriava de ter se encontrado com o novo presidente dos Estados Unidos antes do presidente russo, Vladimir Putin. Ele se referiu ao encontro como uma "visita substancial". Ele realizou uma coletiva de imprensa triunfante em frente à Casa Branca.

Uma semana depois de Poroshenko voltar a Kiev, o Bureau Nacional Anticorrupção anunciou que não estava mais investigando Manafort.

Na época, uma autoridade me explicou que Manafort não havia assinado o "livro negro" reconhecendo o pagamento do dinheiro. E, de qualquer forma, disse, Manafort era americano, e a lei só permite que o bureau investigue ucranianos.

A Ucrânia não encerrou a investigação sobre Manafort por completo. O caso foi enviado para o Ministério Público, mas não avançou.

Na semana passada, em Kiev, o promotor à frente do caso, Serhiy Horbatyuk, disse à BBC: "Nunca houve uma ordem direta para parar de investigar Manafort, mas, pela forma como a investigação progrediu, ficou claro que nossos superiores estavam tentando criar obstáculos."

'Cortesia'

Nenhuma de nossas fontes disse que Trump usou a reunião no Salão Oval para pedir a Poroshenko que desse fim à investigação. Mas, se houve um canal secundário de comunicação entre os dois lados, teria Cohen usado isso para dizer aos ucranianos o que se esperava deles?

Talvez ele não precisasse fazer isso. Uma fonte em Kiev disse que Poroshenko deu a Trump "um presente" - garantir que a Ucrânia não encontraria mais evidências que contribuíssem com a investigação que buscava saber se a campanha do presidente americano havia atuado de forma conivente com a Rússia para influenciar o resultado da eleição.

Poroshenko sabia que fazer o contrário, disse outra fonte, "seria como cuspir no rosto de Trump".

Um relatório de um integrante da comunidade de inteligência de um país ocidental diz que a equipe de Poroshenko acredita que eles estabeleceram um "pacto de não agressão" com Trump.

Com base em fontes de inteligência "sênior e bem posicionadas" em Kiev, o relatório aponta a seguinte sequência de eventos:

"Assim que Trump foi eleito, diz o relatório, a Ucrânica parou de investigar Manafort 'proativamente'.

Um contato com o governo americano foi removido do Bureau Nacional Anticorrupção para um cargo de assessor sênior do governo.

O relatório afirma que Poroshenko voltou de Washington e, em agosto ou setembro de 2017, decidiu encerrar completamente a cooperação com agências americanas que investigavam Manafort. Ele não deu a ordem para implementar essa decisão até novembro de 2017.

O governo americano tomou conhecimento da ordem após visitas programadas por um assessor sênior de Poroshenko a [Robert] Mueller e ao diretor da CIA em novembro e dezembro serem canceladas.

O relatório diz que foi fechado um 'acordo' entre Poroshenko e Trump de que a Ucrânia concordava em importar carvão dos Estados Unidos e assinou um contrato de US$ 1 bilhão de compra de trens americanos a diesel.

A Ucrânia tem sua própria fabricante de locomotivas e suas próprias minas de carvão. Esses acordos só podem ser interpretados como uma compra de apoio americano por Poroshenko, diz o documento.

Em março, o governo Trump anunciou uma venda de 210 itens de artilharia anti-mísseis para a Ucrânia."

Negócios inéditos

Mesmo durante o governo Obama, os Estados Unidos não venderam armas para a Ucrânia. Uma figura conhecida em Kiev, hoje aposentada de seu cargo no governo, disse à reportagem que não gostava do que havia ocorrido com a investigação sobre Manafort, mas que, no entanto, a Ucrânia estava batalhando por sua sobrevivência. "Defendo o cumprimento da lei, mas sou um patriota", disse.

Ele afirmou que se manteve em contato com seus ex-subordinados e que ouviu muitos detalhes sobre o "canal secundário de comunicação de Cohen".

A mesma fonte disse que, se os ucranianos acreditassem que um acordo corrupto havia sido feito quanto a Manafort, "isso poderia destruir o apoio à América".

O serviço doméstico de inteligência, o SBU, fez seu próprio relatório secreto sobre Manafort e apontou que não houve apenas um, mas três "livros negros" e que milhões de dólares a mais do que veio a público foram pagos a Manafort, que nega ter feito algo de errado.

Essa informação foi dada por um policial de alto escalão que teve acesso ao documento. Ele diz que isso não foi passado aos americanos.

* Com reportagem de Suzanne Kianpour