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Refinaria no Rio seguia paralisada enquanto ministro anunciava que operações estavam normalizadas

Júlia Dias Carneiro - Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

25/05/2018 19h53

O pronunciamento do presidente Michel Temer anunciando o emprego das Forças Armadas para acabar com as paralisações de caminhoneiros no Brasil e as garantias dadas mais tarde pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sérgio Etchegoyen - afirmando que as operações na Reduc, a refinaria da Petrobras em Duque de Caxias, no Rio, teriam sido regularizadas - não surtiram muito efeito no local.

A BBC Brasil acompanhou todo o movimento na entrada da refinaria na tarde desta sexta-feira e, embora o ministro tenha anunciado em coletiva de imprensa, às 18:03, que a Reduc "retomou quase na integralidade suas operações", e havia reiniciado o reabastecimento da cidade do Rio, nada disso aconteceu nesse período - e a manifestação dos caminhoneiros no local continuava firme e decidida a permanecer.

O protesto dos motoristas na refinaria da Petrobras em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense do Rio, começou na segunda-feira, e motoristas têm se revezado virando a noite para manter a mobilização no local.

O protesto à beira da avenida Washington Luís não está bloqueando a via, mas impede a entrada de caminhões-tanque para carregar combustível e abastecer a cidade. Exceções têm sido abertas para o abastecimento das forças de segurança do Rio, hospitais e outros serviços essenciais.

Por volta das 13:18 desta sexta-feira, viaturas e motocicletas da Polícia do Exército escoltaram um caminhão-tanque ao local, mas, de acordo com o Comando Militar Leste (CML), a operação para assegurar o abastecimento não teve relação com os anúncios feitos em Brasília.

"As viaturas da Polícia do Exército que foram à Reduc estão lá com a finalidade de escoltar um caminhão-tanque de combustível destinado a garantir o fluxo de abastecimento do Exército. Desse modo, o caso específico não guarda relação com a natureza do emprego determinado pelo Sr. Presidente da República", afirmou, em nota, o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do CML, cerca de uma hora antes do ministro Etchegoyen anunciar que o movimento na Reduc já estaria normalizado.

Buzinaço e hino nacional

Às 16:15 na porta da Reduc, o clima era festivo, com manifestantes embrulhados em bandeiras do Brasil - uma remessa havia acabado de chegar e ser distribuída - e cantando o hino nacional que foi reproduzido diversas vezes por um carro de som.

Apesar do anúncio de Temer horas antes - afirmando que o governo teria "coragem" de agir e que as Forças Armadas seriam convocadas a atuar -, os caminhoneiros diziam não ter medo.

"Não estamos obstruindo as vias, não tem por quê eles chegarem com violência", diz o motorista Daniel Cunha, de 36 anos, argumentando que quem reclama do transtorno não pensa que, se houver redução dos preços de combustíveis, o benefício será "para todos". "Se vai dar certo eu não sei, mas estamos lutando, e para o bem de todos."

Às 16:30, um grupo preparava carne em uma churrasqueira, com bifes e linguiças assando na brasa e um rápido avanço dos presentes sobre as fatias cortadas numa tábua de madeira.

Na pista lateral da Avenida Washington Luís, um trio pintava no asfalto a frase "o povo quer intervenção militar já!", com pinceladas tinta branca em letras garrafais.

O buzinaço era constante dos carros que passavam lentamente pelo protesto, a maioria em saudação aos manifestantes, que gritavam e pulavam em volta dos veículos estendendo um cartaz: "Preço do óleo diesel justo!". Outros buzinavam irritados, protestando contra o engarrafamento. Um dos motoristas esticou o braço para fora distribuindo cumprimentos em sequência aos manifestantes; em seguida, outro passou xingando a todos de bandidos.

'Sem provocação e sem fechar vias'

Os caminhoneiros estão se revezando na porta da Reduc desde segunda-feira. Antônio Soares Mouzinho diz ter achado um "absurdo" a convocação do governo às Forças Armadas.

"Acho que militar que é militar de verdade tem que ficar sem ação. Porque, além de tudo, ele é brasileiro. Não pode ser contra outro brasileiro que está lutando por algo que é para todos. Isso é uma corrente, e a gente é um dos elos", afirmou.

"A gente está na paz. Mas a gente está pronto pra tudo, pra guerrear também. Se vierem com violência, a gente vai vir também. A gente não quer isso. Mas a gente tá aqui para ganhar a luta. Pra todos."

Por volta das 17:30, o clima de repente ficou mais sério. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) fechou o acesso à pista lateral, por onde a passagem de veículos e o buzinaço constante vinham inflando os ânimos dos manifestantes. Policiais que monitoravam o protesto constantemente, do outro lado da pista, ergueram os escudos. Foi a deixa para um tumulto entre os caminhoneiros e uma convocação para uma rápida reunião.

"A PRF está com escudo, o que quer dizer que está preparada para porrada. O nosso foco é ficar aqui sem brigar, sem estresse. Aí não tem como tirar a gente", dizia uma liderança local, aconselhando todos os homens ao redor a não discutir e não tentar fechar a via. "Se for para a rua fechar vai 'dar ruim' para a gente, e é idoso que eles querem", afirmou. "O foco é sem porrada e sem discutir, porque é assim que a gente está ganhando de todo mundo", disse, sob aplausos.

Os motoristas ouvidos pela BBC Brasil apresentavam uma série de queixas e reivindicavam que o preço do óleo diesel chegasse ao patamar de R$ 2. As outras reclamações incluem a falta de estruturas de apoio na estrada, o alto preço dos pedágios e os baixos valores de frete repassados a eles por empresas de transporte.

Às 19:13, os motoristas se preparavam para passar mais uma noite no local, "firme e forte". "A guerra continua", resumiram.