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Igreja Mórmon deveria parar de interrogar crianças sobre sexo, dizem integrantes

David Sheppard foi interrogado aos 12 anos por um bispo e afirma que a questão sobre masturbação o deixou com sentimento de culpa - Arquivo Pessoal/David Sheppard
David Sheppard foi interrogado aos 12 anos por um bispo e afirma que a questão sobre masturbação o deixou com sentimento de culpa Imagem: Arquivo Pessoal/David Sheppard

Jo Adnitt e Joice Etutu - Do programa Victoria Derbyshire, da BBC

11/07/2018 15h53

Atuais e ex-integrantes da Igreja Mórmon estão pedindo que a instituição pare de fazer as chamadas "entrevistas da dignidade", uma prática em que crianças a partir de 8 anos são interrogadas sobre questões íntimas e sexuais.

"Eles nos ensinam que masturbação só não é pior que assassinato", diz David Sheppard, de 27 anos.

Aos 12, ele passou por uma dessas entrevistas, conduzida por um bispo.

"Eu sofri com muita culpa, porque fiz coisas que não deveríamos", afirma em entrevista ao programa Victoria Derbyshire, da BBC. "Me senti como se fosse um anormal sexual ou pervertido".

Sheppard, de Londres, foi criado dentro da Igreja Mórmon.

A estrutura é dividida em alas, que são unidades semelhantes às paróquias católicas, com o bispo sendo o chefe espiritual de uma ala local.

As "entrevistas da dignidade" geralmente começam em torno do oitavo aniversário da criança, quando ela é batizada, e voltam a ocorrer quando completa 12. Depois disso, o interrogatório é feito pelo menos uma vez por ano na idade adulta.

O propósito, segundo a instituição, é preparar crianças e adolescentes espiritualmente e garantir que eles obedeçam aos mandamentos.

Entrevista chega a durar seis horas

Ainda que alguns bispos optem por não fazer perguntas sobre sexo, o elemento mais controverso das entrevistas se refere a algo conhecido como "a lei da castidade".

Na Igreja Mórmon - oficialmente, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias -, o sexo fora do casamento, a pornografia e a masturbação são proibidos.

Sheppard diz que, entre os 16 e 19 anos, teve "algumas namoradas" com quem manteve relações íntimas, sem fazer sexo.

"Decidi confessar o que tinha feito e isso me levou a seis horas de interrogatório", acrescenta.

"Eles fizeram perguntas como: 'Você tocou nela?' e 'Você a levou ao orgasmo?'"

"Eles até tentaram me fazer revelar os nomes das garotas para que pudessem tratar disso com elas também", lembra.

"Em determinado momento da entrevista me senti mal, com ansiedade, e pedi para sair e ir ao banheiro, mas eles não permitiram. Senti como se tivesse uma total perda de controle."

Sheppard durante trabalho missionário em 2011, na Alemanha: Ele afirma que teve de responder a perguntas durante seis horas - Arquivo Pessoal/David Sheppard - Arquivo Pessoal/David Sheppard
Sheppard durante trabalho missionário em 2011, na Alemanha: Ele afirma que teve de responder a perguntas durante seis horas
Imagem: Arquivo Pessoal/David Sheppard

As entrevistas são conduzidas em uma sala fechada em que a criança ou o adolescente ficam sozinhos com um bispo mais velho.

A prática causou controvérsia nos Estados Unidos e, agora, no Reino Unido - onde a igreja diz ter 190 mil fiéis - há uma campanha para abolir as entrevistas.

"Como pessoa, o bispo era um bom homem", diz Sheppard.

"Ele estava apenas fazendo o que lhes disseram para fazer, mas acho que as entrevistas deveriam ser feitas mediante consentimento das crianças, e deveria haver mais alguém também na sala."

O programa Victoria Derbyshire também ouviu relatos de uma mulher que, quando adolescente, diz ter ouvido dos religiosos para não usar contraceptivos, e de um homem que teria sido aconselhado por um bispo para "afastar o gay que havia nele".

A Igreja Mórmon disse que "condena qualquer comportamento inadequado, independentemente de onde ou quando ocorre".

E acrescentou: "Os líderes da igreja local recebem instruções sobre as entrevistas com os jovens e é esperado que as analisem e sigam".

"Um líder espiritual cuidadoso e responsável desempenha um papel importante no desenvolvimento de um jovem, reforçando o ensino dos pais e oferecendo orientação espiritual", disse ainda a instituição.

Questionada sobre como funcionam as entrevistas no Brasil e se a prática poderá ser revista, a Igreja Mórmon no país divulgou um posicionamento semelhante ao internacional - sem responder a questões específicas - acrescentando que tem "a mesma preocupação com a segurança e o bem-estar dos jovens" e que "assim como em qualquer prática da Igreja, busca continuamente encontrar meios de progredir e se moldar seguindo o Salvador, de modo a atender às necessidades de seus membros."

Pornografia é considerada 'satânica'

Stephen Blomfield, de Bedford, na Inglaterra, esteve no Alto Conselho de Estaca da Igreja até 2011 e ainda é um membro ativo da Igreja Mórmon. Ele não realizou entrevistas, mas atuou como consultor para pessoas que fizeram.

Ele também acredita que a prática deve ser abolida.

"No meu primeiro programa de jovens, com 12 ou 13 anos", diz ele, "nos disseram que beijar era ruim, que gostar de meninas era ruim e que tocá-las era ruim".

"Então, eu fiquei com um sentimento enorme de culpa, porque já beijei garotas."

A masturbação e a pornografia, acrescenta, eram descritas como "satânicas".

A Igreja Mórmon tem cerca de 12 milhões de membros em todo o mundo - Getty Images - Getty Images
A Igreja Mórmon tem cerca de 12 milhões de membros em todo o mundo
Imagem: Getty Images

Pela experiência que teve nos anos 80 e 90, Blomfield - cujo pai era bispo - conta que o grau de intimidade das perguntas dependia do bispo que as conduzia.

"Alguns líderes faziam perguntas realmente explícitas, enquanto outros nunca perguntavam (nada relacionado à sexualidade), a menos que você confessasse primeiro."

Hoje, Blomfield tem filhos e diz que informou a sua igreja que eles não serão entrevistados.

"Se eles quiserem fazer isso, vão precisar discutir comigo primeiro ou garantir que eu estarei presente. Sou da opinião de que as entrevistas devem acabar. Elas acontecem desde que a religião começou, mas nunca deveriam ter sido criadas."

As entrevista, continua, "são invasivas e abordam questões particulares. Eu acho que fazem alguns mórmons se sentirem humilhados - porque não podem viver de acordo com os padrões estabelecidos".