O que muda com decreto do governo que altera regras para classificação de informações ultrassecretas
Decreto permite que ocupantes de cargos comissionados classifiquem informações como ultrassecretas em caso de ameaça à segurança da sociedade ou Estado.
O governo federal publicou nesta quinta-feira um decreto que amplia as categorias de agentes públicos capazes de classificar informações como ultrassecretas, podendo mantê-las em sigilo por até 25 anos.
Assinado pelo presidente interino, Hamilton Mourão, o decreto altera a Lei de Acesso à Informação, permitindo que ocupantes de cargos comissionados - que podem ser indicados politicamente - classifiquem informações como ultrassecretas nos casos em que sua divulgação "ameace a segurança da sociedade ou do Estado".
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Até então, só tinham essa prerrogativa presidente, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior.
Agora, também terão esse poder assessores comissionados do Grupo DAS nível 101.6 ou superior - que podem ou não ser servidores públicos em funções de direção ou assessoramento superior.
O decreto também permite que as autoridades com o poder de decretar sigilo deleguem essa função a dirigentes máximos de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Em entrevista, Mourão - que assumiu a Presidência interinamente com a viagem de Jair Bolsonaro à Suíça -, diz que o decreto "diminui a burocracia" no acesso a informações públicas.
Segundo ele, há "raríssimas" informações no Brasil consideradas ultrassecretas.
Em nota, a Casa Civil afirmou que, até a publicação do decreto, a classificação de sigilo poderia ser delegada pela autoridade competente "a qualquer servidor". Segundo o órgão, a mudança "possibilita mais um grau de revisão dos atos de classificação, desburocratizando o acesso às informações e garantindo transparência à administração pública".
Advogados ouvidos pela BBC News Brasil afirmaram, porém, que na prática o decreto pode dificultar o acesso a informações públicas.
Especialista em direito de propriedade intelectual, o advogado Jhones Ferreira, do escritório Di Blasi, Parente & Associados, diz que o decreto se contrapõe a uma série de avanços institucionais no acesso a informações públicas no Brasil.
"Desde 1988, há toda uma evolução jurídica e um caminhar legislativo para que a publicidade dos atos administrativos se fortalecesse cada vez mais. Qualquer ato, seja um decreto, lei ou portaria que de alguma forma mitigue essa regra de acesso a informações de atos públicos impacta na sociedade como algo negativo", afirma.
A advogada Daniela Colla, também especialista em direito de propriedade intelectual, critica o fato de o decreto ter sido publicado sem que a sociedade fosse consultada sobre o tema.
Ela afirma, porém, que a ampliação no número de servidores capazes de decretar informações públicas como ultrassecretas não necessariamente levará a um aumento no número documentos sigilosos.
Segundo Colla, pessoas que tiverem pedidos negados com o argumento de que as informações requeridas são ultrassecretas poderão continuar recorrendo a uma comissão para questionar a validade da decisão.
A Lei de Acesso à Informação instituiu a criação de uma Comissão Mista de Reavaliação para avaliar a classificação de informações sigilosas.
"O comportamento da comissão é que determinará se haverá mais informações consideradas ultrassecretas", diz Colla.
Para a ONG Artigo 19, que monitora a implantação da Lei de Acesso à Informação desde sua promulgação, o decreto publicado nesta quinta "traz um alerta ao indicar uma tendência de redução da transparência e não participação da população em questões fundamentais".
Em nota, a ONG diz que o decreto "contraria padrões internacionais, afronta princípios constitucionais" e contraria um artigo da Lei de Acesso à Informação que determina que servidores em funções de direção, comando ou chefia só podem decretar o sigilo de documentos reservados (com prazo máximo de divulgação de cinco anos), e não secretos (15 anos) ou ultrassecretos (25 anos).
A Artigo 19 diz que o decreto deve levar a uma "provável diminuição do acesso e circulação de informações públicas, que pode conduzir à violação do direito à informação da população como um todo".
"Além disso, vale lembrar que a transparência e a capacidade da sociedade acompanhar o poder público são pilares fundamentais para um combate real e efetivo à corrupção no país - algo que está no centro da preocupação de uma grande parcela da população", diz a ONG.
O que é a Lei de Acesso à Informação
Assinada em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff, a Lei 12.527 regulamenta o direito constitucional de acesso a informações públicas.
A lei criou ferramentas para que qualquer pessoa física ou jurídica solicite informações públicas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, Estados e municípios. Organizações privadas sem fins lucrativos também devem divulgar informações sobre recursos públicos recebidos.
A lei determina que as informações sejam divulgadas em até 20 dias, exceto nos casos em que ponham em risco a segurança da sociedade ou do Estado.
O texto adota como princípios que o acesso deve ser a regra, e o sigilo, a exceção, que o requerente não precisa dizer por que deseja a informação e que os dados devem ser fornecidos gratuitamente.
Cinco anos após a publicação da lei, em 2017, a ONG Artigo 19 publicou um estudo sobre sua aplicação pelos órgãos públicos. Segundo a ONG, enquanto houve avanços consideráveis no acesso a informações do governo federal, a aplicação da lei pelos outros poderes e por Estados e municípios ainda era bastante falha.
Após a lei entrar em vigor, o governo federal criou um portal para receber e enviar pedidos de informações públicas. Caso o pedido seja negado, é possível recorrer a instâncias hierarquicamente superiores, como o ministro responsável pelo órgão e a Controladoria-Geral da União (CGU).
Em muitos casos, porém, veículos jornalísticos e ONGs tiveram todos os recursos negados e só conseguiram acesso às informações solicitadas após ordens judiciais.
Foi o caso, por exemplo, de um pedido de informações do Instituto Socioambiental (ISA) ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre impactos da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
O pedido foi negado repetidas vezes pelo banco, e os dados só foram obtidos após o Ministério Público Federal (MPF) levar o caso à Justiça.
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