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Pedofilia na internet: 'Me disfarço de adolescente para caçar suspeitos'

30/01/2019 15h14

Jovem de 23 anos - que cria perfis falsos nas redes sociais para capturar suspeitos de pedofilia - conta o passo a passo da operação.

Anônima*, de 23 anos.

Eu sou a isca viva de um grupo de caçadores de pedófilos. Isso significa que não apenas converso com suspeitos de pedofilia na internet: vou pessoalmente encontrá-los. Faço parte de um grupo chamado Guardians of the North (Guardiões do Norte, em tradução livre), criado há quase três anos.

Nossas investigações sempre começam online. Tenho conta em várias redes sociais diferentes. Meu perfil é sempre público para que qualquer pessoa consiga visualizá-lo e me enviar mensagem.

Em um deles, me passo por uma garota de 14 anos. Uso um nome falso, mas as fotos são minhas. São imagens normais - geralmente só de rosto. Minha idade real é 23 anos, mas posso fazer isso porque pareço mais nova. Sou pequena e tenho cara de menina. Acho que ajuda o fato de parecer mais jovem quando falo também, porque converso com as pessoas pelo telefone quando necessário.

Eu recebo mensagens todos os dias. Nunca tomo a iniciativa. Sempre espero que entrem em contato comigo - e deixo claro nesses perfis que sou uma garota de 14 anos.

Tem mais gente entrando em contato comigo do que eu sou capaz de responder. Recebo mensagem de pelo menos 10 pessoas todos os dias - e já cheguei a receber 30 no mesmo dia, de pessoas diferentes.

As conversas geralmente começam com um bate-papo normal - "como foi seu dia?", "o que você tem feito?", esse tipo de coisa. Pode levar meses até a conversa ganhar conotação sexual ou pode acontecer no mesmo dia. Não importa quanto tempo leve, eu sempre deixo eles conduzirem o papo - é a maneira legítima de fazer isso, para que não sejamos acusados de montar uma arapuca.

Às vezes, os homens escondem a identidade. Eles podem usar perfis falsos ou nomes falsos e enviar fotos que pegam da internet. Se mentem sobre a idade, geralmente fingem ter 18 ou 20 anos. Nós sempre descobrimos quem eles realmente são no final - quando são presos.

Na maioria das conversas, os homens mandam fotos do pênis e geralmente pedem para fazer sexo. Eu sempre finjo que não sei o que é sexo. Se eles perguntam, eu normalmente digo que sou virgem ou totalmente inexperiente. Ainda assim, eles me pedem para enviar fotos explícitas - mas obviamente eu não faço isso. Já fui ameaçada uma vez. Um homem pediu imagens obscenas e disse que, se eu não mandasse, machucaria minha mãe.

Presentes de estranhos

Eles às vezes dizem que vão comprar presentes para mim no meu aniversário ou no Natal. Mas eu nunca aceitei nada. Se estamos combinando de nos encontrar, às vezes eles me pedem para usar um determinado tipo de roupa íntima ou se oferecem para reservar hotéis. Eles raramente falam sobre suas vidas pessoais ou dizem se são casados. Mantêm tudo isso em segredo.

Assim que a conversa ganha contornos sexuais, eles geralmente pedem para se encontrar - é neste momento que o resto da equipe se envolve. Cerca de seis integrantes do grupo participam da operação e dividimos as tarefas. Descobrimos o máximo possível de informações sobre a pessoa e baixamos todos os registros de bate-papo, imagens e capturas de tela como prova.

As pessoas que normalmente aparecem têm entre 30 e 40 anos. Às vezes, vemos gente na casa dos 20 anos e já aconteceu de surgirem adolescentes. São geralmente homens, embora tenhamos flagrado duas mulheres - ambas agindo sozinhas.

Eu preciso ser a "isca viva". Isso significa que eu vou até o local combinado - geralmente um lugar público, como um estacionamento - e espero que a pessoa apareça. A equipe chega antes para inspecionar a área.

Se for durante o dia, eles vão tentar se misturar aos pedestres ou esperar dentro do carro. Normalmente, o suspeito espera que eu chegue primeiro ao ponto de encontro. Se não me veem, eles podem ir embora, então eu preciso estar lá pessoalmente. Só uso roupas normais como calça jeans e casaco de moletom.

A equipe sempre me mantém no seu campo de visão. Um dos membros filma toda a ação para usar como prova. Outro integrante é responsável por chamar a polícia assim que capturamos o suspeito. O restante age como segurança para proteger a equipe. Nosso trabalho levou a mais de 200** detenções e até hoje eu nunca fui machucada.

Eu fico com medo, não sei como é a pessoa que vai aparecer, mas eu sei que a equipe está por perto - e que vai confrontá-la assim que chegar.

Nós normalmente vamos em dois carros - estacionamos um atrás do carro do suspeito e outro na frente. Em seguida, a equipe apresenta as evidências e mantém a pessoa falando até a chegada da polícia.

Alguns já tentaram fugir. Um homem apareceu em uma van e deve ter desconfiado - talvez ele tenha achado estranho ter muita gente em pé -, ele foi embora e nós o seguimos. Por fim, ele foi capturado pela polícia.

Normalmente, quando são confrontados, os suspeitos admitem rapidamente o que estão fazendo para a câmera. É difícil para eles negarem quando são apresentadas as evidências - mas a reação deles pode depender de quão longe foi o bate-papo online Nós filmamos toda a ação para segurança dele e nossa - e para usar como prova.

Resultados na Justiça

Cerca de 120** pessoas foram condenadas depois das nossas operações. Oficialmente, a polícia não aprova o que fazemos. Pessoalmente, acho que eles poderiam dar um pouco mais de apoio. Ao contrário de outros grupos de caçadores de pedófilos, não transmitimos ao vivo as operações nas redes sociais porque acreditamos que todos têm direito a um julgamento justo.

Nós não somos pagos, mas recebemos algumas doações. Arrecadamos fundos e esse dinheiro é gasto em combustível. Faço trabalho voluntário paralelamente, mas não tenho outro emprego.

Apesar de tudo a que estou exposta nesta função, não faço terapia ou algo do gênero. Não é algo que eu tenha cogitado. Tenho a equipe para conversar e se eu precisar de uma pausa, posso tirar uns dias para relaxar. Gosto de nadar, sair com amigos e ir ao cinema.

Ninguém fora da minha família e do grupo sabe o que eu faço. Não comento com ninguém sobre o assunto.

Quando contei aos meus pais, eles ficaram muito preocupados. Levaram cerca de um ano para aceitar. Minha família concorda com o que eu faço agora, mas tem um pouco de receio de eu usar minhas próprias fotos no perfil. Eles se preocupam com a minha segurança - eu também, durante a operação, mas quando a pessoa é capturada, fico bem.

Quando configurei meu perfil, fiquei chocada com a quantidade de gente que estava me enviando mensagem. Os pais devem saber que qualquer garota de 14 anos com um perfil público como o meu pode estar recebendo mensagens como estas. É assustador.

Não sei como impedir que isso aconteça, mas acho que os pais devem monitorar as trocas de mensagem dos filhos na internet regularmente. Eles devem ter as senhas dos perfis dos filhos. Muitos pais entram em contato o tempo todo com a gente por acreditar que seus filhos estão sendo assediados online.

Eu não diria que gosto de fazer este trabalho. Às vezes me preocupo com minha segurança. Mas prefiro que os suspeitos de pedofilia falem comigo em vez de crianças reais.

*Depoimento concedido ao jornalista Ben Bryant, da BBC Three.

**A BBC não conseguiu verificar esses números.

Este depoimento foi publicado originalmente pela BBC Three. Leia aqui a reportagem original (em inglês)


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