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Governo Bolsonaro: os principais efeitos da crise, do risco à reforma da Previdência a paralisia na Educação

Última semana deixou mais evidente fragilidades na articulação política do governo Bolsonaro - REUTERS/Ueslei Marcelino
Última semana deixou mais evidente fragilidades na articulação política do governo Bolsonaro Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília

29/03/2019 19h14

O governo de Jair Bolsonaro completa três meses precisando arrumar a casa. A última semana deixou mais evidentes as fragilidades na articulação política - que põem em risco sua principal agenda, a reforma da Previdência -, assim como a paralisia de uma área crucial, o Ministério da Educação.

Para completar, o presidente continuou a alimentar crises paralelas. Depois do desgaste gerado pelo tuíte sobre "golden shower" no Carnaval, Bolsonaro instigou reações negativas dos mais diversos setores da sociedade, da direita à esquerda, ao determinar a comemoração do golpe que instaurou uma ditadura militar em 1964. Neste fim de semana, ele chega a Israel para uma visita que também tem potencial de gerar atritos.

A BBC News Brasil explica abaixo cada capítulo dessa crise e quais seus possíveis desdobramentos.

Previdência: agora vai?

De um lado, o governo ataca com veemência a "velha política" - que seria, na sua visão, a troca de cargos por apoio no Congresso. De outro, não parece ter uma estratégia alternativa para articular a base e reunir os votos para a votação de uma matéria complicada como a reforma da Previdência.

A mudança nas aposentadorias é vista como fundamental pelo governo para equilibrar as contas públicas e recuperar a economia.

O embate produziu um atrito grande com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao longo da semana que passou.

"Ele não pode terceirizar a articulação como ele estava fazendo. Transfere para o presidente da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele e fica criticando: 'Ah a velha politica está me pressionando'. Ele precisa assumir essa articulação porque ele precisa dizer o que é a nova política. Nós estamos na nova politica, nós queremos a nova politica, o Brasil quer mudar", criticou Maia no início da semana.

Para a cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPES) da FGV, Bolsonaro se equivoca ao classificar a repartição de cargos como algo necessariamente vinculado a práticas corruptas. Na verdade, diz ela, repartir poder é algo fundamental para se formar uma coalizão em um sistema político multipartidário.

Nesse sentido, Mesquita considera mau sinal a escolha de um parlamentar do mesmo partido de Bolsonaro, em primeiro mandato, para ser o relator da reforma da previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Após dias de indefinição, a missão ficou com o Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG).

"É mais um sinal de incapacidade de articular. O PSL já preside a CCJ. O ideal é que fosse uma parlamentar mais experiente, e de outro partido, que agregasse apoio", ressalta.

"Reforma da Previdência é mais contribuição e menos benefício. Em lugar nenhum do mundo a população vai para a rua cobrar reforma", diz, ao reforçar a necessidade de articulação pelo governo.

O cientista político Antônio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco, também considera que a melhora da articulação passa por uma reforma ministerial que compartilhe o governo com mais forças políticas.

No entanto, ele se mostra mais otimista com o trâmite da reforma da Previdência pela grande proeminência que a pauta ganhou. Tanto que Maia, mesmo após a troca de farpas com Bolsonaro, renovou seu compromisso com a matéria.

Ele destaca também o apoio dado pelo Centrão - nesta semana, líderes de 13 partidos (PR, SD, PPS, DEM, MDB, PRB, PSD, PTB, PP, PSDB, Patriotas, Pros e Podemos) anunciaram que apoiariam a proposta do governo, desde que retirado dois pontos - as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural.

"O entendimento sobre a importância da reforma veio amadurecendo desde o governo Temer e hoje há amplo apoio entre formadores de opinião", afirma Lavareda.

Ministério da Educação conflagrado e travado

Em apenas três meses, o Ministério da Educação já teve quinze exonerações em cargos importantes para o funcionamento da pasta, o que se reflete na paralisia do órgão.

Nesta sexta-feira, o tenente brigadeiro Ricardo Machado Vieira foi anunciado como secretário executivo, na terceira nomeação para o posto em cerca de duas semanas. O cargo é o segundo mais importante da pasta, abaixo apenas do ministro.

Vieira não tem larga experiência na área de educação, mas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, é homem forte no círculo militar e é especialista em logística.

Sua nomeação parece uma vitória dos militares na disputa que vêm travando com os olavistas (discípulos de Olavo de Carvalho) no controle da pasta. O próprio Vélez é indicação do ideólogo. Ainda segundo o jornal, Vieira estaria cotado para assumir a pasta interinamente no lugar do ministro.

"É algo normal que um governo tenha diferentes grupos internos em disputa, mas no caso do Ministério da Educação eles estão se boicotando e o ministro e o presidente não estão sabendo arbitrar", afirma Lara Mesquita.

"Isso está paralisando a pasta. Ou o presidente arbitra ou separa os grupos em diferentes ministérios", opinia a pesquisadora.

A mais recente polêmica, em que uma portaria do ministério suspendeu a avaliação nacional de alfabetização prevista para este ano, provocou a demissão do presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Marcus Vinicius Rodrigues, que saiu chamando Vélez de incompetente.

Já o ministro disse que ele foi demitido porque "puxou o tapete". Rodrigues, por sua vez, revelou documentos comprovando que a suspensão da avaliação partiu de outro olavista, o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim.

O próprio Bolsonaro acabou reconhecendo as fragilidades do ministro e há expectativa de que ele possa ser demitido depois que o presidente voltar da viagem a Israel.

"Ele (Vélez) tem problemas sim, ele é novo no assunto. Não tem o tato politico, vou conversar com ele e tomar as decisões que tem que tomar", afirmou, nesta quinta.

Polêmicas

Para os analistas ouvidos pela BBC News Brasil, outra fonte constante de desgaste para o governo têm sido as polêmicas criadas pelo próprio presidente.

Depois da publicação de uma vídeo com cenas vulgares durante o carnaval, que ficou conhecido como episódio do "golden shower", e de declarações desrespeitosas sobre imigrantes que vivem nos Estados Unidos, Bolsonaro despertou reação de diferentes setores da sociedade ao determinar, por meio do seu porta-voz, que as unidades militares realizassem as "comemorações devidas" do que o presidente considera a "Revolução de 1964".

O episódio, reconhecido historicamente como um golpe de Estado, levou os militares a ocupar o poder, sem eleições presidenciais, por 21 anos. De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, apresentado em 2014, 423 pessoas foram mortas ou desapareceram no período que vai de 1964 a 1985 pelo regime militar. O período foi marcado também por censura à imprensa e terminou com hiperinflação e aumento da pobreza.

O presidente terminou a semana com um recuo, dizendo que na verdade tratava-se de "rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro".

"Bolsonaro se projetou como deputado e foi eleito presidente com a estratégia do confronto, do inimigo. A radicalização parece uma estratégia agora também, mas não sei se a mais eficiente para administrar. É estressante para a sociedade", acredita Lara Mesquita.

Para críticos desse estilo do presidente, ele acaba perdendo energia e capital político com questões que não são centrais. Neste fim de semana, por exemplo, embarca para Israel, o que deve trazer novo foco sobre sua polêmica promessa de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém - algo que vai na contramão da recomendação da ONU e enfrenta resistência dentro do próprio governo.

Além disso, Israel terá eleições parlamentares dia 9 de abril, o que pode levar à mudança do primeiro-ministro, tornando o timing da visita mais questionável.

"Para o Brasil, é uma viagem desnecessária do ponto de vista de pautas concretas, porque a prioridade deveria ser reforma da Previdência. Qualquer assunto que polarize internamente o governo, é péssimo para perspectiva de reformas", afirma o professor de relações exteriores da FGV Guilherme Casarões.