Líder da Minoria vê Centrão insatisfeito: "Governo caminha para isolar-se"
O líder da Minoria no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), afirma que, no jogo de xadrez do poder, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) caminha para isolar-se. Isso porque, segundo ele, uma oposição de centro está, aos poucos, se unindo a partidos de esquerda contra o Executivo, ainda que informalmente.
Um reflexo disso é a guerra aberta nesta semana entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da República. Ela seria, na visão de Zarattini, maior do que a batalha aberta entre o ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ) e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Ontem, em momentos diferentes, tanto Bolsonaro como Maia disseram que o conflito havia sido superado.
"Mesmo dentro do Centrão, que são os partidos tradicionais, existe muita rejeição ao governo", afirma o deputado. "Esses setores que não são bolsonaristas, mas votaram nele, não têm ainda uma organização. À medida que o tempo passa, tende a se consolidar como oposição. Todos aqueles que têm uma visão de preservar a Constituição e defender a legalidade vão acabar se opondo a esse governo."
Carlos Zarattini é economista, tem 59 anos e está em seu quarto mandato. Defende as duas reformas da Previdência feitas pelo ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, menos aquela em que a petista tentou reduzir as pensões das viúvas. É contra a reforma de Bolsonaro. Para ele, primeiro é preciso melhorar a arrecadação da Previdência para depois pensar em cortar gastos. "A gente quer começar aumentando a receita, combater o desemprego, retirar privilégios, nessa ordem, antes de começar a mexer nos que mais sofrem, nos mais pobres."
Veja os principais trechos da entrevista.
UOL: Quem se opõe ao governo Bolsonaro?
Carlos Zarattini: Todos os partidos de esquerda, sem exceção. E, mesmo dentro do Centrão, que são os partidos tradicionais, existe muita rejeição ao governo, né? A ponto de que cria esse ambiente de estresse. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem esse estresse todo com ele. É uma situação em que a oposição hoje é bem maior que os partidos de esquerda.
Quem deveria se opor ao governo por questões de ideologia e programa?
O governo é de extrema-direita. Todos aqueles que têm uma visão de preservar a Constituição e defender a legalidade vão acabar se opondo a esse governo. É um governo que quer atropelar todo o Estado de Direito que temos implantado no Brasil desde 1988. A oposição ao governo tende a se ampliar. Esse governo está caminhando para o isolamento.
Impeachment?
É muito cedo para se falar disso. Não seria uma coisa boa para o país. Mas é importante ter uma oposição forte que impeça o governo de fazer os desatinos que ele pretende fazer.
Kim Kataguiri (DEM-SP) tem brigado com a líder do governo no Congresso, Joice Hasselman (PSL-SP). É a oposição da direita?
Não. Kim Kataguiri apoia o governo. Isso é coisa menor. É apoiador do governo.
A oposição à esquerda está dispersa?
Não. Essa semana mesmo tivemos uma reunião com todos os partidos da esquerda. Todo mundo fechou contra a reforma da Previdência. Sinto que está havendo uma articulação boa.
E o conjunto da oposição? Está disperso?
A oposição que votou no Bolsonaro porque não queria que o PT voltasse... Esses setores que não são bolsonaristas mas que votaram nele não têm ainda uma organização. Mas, à medida que o tempo passa, tende a se consolidar como oposição.
O que o senhor acha de setores da esquerda que não aceitam serem capitaneados pelo PT?
Isso está sendo superado porque a realidade vai impondo um ritmo de unidade, porque o inimigo maior, que é o governo, não permite que você tenha duas linhas diferentes. Então, vai acabar juntando todo mundo. O que junta, na verdade, são as maldades que o governo quer fazer: privatizações, Previdência, reforma na saúde, na educação.
É possível vermos uma oposição de esquerda e de direita unidas?
À medida que você tem algumas questões que atingem a todos, tende a se formar, não formalmente, mas vai se juntando uma oposição só. Ela vai se unido em torno de bandeiras democráticas, de manter os direitos mínimos de liberdade do povo brasileiro. Por exemplo, o Rodrigo Maia apoia a reforma da Previdência, mas é contra um governo autoritário de direita que não faz a interlocução com o Congresso, como esse governo.
Qual a avaliação dos três meses do governo Bolsonaro?
O governo é uma confusão só. É muito dividido nos grupos. Essa divisão entre eles não consegue implementar nenhuma política. Alguns ministérios estão em estado caótico, como é o caso da Educação. É muito ruim.
Como avalia o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro?
É um projeto que cerceia diversos direitos já reconhecidos no Brasil. Ao mesmo tempo, cria verdadeira licença para matar, que permite ao policial reagir sem nenhuma investigação, sem nenhuma punição. Isso pode levar a uma violência ainda maior.
Por que o senhor diz que a reforma da Previdência, do ministro da Economia, Paulo Guedes, é ruim?
Primeiro, porque ela tem o objetivo de fazer as pessoas trabalharem mais tempo e, quando se aposentarem, ganharem menos. Segundo, porque introduz um sistema de capitalização [previdência privada] que transfere bilhões de reais, que hoje são do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], para os bancos.
Esse dinheiro que as futuras gerações vão contribuir para a capitalização é dinheiro que vai para banqueiro a custo zero. Então, um absurdo, uma rapinagem. Um roubo com o trabalhador brasileiro, só para favorecer os bancos.
O governo Dilma propôs uma reforma de Previdência, mas parte do PT foi contra...
No segundo governo dela, ela queria mexer nas pensões. Ela não conseguiu. Nós nos opusemos. Era muito parecido com isso que está colocado aí hoje. Quando a pessoa aposentada falecer, só 60% da aposentadoria dela é transferida [para a viúva].
Lula fez reforma da Previdência em 2003, Dilma fez o fundo Funpresp [fundo de pensão bancado com dinheiro dos próprios servidores públicos que quiserem ganhar aposentadoria acima do limite do INSS], depois tentou outra. Qual reforma da Previdência o PT defende?
Em primeiro lugar, temos que considerar o lado da receita. No Brasil, quando um empresário recebe lucro das empresas, ele não paga Imposto de Renda. São R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões por ano. Você não tem cobrança de imposto sobre herança, grandes heranças, tem muitas desonerações [de tributos].
Precisamos primeiro cuidar da arrecadação. Precisamos primeiro garantir uma espécie de reforma tributária. A gente quer começar aumentando a receita, combater o desemprego, retirar privilégios, nessa ordem, antes de começar a mexer nos que mais sofrem, nos mais pobres. Essa reforma que eles estão falando, de reduzir R$ 1 trilhão de despesas, 80% é dos mais pobres. Antes de mexer nos mais pobres, quero mexer nos mais ricos.
O governo diz que precisa da reforma da Previdência, mas ela não anda. O que está acontecendo?
O Paulo Guedes quer que seja feita a reforma. Interessa para ele porque ele é banqueiro. Ele quer, ele é da especulação financeira. O Bolsonaro tem uma ideia. Ele falou nos EUA: "Vou destruir o que existe". Ele quer destruir as instituições para implantar um novo tipo de regime. A prioridade dele não é exatamente a reforma da Previdência. É uma espécie de revolução ao contrário, uma revolução da direita. É nisso que ele está focado. Ele enfrenta o Rodrigo Maia, os deputados, os senadores, o STF [Supremo Tribunal Federal]. Ele quer romper com a Constituição de 1988 e implantar um novo regime, evidentemente autoritário e excludente.
Ele [Bolsonaro] diz que quer fazer a reforma porque quer ficar bem com esse capital financeiro, o chamado "mercado". Para não se desgastar com o mercado, ele embarcou nessa história de Previdência, mas, para ele, o fundamental não é isso.
Eduardo Cunha brigou com Dilma no mesmo nível que Rodrigo Maia e Bolsonaro?
Ele quer o tempo todo guerrear com o Congresso. O povo está vendo que o governo dele não faz porcaria nenhuma. Então, para manter a moral da tropa, ele está enfrentando o Congresso, para criar uma situação de permanente confronto.
O senhor se recorda de Cunha brigando com Dilma nesses termos?
Não. Nunca aconteceu isso.
Por que acontece agora?
Porque o objetivo dele é destruir a velha política. Tem que enfrentar o Rodrigo Maia e todo mundo para criar uma animosidade do povo contra o Congresso e o STF para tentar se fortalecer.
Ele vai conseguir?
Acredito que não. Ele teria que gerar emprego para o povo ficar satisfeito, melhorar os salários. Isso não vai acontecer [pausa] Tá ok?
A postura do PT na eleição foi correta? Deveria ter se aliado a Ciro Gomes (PDT)?
O Ciro não quis se aliar com a gente. Ele procurou o DEM, o PSB... A gente tinha uma candidatura forte. [O ex-prefeito de São Paulo] Fernando Haddad (PT)] teve 45% no segundo turno e 30% e tantos no primeiro. Faz quatro eleições que o Ciro disputa que ele tem 12%.
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