Qual é a misteriosa arma que a Rússia está testando no Ártico?
A explosão de um foguete em meio a um teste feito pela Rússia no Ártico, que deixou cinco mortos, e os poucos esclarecimentos dados por autoridades do país sobre o incidente fizeram o mundo se questionar: o que Moscou está fazendo exatamente ali?
O incidente ocorreu na quinta-feira (08) em Sarov, cidade a 373 km de Moscou, onde são fabricadas ogivas nucleares. Cinco engenheiros nucleares russos morreram e outros três ficaram feridos.
A Rosatom, agência nuclear estatal russa, disse que os especialistas testavam um motor movido a energia nuclear em uma plataforma em alto-mar no Ártico. A explosão foi seguida por um pico de radiação na região.
Sabe-se, por exemplo, que o país vem testando um míssil nuclear, o Burevestnik, mas não é possível afirmar que este armamento estava envolvido no incidente.
Especialistas em Rússia dizem que o teste provavelmente estava ligado ao 9M730 Burevestnik, que significa "petrel", um tipo de ave marinha. O presidente russo, Vladimir Putin, descreveu o míssil como "invencível" ao discursar no Parlamento em março de 2018.
Mark Galeotti, analista e pesquisador líder do Royal United Services Institute (Rusi), um centro de estudos de defesa e segurança do Reino Unido, diz que a propulsão nuclear envolve enormes desafios técnicos.
"Há a questão da velocidade versus o peso do sistema e o risco de um míssil que expele material radioativo por seu escapamento", disse ele à BBC.
"Esses novos sistemas têm sua origem nos tempos soviéticos - eles foram retirados do mercado e receberam novos investimentos."
A propulsão nuclear do Burevestnik, segundo Putin, daria ao míssil um alcance "ilimitado". Mas a explosão poderia ter envolvido uma arma diferente, igualmente capaz de carregar uma ogiva nuclear.
Por exemplo, um novo míssil de longo alcance antinavios chamado Zircon, que é hipersônico - pode voar a até oito vezes a velocidade do som, segundo o Exército russo.
Outra possibilidade é um novo drone subaquático de longo alcance, lançado de um submarino, chamado Poseidon.
O que se sabe sobre a explosão?
Os cinco engenheiros nucleares mortos eram "especialistas de elite" e "heróis" que sabiam dos riscos e haviam realizado testes anteriores em "condições extraordinariamente difíceis", disse o diretor do centro nuclear de Sarov, Valentin Kostyukov.
Este centro era uma instalação secreta na época da Guerra Fria, responsável pelo arsenal de bombas de hidrogênio da Rússia.
Inicialmente, o Ministério da Defesa disse que a explosão em 8 de agosto envolveu um motor de foguete de combustível líquido e informou que havia dois mortos, sem especificar as vítimas.
Mais tarde, a Rosatom afirmou que o teste envolveu "propulsores à base de isótopos de rádio" e que havia sido realizado em uma plataforma em alto-mar.
Os engenheiros completaram os testes, mas houve um incêndio repentino e o motor explodiu, jogando os homens no oceano, disse a Rosatom.
Logo após a explosão, a Prefeitura de Severodvinsk, cidade a 40 km a leste do campo de testes Nyonoksa, perto do mar Branco, relatou um aumento nos níveis de radiação na cidade por 40 minutos.
Autoridades locais disseram que o nível de radiação chegou a 2 microsieverts por hora, antes de cair para os 0,11 microsieverts normais. Ambos os níveis são pequenos demais para causar alguma doença.
As notícias disso levaram os moradores a comprar nas farmácias da cidade pílulas de iodo, que oferecem alguma proteção contra radiação - houve uma enorme demanda por elas durante o desastre de Chernobyl, em 1986, por exemplo.
Antes do experimento, o Ministério da Defesa criou uma zona de exclusão em Dvina Bay - as águas ao norte do campo de testes de Nyonoksa. Esta zona permanecerá fechada até o início de setembro.
Um site de notícias norueguês do Ártico, o Barents Observer, informou que um navio de carga nuclear russo, o Serebryanka, estava dentro da zona de exclusão em 9 de agosto.
Há especulações de que o navio é encarregado de recolher quaisquer detritos radioativos no caso de falha de algum teste, e poderia estar fazendo naquele momento.
Mas o estabelecimento da zona de exclusão também pode ser uma precaução contra qualquer vazamento de combustível de foguete tóxico para o mar, onde os habitantes locais vão pescar.
O míssil movido a energia nuclear é um divisor de águas?
Mark Galeotti, da Rusi, diz que "há muito ceticismo sobre se o Burevestnik será finalizado algum dia". Ele observa que outro míssil russo de última geração, o Bulava, "passou por muitos anos de testes fracassados".
Os projetos Zircon e Poseidon estão em estágio mais avançado. O drone subaquático Poseidon já existe como protótipo, mas, assim como o Burevestnik, parece ser uma arma "apocalíptica", diz Galeotti - impraticável para qualquer coisa além da guerra nuclear total.
O Rossiiskaya Gazeta, jornal do governo russo, descreveu o Burevestnik no mês passado como "uma arma de vingança". Essa também foi a frase usada pelos nazistas para descrever os foguetes disparados contra o Reino Unido no final da Segunda Guerra Mundial.
O jornal disse que o Burevestnik - capaz de voar por longas distâncias e evitar defesas aéreas - teria como alvo qualquer infraestrutura vital remanescente após os mísseis balísticos intercontinentais russos já terem atingido o território inimigo.
Galeotti destaca que o incidente ocorre em meio ao recente colapso do Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário, firmado entre Estados Unidos e Rússia em 1987 para banir o uso de mísseis de curto e médio alcance pelos dois países.
Washington vinha acusando Moscou de descumprir o tratado e desenvolver mísseis nucleares e se retirou dele no início deste ano. Logo depois, os russos - que negam as acusações de violação do acordo - anunciaram que fariam o mesmo.
Os americanos agora se concentrarão mais em "desenvolver esse tipo de armas, algo próximo de um cenário de guerra total", disse Galeotti. "Os militares russos também querem ter essa capacidade, porque eles também estão preocupados com a China."
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